Por Ana Carolina Nunes | 09/12/2014 | 3 min.
Bagunça, invasão, vandalismo. Esforço-me pra entender em que momento a bicicleta ganhou essa conotação de subversão aqui em São Paulo. Ler os relatos de moradores revoltados contra as ciclovias que brotam da noite pro dia nas ruas de São Paulo chega a ser um exercício antropológico. É como se entrássemos em um universo desconhecido para muitos ciclistas: a cabeça das pessoas que não conseguem enxergar as necessidades coletivas da cidade.
Vamos a alguns exemplos:
“Se eu fizer um jantar e quiser receber meus amigos, onde eles vão parar? Na casa do (prefeito) Haddad?”
“Eles não podem perder o direito de estacionar os carros nas ruas. E a ciclovia vai atrair assaltantes”
“Na Europa as ciclovias são nas calçadas. Aqui as pessoas ainda não têm educação”
“O movimento de carros é muito grande, é até um risco para os ciclistas.”
“Quem anda de bicicleta não presta, hoje nós sabemos disso. São pessoas não qualificadas. Então vamos ficar sujeitos a esses riscos aqui?”
Esses depoimentos são a prova de que as ciclovias são necessárias — afora as razões óbvias de segurança e incentivo ao transporte não-motorizado e a dívida histórica do poder público com esse modo de transporte — mas também para acelerar uma mudança pela qual, em algum momento, São Paulo deveria passar. Pessoas como os revoltosos-da-Honduras estão acostumadas a serem privilegiadas pelas políticas públicas, então acreditam piamente que é errado compartilharem o espaço que deveria ser exclusivo delas.
A pintura à revelia de vias para bicicletas é a resposta de que não, a rua não é de meia dúzia de pessoas. Ela pertence à cidade e a todos os seus cidadãos (a lei, inclusive, diz isso). É difícil explicar isso apenas dialogando (como muitos dos revoltosos parecem que gostariam em uma eventual consulta prévia), porque são décadas de negação do espaço público e prioridade à propriedade e ao transporte privados que dificultam esse entendimento. Por isso, a cada faixa pintada, é repetida a sentença outrora esquecida, de que as ruas são para serem divididas.
Não, os revoltosos-da-Honduras não precisam ser crucificados, apesar da agressividade de algumas de suas falas. Eles são apenas uma amostra do tipo de mentalidade que uma cidade excludente produz. Com a ressalva de que há tempo para promover uma virada nessa cultura.
Aos que se sentiram ofendidos por terem sido enquadrados entre a “gente que não presta”: não se preocupem, isso é uma amostra de que estamos no caminho certo, desafiando os paradigmas que precisam ser quebrados. Na verdade, dentro desse contexto, “não prestar” é motivo de orgulho. Talvez um sinal de que você também está nadando contra uma corrente que, daqui a alguns anos, vai virar uma marolinha.
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