Por que escrevemos textos de opinião?

Por Caio César | 25/01/2015 | 6 min.

Legenda: Estação Tamanduateí da Linha 2-Verde
Seis pontos básicos para começo de conversa

Índice


a) A imprensa não cobre todos os aspectos do transporte público

Se jornais como Folha de S.Paulo e Estadão deixam algumas lacunas, alguém precisa supri-las, melhor ainda quando não se tem um automóvel ou condomínio fechado sendo anunciado bem ao lado da manchete. Menos rabo preso significa mais chances de desagradar setores que ajudam a criar os problemas, mas também significa mostrar outros pontos de vista para a população. Veja um exemplo de “acidente de percurso” da Folha de S.Paulo:

Introdução Recentemente a revista sãopaulo (um complemento do jornal Folha de S.Paulo) abordou os serviços disponíveis ao longo das marginais Pinheiros e Tietê, destacando alguns números a respeito dos 180 serviços que encontraram (talvez nem todos impressionantes, mas não vem ao caso). Surpreendentemente, em nenhum momento a Linha 9–Esmeralda da CPTM foi citada na matéria. Legenda: Diagrama contendo as estações da Linha 9 Como podemos ver no diagrama acima, a Linha 9 conta com 18 estações e, segundo dados oficiais, transportou mais de 550 mil passageiros por dia em 2012.


b) O transporte público em São Paulo nem sempre é bom

Se nem sempre é bom, significa que tem algo a ser dito, sugerido, reclamado, da superlotação de linhas alimentadoras na Linha 3–Vermelha (Palmeiras-Barra Funda × Corinthians-Itaquera) ao atraso de obras no extremo da Linha 7-Rubi (Luz × Francisco Morato/Jundiaí), passando pelos rumos da expansão e do relacionamento com as empresas.

Quando as portas do trem são abertas na estação, centenas de usuários, em grande maioria oriundos dos trens da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), embarcam de maneira forçosa ao longo de toda a plataforma. Dentro do trem, quem está próximo da porta que se abriu é empurrado para a borda do corredor ou então para a porta oposta. Pessoas gritam, reclamam, xingam, trocam olhares, suspiram, há também quem tente conquistar uma posição menos sofrível, geralmente em vão.


c) A infraestrutura é desigual, há um abismo diante de nós

A capital tem mais de 15 mil km de vias e existe, por uma parcela, gritaria por causa de um punhado (uma centena de quilômetros) de faixas exclusivas, corredores de ônibus, ciclofaixas e ciclovias. Pior: a CPTM mal tem 300 km, dos quais apenas 150 km estão dentro da capital e o Metrô se esforça para chegar a 100 km.

Parece justo? O buraco tende a ficar ainda mais profundo quando saímos da capital, quando tentamos viajar em feriados prolongados (os famigerados feriadões) e inúmeros outros momentos. Se tem pista expressa para carro, por qual motivo não tem linha expressa de metrô ou de ônibus? Se tem rodovia e terminal rodoviário, por qual motivo a CPTM continua patinando para lançar sua rede de trens regionais?

Se assumirmos que está tudo bem, a evolução da infraestrutura vai continuar patinando, tempo, saúde e dinheiro serão perdidos, oportunidades serão deixadas de lado.

A rede da CPTM, com cerca de 260 km, atendendo 22 municípios, com mais de 90 estações, aproximadamente 170 trens e movimentação de quase 3 milhões de usuários em média por dia útil apresenta não só números superlativos, mas também descaso em igual ou superior escala. A capital possui cerca de 130 km (136,5 km, para ser mais exato, de acordo com a Secretaria dos Transportes Metropolitanos), o que é mais do que a rede do Metrô inteira, mesmo se somarmos a Linha 4, operada pela CCR ViaQuatro em regime de concessão patrocinada).


d) O automóvel precisa de um contra-ponto

O debate não está balanceado. Enquanto tentamos independentemente qualificar a discussão sobre o transporte coletivo e seu papel para a cidade, são vomitadas propagandas a cada minuto sobre como é bom comprar um carro e sobre quão “barato” ficou comprar um veículo zero km, as mesmas montadoras anunciam em revistas e jornais também, que depois falam do transporte coletivo vendendo uma isenção que não passa do velho e bom discurso que repete que o transporte coletivo não passa de um ritual de passagem antes da compra do carro.

Alguns parecem tratar o trânsito de São Paulo como uma entidade diferenciada, que merece extremos cuidados e máxima prioridade, bem… temos uma má notícia para tais pessoas: aqui não tratamos o trânsito de São Paulo com tapete vermelho e muita pompa, ao invés, o Coletivo Metropolitano de Mobilidade Urbana prefere discutir formas de melhorar a mobilidade metropolitana, indo além dos automóveis. Quem faz o trânsito são pessoas dirigindo seus carros e a cidade é feita para todos, não só para aqueles que estão atrás do volante.


e) Falar de transporte coletivo não é tabu e também não é tabu optar por ficar sem carro

Há uma cultura em São Paulo que tenta implicar que você não pode se divertir sem um carro, que não ter carro é sinal de pobreza e blá, blá, blá. Carro não é status, alimentar a ideia de status do carro significa continuar minando a construção de uma cidade de qualidade, na qual se pode andar a pé tranquilamente, se tem segurança para andar se bicicleta e o transporte coletivo é abrangente e de qualidade invejável.

Há quem diga que “São Paulo é uma cidade de terceiro mundo”, então fica a pergunta: para ser primeiro mundo não é preciso começar por algum lugar? Estamos começando: pelo debate, pois reclamar não basta mais.

Quando falhas ocorrem em linhas como a 3-Vermelha do Metrô de São Paulo, transbordam nas redes sociais críticas ao serviço da Companhia do Metrô, à superlotação e à precariedade do transporte coletivo em geral. São críticas oportunas, obviamente, mas precisamos ir além na captura do descontentamento. O problema é que reclamar da superlotação ou dizer que o transporte público é precário, é chover no molhado. Não resolve mais. É um grito de sofrimento que se tornou banal.


f) Transporte público é feito para quem usa transporte público, não é feito para a cidade

Eis a dura realidade. Traduzindo em miúdos: é feito para você que se sujeita a passar sufoco, pois a cidade foi moldada para quem tem carro no final das contas, com um agravante: o trânsito é sempre tratado como consequência da falta de infraestrutura, nunca como problema do tipo de cidade que tem sido feita ou do tipo de cultura (ruim) que está sendo criada e mantida. É uma das premissas mais nefastas que está escancarada ao longo da capital e das regiões metropolitanas do Estado de São Paulo.

Tem mudado? Talvez tenha mudado um pouco, mas pode mudar muito mais.

Estava pensando aqui: já percebeu que existem situações nas quais se noticia novas invenções como se fossem “o que faltava para resolver a mobilidade urbana”? É quase mágico, as invenções passam a ser noticiadas como se não houvesse amanhã, geralmente de forma rasa e… bem, em seguida o hype cessa e a mobilidade urbana volta ao esquecimento. ☹ Legenda: Land Airbus Lembrei-me de uma invenção chinesa que foi ventilada por vários veículos da mídia, até aqueles voltados ao público jovem, como o Catraca Livre ou Superinteressante.


Em suma: há um longo caminho a percorrer e queremos ser parte dele, como é natural (ou deveria ser) numa democracia, então vamos escrevendo (o que não significa que só escrevemos ou que vamos escrever para sempre).




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