Por Caio César | 14/01/2015 | 8 min.
Índice
Introdução
De protagonismo alterado décadas atrás, uma das regiões mais icônicas devido à rica arquitetura e história, continua sofrendo com o estigma da degradação, sujeira e mendicância. Algumas ações interessantes têm sido empregadas pela municipalidade, sendo que alguns elogios de atores internacionais em certos campos já se evidenciam, bem como fica inegável que Nova Iorque parece ter sido fonte de inspiração para pelo menos algumas delas.
O desafio aqui foi dar um enfoque abrangente, mas ainda assim conciso em relação à região central, alguns projetos e possibilidades.
Alguns querem pontes e viadutos
Dentro da questão do Centro, há quem tenha se inebriado com projetos como o Nova Luz. Inebriar-se, principalmente dentro das premissas iniciais do projeto, é bastante compreensível, mas em pleno 2015, há uma parcela que continua ignorando os motivos que levaram ao engavetamento.
Trata-se de uma parcela de diálogo complicado, aparentemente malufista (num sentido cultural, daí o oportuno vídeo acima), que se contenta apenas com obras faraônicas (sem se importar com os meios, principalmente em termos orçamentários) e não aceita nada no Centro que não tenha os traços de uma intervenção “arrasa quarteirão”, que por sua vez, não só elimine os vestígios históricos de construções menos pujantes, mas também varra dali qualquer sinal de desigualdade, pobreza e exclusão, o que, dentro daquilo que se observou com Gilberto Kassab, por exemplo, significa violência e falta de inteligência policial.
Abordagens atuais e olhar para o futuro
Estive refletindo a respeito das ações da gestão de Fernando Haddad, principalmente sobre o Arco Tietê, o Centro Diálogo Aberto e o Programa De Braços Abertos.
Também não posso me furtar de ignorar a gestão de Geraldo Alckmin no governo estadual, o que inclui principalmente o Parque Várzeas do Tietê, todas as estações e linhas do Metrô e da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) no atendimento à zona central e o Casa Paulista.
Será que não podemos, repensar a questão do Centro sem entregá-lo inescrupulosamente às empreiteiras, deixando de lado as potencialidades não só da região, mas também de certas áreas industriais próximas, com Barra Funda, Lapa, Brás, Mooca, Belém, só para citar algumas (já falamos um pouco a respeito, veja aqui) de maneira imediata? Quando falo de repensar, tomo o seguinte como premissa:
- Aproveitar o novo Plano Diretor Estratégico (PDE);
- Envolver recursos do governo estadual;
- Levar em conta o potencial federal de financiar ou custear (ainda que parcialmente) alguns projetos;
- Considerar as mudanças que serão feitas na dívida paulistana;
- Considerar os estudos da Fupam para a criação de diretrizes ligadas à reinserção urbana da malha da CPTM (já falamos um pouco a respeito, veja aqui;
- Ser pragmático com relação às demonstrações (exemplo de uma) de que a expansão da Marginal Tietê fora equivocada e nascida obsoleta.
O Arco Tietê tem um potencial estruturante gigantesco, ele funciona num território de tamanho rudemente comparável ao território somado de Santos e São Vicente, inclusive se entrelaçando com algumas regiões de importância diferenciada, o que inclui pensar nelas incluindo o Centro Velho, na realidade, a própria maneira como a Marginal Tietê se insere faz com que a relação entre o Arco Tietê e o Centro seja difícil de negar.
Com o Arco Tietê, projetos como o enterramento dos trilhos da CPTM entre as estações Lapa e Brás passam a poder ter parte do custo absorvido com a venda de CEPACs (Certificado de Potencial Adicional de Construção), o que aumenta a atratividade da empreitada. Com uma maior sinergia entre as três esferas (federal, estadual, municipal), passa a ser possível até mesmo vislumbrar o redesenho da Marginal Tietê, expandindo a abrangência do Parque Várzeas do Tietê do Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), revisitando ideias que talvez remontem aos anos em que viveu Saturnino de Brito; passa a ser possível permitir o ressurgimento da São Paulo que existe às margens da rodovia; passa a ser possível estruturar um papel-chave para o Centro, ancorado nas áreas próximas. Em síntese, consigo imaginar um gigantesco corredor verde integrado a um parque e ao rio, com menor presença de automóveis, maior presença de sistemas de transporte em massa, sendo estes, por sua vez, articulados aquilo que já existe ou até mesmo com novas estruturas, em substituição aos galpões que ainda resistem, subutilizados em áreas industriais outrora mais ativas.
