Por Caio César | 23/10/2014 | 5 min.
Temos hoje na chamada Zona Leste de São Paulo pelo menos 3,3 milhões de habitantes (dados de 2004), 3 linhas de trem metropolitano/metrô e um fluxo de pessoas oriundo de cidades como Itaquaquecetuba, Suzano, Poá, Mogi das Cruzes e Ferraz de Vasconcelos, assim, somando a população de aproximadamente 1,2 milhões de habitantes (dados do Censo 2010), temos um superlativo número de 4,5 milhões de habitantes. Quando verificamos dados mais delicados, tais como IDH e renda média por habitante, contudo, percebemos que há algo errado, muito errado.
Em todo o Estado de São Paulo, a situação observada pelo locais que eu citei é, definitivamente, única e interessante, constitui um problema que se desdobra por bairros como Calmon Viana, Guaianases, Itaim Paulista, Itaquera e muitos outros: o desconforto do dia a dia em meio à necessidade de trabalhar longe de casa. Aquilo que era para ser visto como um facilitador (Metrô e/ou a CPTM), passa a ser visto como um martírio, um mal necessário.
No Facebook e no Twitter não é preciso muito esforço para encontrar publicações reclamando do Metrô e da CPTM, mas se as conectarmos com os parágrafos que desenvolveram este texto, será que a culpa é realmente das duas empresas tão somente? Até que ponto fica a cargo do Metrô e da CPTM suportarem uma carga pendular de passageiros, despejada sem planejamento pelos municípios atendidos pelos dois sistemas de trens? Hoje a CPTM anuncia investimentos para a redução de intervalos a patamares bastante “admiráveis” para um sistema voltado aos subúrbios, enquanto o Metrô prevê a entrada de 10 trens na Linha 3-Vermelha após a instalação do sistema de sinalização CBTC. Será que estamos no caminho certo? Será que os trens no sentido contrário (o famoso contra-fluxo) deveriam estar tão vazios?
Que a CPTM é uma empresa cuja identidade é mal resolvida, muitos já devem ter notado, mas se ignorarmos a identidade e pensarmos unicamente no serviço, fica claro que há um grande dilema, que eu traduzo da seguinte forma: o Estado adotou o Metrô como modelo de sistema para a CPTM, uma empresa secular, problemática e deficitária, porém, se esqueceu de que o Metrô foi pensado para deslocamentos razoavelmente curtos, não para pessoas que gastam horas e percorrem dezenas de quilômetros dentro de um ou mais trens, ou seja, os intervalos caem, mas a dinâmica do deslocamento não muda, as pessoas não estão percorrendo pequenas distâncias, elas estão comutando, saindo do subúrbio (que pode ou não ser uma periferia) para trabalhar na capital, geralmente no Centro ou no Centro Expandido, se pensarmos nas linhas 3, 11 e 12. Se estendermos o dilema e agregarmos a ele alguns fatores históricos, notamos que mesmo a Linha 3 do Metrô talvez esteja aquém do esperado quando pensamos em passageiros que saem de Itaquera ou Artur Alvim no horário de pico para chegarem ao seu local de trabalho dentro de um trem lotado e que se desloca lentamente.
Aquilo que era para ser visto como um facilitador (Metrô e/ou a CPTM), passa a ser visto como um sacrifício, um mal necessário.
Cidades como o Rio de Janeiro possuem em seus sistemas de trens suburbanos serviços expressos e semi-expressos (operados pela SuperVia, são chamados de diretos e semi-diretos), tais serviços, contudo, inexistem em São Paulo, com uma promessa bastante duvidosa para a implantação de um serviço expresso na Linha 10-Turquesa (Expresso Sudeste ou Expresso ABC) e outro serviço expresso para atender a certos deslocamentos dos usuários das linhas 8 e 9 (Expresso Oeste-Sul). Para as linhas herdadas da CBTU (Companhia Brasileira de Trens Urbanos) e que por sua vez eram da EFCB (Estrada de Ferro Central do Brasil), exatamente as mais defasadas historicamente, nenhum serviço expresso foi anunciado. O serviço conhecido como Expresso Leste, que futuramente terá seu padrão de operação estendido até Suzano é, na verdade, um semi-expresso, de atratividade questionável em vista da demanda brutal da Estação Guaianazes, além de terminar na Estação da Luz, construção histórica e inadequada para ser terminal de qualquer linha em vista de sua limitada infraestrutura.
Será que não está na hora de pensarmos na criação de linhas expressas com um propósito bastante claro quanto ao desenvolvimento das regiões, redução da pendularidade e racionalização da frota e consumo de energia elétrica? Será que algumas áreas não poderiam inclusive sofrer requalificação urbana com a construção de linhas em elevado (com o devido isolamento acústico), que possuiriam nos baixos um parque linear e ciclovias?
Hoje a Companhia do Metropolitano planeja a construção de mais uma linha para atendimento de outra parte da Zona Leste em um segundo momento (Linha 6-Laranja; Jardim Anália Franco) e o prolongamento (que talvez seja um pouco absurdo) da Linha 2-Verde até a Dutra, passando por bairros que hoje são atendidos majoritariamente pela Linha 3-Vermelha, como Vila Formosa, Vila Santa Isabel, Jardim Têxtil e outros. A previsão é de que a Linha 2 se torne o mais movimentado tronco de toda a rede do Metrô e, novamente, eu insisto: e a questão da pendularidade? E o desenvolvimento das regiões? E os efeitos nefastos da especulação imobiliária, que priva a população de baixa renda da conquista de um imóvel melhor localizado e acaba por saturar ainda mais o sistema de transporte e aumentar os tempos de deslocamento?
Precisamos ousar. Além das promessas e projetos, que devem ser acompanhados e cobrados, precisamos exigir visão de nossos administradores e governantes. É necessário conciliar a expansão da malha, assunto polêmico, com a problemática das regiões da Zona Leste e do Alto Tietê.
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