Por Caio César | 08/01/2015 | 4 min.
Introdução
Muitas vezes nos deparamos com discussões a respeito da superlotação dos trens. Tema extremamente explorado pela imprensa, a superlotação também está na boca do povo, seja nas ruas ou na Internet.
A grande questão é a seguinte: um usuário reclama dos trens superlotados e outro usuário rebate com uma frase mais ou menos assim:
Então hoje quero dizer uma coisa muito importante: falar de superlotação não é falar da condição de “transporte público lotado”, olhar para um trem e constatar que ele está cheio não é suficiente, pois cada pessoa avalia a lotação de uma maneira, basta observar o comportamento das pessoas no embarque, algumas hesitam mais, outras menos.
Lotado como no resto do mundo?
A lotação pode ser mensurada. Eis aí a chave. Quando estiver insatisfeito com a superlotação dos trens e alguém lhe disser, mesmo com muita boa fé e gentileza, que no restante do mundo as coisas também são difíceis, é preciso respirar fundo.
Em 2009 a Folha de S.Paulo anunciava a reportagem “CPTM atinge ‘padrão metrô’ de lotação”, nela, logo observamos, num parágrafo a respeito da Linha 9-Esmeralda do Trem Metropolitano:
Os picos de “aperto” na linha de Andrea chegam a aproximadamente sete pessoas por metro quadrado, em média, das 18h às 19h -acima do padrão internacional tido como tolerável, de seis por m2. “O povão descobriu o trem” diz ela.
Vemos aqui que até a imprensa já falava, há um tempinho, que internacionalmente o desconforto não é tratado de maneira obscura, logo, não podemos aceitar o argumento de que, se é lotado no mundo todo, naturalmente será lotado aqui também, como uma maneira de abafar reclamações sobre quão lotado nossos ônibus e trens do Metrô e da CPTM são.
Outra matéria também da Folha de S.Paulo já mencionava o mesmo índice em 2003, ou seja, mais de 10 anos atrás!
As empresas sabem
Não adianta tentar implicar que as empresas não sabem. Elas sabem. Vamos colocar a CPTM na forca novamente. A empresa contratou um estudo ligado à inserção urbana de toda malha, o qual por sua vez, foi elaborado em 2010 pela Fupam, ligada à Universidade de São Paulo.
Eis então que parte do estudo contempla um livro de 350 páginas, com belas ilustrações, denominado “Plano Diretor de Inserção Urbana da CPTM”.
O livro começa com uma espécie de overview sobre o sistema, devidamente ilustrado com mapas e fotografias, em seguida, são apresentados nove capítulos: Introdução (1), Metodologia (2), A rede da CPTM (3), Linha 7 (4), Linha 8 (5), Linha 9 (6), Linha 10 (7), Linha 11 (8) e Linha 12 (9).
Logo na página 29 do capítulo 2 temos o seguinte:
Os padrões de conforto no interior dos trens, adotados neste estudo, foram os estabelecidos abaixo:
- Nível A: até 2 passageiros/m² ocioso
- Nível B: de 2 a 4 passageiros/m² quase adequado
- Nível C/D: de 4 a 6 passageiros/m² adequado
- Nível E: acima de 6 passageiros/m² saturado
Mas tem mais: cada capítulo ligado a uma linha fez uma análise do carregamento por trecho, o que, ligado ao diagnóstico socioeconômico e uso do solo proposto para a rede da CPTM, compõe uma importante fonte de dados para refutar quem tenta simplificar problemas, calando reclamações e insatisfações extremamente válidas. Vamos a alguns gráficos:
Como podemos ver, não só não é uniforme o carregamento, como existem algumas situações de saturação. São situações assim que provocarão reclamações absolutamente compreensíveis. Outro aspecto interessante é que em alguns casos, os certos trechos de maior carregamento acabam se relacionando com os serviços parciais (chamados de loops operacionais pela CPTM), que visam fornecer uma oferta extra de trens.
Conclusão
A superlotação não é simplesmente uma condição indiscutível, começar a enxergá-la de maneira menos rasa é um dos primeiros passos para condicionar a discussão de políticas locais de desenvolvimento, incluindo não somente políticas para melhorar a inserção da ferrovia e induzir melhoramentos no entorno, mas também provocar o surgimento de novas linhas, mesmo que de média capacidade, com implantação mais rápida e custos menores.
O transporte coletivo não pode ser enxergado como um “ritual de passagem” para a compra do automóvel e muito menos como um “mal necessário” para chegar ao local de trabalho, estudo ou entretenimento, ele é um instrumento de acesso a equipamentos públicos e privados e deve proporcionar conforto e segurança sem promover sensação de humilhação e descaso.
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