Aliás, longe de ser uma visão utópica, como recorda a dissertação de Leticia Takeda Lodi na página 39:
A Prefeitura do Município de São Paulo, através da Secretaria das Administrações Regionais, promoveu o Concurso Nacional de Idéias para a Estruturação Urbana e Paisagística das Marginais dos Rios Pinheiros e Tietê, tendo como organizadores o Instituto de Arquitetos do Brasil — Departamento São Paulo — IAB/SP, a Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas — ABAP e o Instituto de Engenharia — IE
Nas páginas 45, 49, 50, 51 e 53, é possível ter, a partir de recursos imagéticos, uma ideia da abrangência das intervenções propostas. São mapas, perspectivas e plantas cuja consulta é recomendada. Trata-se de material que permite revisitar uma iniciativa da década de 1990.
Outros países
Em Zurique, na Suíça, há um conceito de controle de congestionamentos que busca limitar a entrada de veículos pelas rodovias que dão acesso à cidade, alterando a temporização dos semáforos de acordo com a fluidez do tráfego. O conceito foi explorado pelo The CityFix Brasil em um artigo de novembro de 2014, o qual envolve o seguinte vídeo:
Com bons sistemas de transporte e uma verdadeira cidade nova surgida às margens do Tietê, podemos pensar não só na aplicação de um modelo similar, como também em serviços de estacionamentos modernos, que desde a concepção das estações da rede de transporte sejam parte destas, aumentando o potencial de retenção de veículos. O cenário descrito é conhecido pelo termo park and ride, no qual o automóvel é usado como um mero alimentador, sendo deixado sempre na estação, ocorrendo os restantes dos deslocamentos por meio de sistemas de transporte coletivo. Por exemplo, um usuário chega pela Rodovia dos Bandeirantes com seu automóvel, o deixa numa estação, sobe para o terraço de serviços, toma um café, vai para a plataforma, embarca num trem, desembarca em outro ponto, toma uma bonde e ao descer dele, anda poucos metros até a entrada do edifício em que trabalha. Nada disso é fantasia, na verdade, a tecnologia dos anos 70 e 80 já nos permitia fazê-lo com muita tranquilidade. Alguns aspectos dos estudos da Fupam e das ações de modernização da rede da CPTM, somados, podem ser comparáveis às transformações que levaram ao surgimento da RER em Paris e Ilha de França, na década de 70, já permitindo intervalos de 3 minutos nas estações de maior carregamento, época em que a malha de metrô parisiense já era, no mínimo, respeitável. As obras da RER, inclusive, não foram nada modestas:
Nos Estados Unidos, mesmo cidades claramente pró-automóvel, como Dallas e Houston, no Texas, se renderam aos bondes (alvo de desmonte no passado) e dotaram as áreas centrais de sistemas modernos e atrativos, que continuam se expandindo e reforçando indicadores que mostram que as gerações mais novas estão menos suscetíveis à sedução pelo automóvel, inclusive dirigindo cada vez menos quando possuem um. E ainda nos EUA, Nova Iorque tem feito, por meio da MTA, uma obra para aumentar a comodidade de acesso à Manhattan aos que utilizam os trens da LIRR; chamado de East Side Access, os imensos túneis permitirão que os trens comutadores, hoje limitados à Penn Station, possam acessar o Grand Central Terminal diretamente.
Concluindo
Para finalizar, vale também dizer que há hoje uma saturação nas estações do Metrô e da CPTM no Centro, o que proporciona uma experiência negativa aos que moram, trabalham e buscam entretenimento e consumo na região. Com um novo fôlego para o Brás, Moóca e Belém, além de reforços à infraestrutura do Tatuapé, que vem se destacando como uma sub-centralidade, é preciso também identificar a necessidade de melhorar o atendimento de média capacidade, não só o de alta capacidade, afinal, a mobilidade não pode ser pautada por uma visão “transporteira” que se polariza entre o tudo (metrô) e o nada (automóvel). Neste sentido, falamos um pouco das linhas 3, 11 e 12 aqui.
Um sistema abrangente de bondes modernos (chamados geralmente de VLTs, veículos leves sobre trilhos) tem potencial para desafogar estações importantes do Metrô como República e Anhangabaú; expandir a conectividade da região da Luz e do Bom Retiro, incluindo as estações Luz, Júlio Prestes e a futura Bom Retiro, estabelecer ligações convenientes com o entorno e facilitar a criação de ações de reurbanização e revitalização, proporcionando melhores espaços para as pessoas, seguindo o exemplo de diversas cidades, exemplos que envolvem sistemas de bondes, com bulevares para pedestres integrados. Como exposto anteriormente, veículos leves do tipo podem estar articulados a outros sistemas de caráter mais troncal, integrados à Marginal Tietê.
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