Por Eduardo Ganança | 08/12/2014 | 4 min.
São Paulo carece de espaços públicos de qualidade. E não se trata apenas da existência de equipamentos, de sua manutenção e sua segurança (ou sensação de segurança), mas também da construção de um imaginário coletivo a partir do espaço físico.
Usar como ponto de encontro uma praça em São Paulo é, no mínimo, estranho a ouvidos paulistanos. Muitos sequer têm noção da apropriação que pode haver em uma praça, veem-na como espaço residual dentro do viário. Uma sobra. Um acidente. Não veem sentido em ocupar esse espaço.
Não existe encontro na rua, pois calçadas estreitas e esburacadas são a regra, como meras vias de passagem de pedestres, espremidas entre o leito carroçável e o espaço privado. Nesgas estreitas entre o espaço público destinado à passagem de espaço privado “móvel” e o espaço privado “fixo”. Espaços de permanência e espera estão fora de cogitação. Encontros são feitos atrás das grades, dos muros, da identificação, dos seguranças. O “passeio público” está morto.
A falta de legibilidade do espaço, a baixa imaginabilidade[i] que essa massa cinza amorfa possui, sem marcos nítidos visíveis ao nível da rua na maior parte dos espaços, contribui para essa insegurança espacial. Não há igrejas ou castelos como nas cidades europeias, nem montanhas ou praias como na nossa vizinha Rio de Janeiro. Em São Paulo você deve precisar sua posição, flanar é arriscado, e a deriva errante é impensável. O viário é descontínuo[ii] e a malha é retalhada, as conexões são difíceis e os limites, ermos.
Nesse cenário, a existência de uma sucessão de espaços públicos organizados em uma rede legível, cujo mapa físico e cognitivo é bem difundido entre seus usuários, com vasta gama de pontos nodais e possibilidades de encontro adquire a função do espaço público externo.
O sistema metroferroviário assume a posição de espaço público de permanência e encontro. Na vida e no imaginário. Ouvir “me encontra na catraca do metrô” (sic) implica ter um local de encontro pontual e seguro. Um local, ainda que não conhecido, de identidade e lógica de funcionamento próprias, de formato reconhecível. Enfim, um local previsível.
Quando a cidade não oferece o mínimo de condições para a vida pública, a vida pública se apropria de espaços onde ela consegue existir. Nisso, o metrô se transforma em local de encontro, permanência, comércio, namoro, conversa — espaço de ver e de ser visto.
Contudo, não cabe ao metrô a função de espaço público de permanência e encontro. Não em substituição àquele de fora, sucateado e cercado. Pesam sobre as companhias que administram o sistema as responsabilidades que não lhes cabem em tal intensidade. Em resposta a isso, temos plataformas com cada vez menos bancos, espaços cada vez mais exíguos, acessos cada vez mais acanhados e cada vez menos equipamentos em área não-paga. Lugar de encontro ou lugar de espera são “fora da estação”. Ainda que para isso seja necessário haver seguranças removendo pessoas sentadas no chão e nas escadas “pra não atrapalhar o fluxo”.
As pessoas sentam no chão da estação porque não há bancos. Mais do que isso, as pessoas sentam no chão porque foram ensinadas que o metrô é um espaço limpo e seguro. As pessoas sentam no chão porque o banco da praça é um alienígena, colocado ali, a poucos metros do asfalto, por mera conveniência, não como parte de um projeto paisagístico que prevê a permanência, com conforto físico tátil, mas também acústico, luminoso e psicológico.
Colocar bancos? Uma medida popular (-ista?) que vai perpetuar a aberração! Requalificar os espaços públicos de permanência e encontro, com marcos bem definidos e repensar a configuração de espaços da cidade de modo a facilitar a sua legibilidade e dotar o transeunte de segurança ao circular e ficar. Isto seria uma guinada. Mas não sem uma mudança no imaginário coletivo e na cultura. Seria um longo processo de desconstrução da imagem de oásis que o sistema de trilhos tem.
Referências
i “A característica, num objeto físico, que lhe confere alta probabilidade de evocar uma forte imagem em qualquer observador dado.” LYNCH, Kevin. A Imagem da Cidade. Massachusetts Institute of Technology, 1960.
ii "[…] o planejamento físico de bairros eficientes deve almejar as seguintes metas: […] fazer com que o tecido dessas ruas forme uma malha o mais contínua possível […]" JACOBS, Jane. Morte e Vida de Grandes Cidades. Random House Inc., 1961
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