Pensando um VLT para a região do Tatuapé

Por Caio César | 25/01/2015 | 13 min.

Legenda: Bairro de Vila Gomes Cardim, no distrito do Tatuapé, Zona Leste de São Paulo
Uma ideia a ser oportunamente pautada pelos contornos que a região tem adquirido. Dependeremos de micro-ônibus até que ponto?

Índice


Introdução

Quero explorar aqui o exercício de pensar num VLT para a região, devido à saturação que enxergo há alguns anos nos ônibus que fazem a alimentação e complementação do Metrô e CPTM na Estação Tatuapé, atuando para dar capilaridade ao sistema existente.

Observação: para quem quiser um material para saber mais sobre os VLTs, também chamados de bondes modernos, streetcars e tramways, segue um vídeo:

Legenda: Edição do Matéria de Capa da TV Cultura que contém exemplos ligados à utilização de VLTs ao redor do mundo

Para pensar no traçado da linha (ou das linhas) existem algumas dificuldades para analisar os pontos de interesse com maior atração de demanda dentro do distrito, mesmo que o VLT busque suplantar, ainda que parcialmente, uma ou mais linhas de ônibus que já circulam como alimentadoras, os dados da SPTrans não ajudam muito.

Pretendo explorar o tema, porém, aviso desde já que o texto tem um cunho meio técnico. Quem gosta de informática, porém, pode apreciar alguns detalhes. Conhecimento deve ser compartilhado e quanto mais pessoas tiverem uma noção de como fazer, melhor.


Falando um pouco da região

Bem, para começar, eu não diria que o bairro é totalmente esquecido pelo poder público, afirmar algo assim provavelmente seria alimentar uma visão de “bolha”. Porém, também não acho que o bairro tenha uma infraestrutura que seja tão fantástica assim em termos de viário, ele tem uma “grade” bem interessante, mas longe de ser apropriada para uma grande quantidade de automóveis. Devido ao zoneamento existente, bastante permissivo, a saturação e a cultura do uso indiscriminado do carro tem sido visível.

Observação: para conferir o zoneamento, é possível baixar, por exemplo, o mapa em PDF da subprefeitura da Moóca disponibilizado há alguns meses pela SMDU (Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano), saiba mais aqui.

Aliás, vou colocar um parênteses em relação ao bairro, pois é muito comum associar a Vila Gomes Cardim ao Tatuapé: quando eu penso no distrito do Tatuapé, inclusive, não penso no bairro homônimo, que fica ao norte da estação intermodal Tatuapé, mas sim na Vila Gomes Cardim, que fica ao sul. Ou seja, o Shopping Metrô Boulevard Tatuapé está no bairro do Tatuapé, enquanto o Shopping Metrô Tatuapé está próximo da Vila Gomes Cardim, pois fica num bairro vizinho a ela, Cidade Mãe do Céu.

Se olharmos o viário do Tatuapé e da Vila Gomes Cardim, inclusive, a descrição de “grade” que eu dei acima corresponde a este último, não ao primeiro. Buscando facilitar aqui para quem não tem intimidade com a região, mas ainda assim nutre interesse:

a) Tatuapé

Legenda: Google Maps mostrando a região do bairro do Tatuapé, distrito do Tatuapé

b) Vila Gomes Cardim

Legenda: Google Maps mostrando a região do bairro da Vila Gomes Cardim, distrito do Tatuapé

c) Cidade Mãe do Céu

Legenda: Google Maps mostrando a região do bairro de Cidade Mãe do Céu, distrito do Tatuapé

Com uma OUC (Operação Urbana Consorciada) dedicada e muito bem formatada, eu acredito na possibilidade, pois o Tatuapé tem grande potencial para crescer em prestígio, visto que já é uma localidade “queridinha” da Zona Leste, com um hub de transporte importante, bares, restaurantes, algumas empresas, ao menos um hotel etc. Aliás, acho que calçadas largas são importantes em centralidades com grande número de pessoas, bem como bulevares com bom paisagismo, porém, devido ao fato de estarmos tratando aqui de um distrito tradicional, que possui bairros com diferentes atributos e cujo poder público não vem empenhando ações específicas de desenvolvimento, é fácil alimentar ceticismo quanto à viabilidade de desenvolver tais características, até porque, para conciliar o viário mencionado e o tipo de passeio público e espaço de convivência que cria bons espaços para pessoas, só desapropriando e recriando importantes logradouros, não significa, porém, que não se possa melhorar certas características, na verdade, o VLT tem potencial para induzir algo assim.

Legenda: Estação Tatuapé, um importante complexo intermodal, que atua como uma espécie de hub

Podemos evitar que o Tatuapé repita os erros de logradouros da Vila Olímpia, no Itaim Bibi, como as ruas Gomes de Carvalho e Dr. Cardoso de Melo. Houve um adensamento e o viário é simplesmente limitado, além disso, os passeios públicos são demasiadamente estreitos. O simples ato de ir almoçar pode ser aborrecedor: não há espaço para que os trabalhadores das empresas da região circulem decentemente.

Vale lembrar que a região já teve em suas ruas trólebus (ônibus elétricos; a rede aérea continua por lá, como pode ser observado na Praça Sílvio Romero).

Em matéria de setembro de 2014, a Gazeta Virtual explorou a questão de linhas de ônibus circulares pelo bairro. Cito abaixo um trecho, grifando uma parte importante:

Para Adamo Bazani, jornalista com especialização na área de Transportes Urbanos, a questão pode, sim, ser equacionada com a estruturação de um semi-sistema tronco-alimentador com veículos midi ou micros que contemplem as áreas não atendidas atualmente.

“Ainda faltam corredores na cidade, mas já dá para fazer mais interligações entre os bairros identificando as lacunas hoje existentes. Às vezes as pessoas não querem se deslocar para a região central, mas para pontos dentro do próprio bairro. E aí elas vêm que não há muitas opções de transporte público para isso. O que muitas fazem? Acabam pegando o carro. E isso vai na contramão da política de mobilidade urbana.”

A ideia de uma ou mais linhas circulares é boa, podendo inclusive ser colocada em prática com um VLT que atenda eixos principais e suplante as linhas alimentadoras atuais, que operam com micro-ônibus. Por outro lado, pode ser que o VLT acabe sendo melhor como circular por atender eixos importantes e as linhas alimentadoras atuais sofram alterações no traçado. Assim como outras intervenções urbanísticas, precisa ser objeto de discussão e estudo.


Dilemas e considerações iniciais

É possível capturar os dados de demanda das linhas de ônibus, sejam do sistema local ou sistema estrutural, por exemplo, a Linha 3763–10 (Terminal Vila Carrão × Metrô Tatuapé) transportou em Março de 2014 mais de 700 mil pessoas, segundo a SPTrans.

Legenda: Exemplo de micro-ônibus da Linha 3763 estacionado no terminal urbano sul da Estação Tatuapé

O primeiro dilema é que que fazer com as alimentadoras, faz-se necessário determinar se elas devem coexistir, como se o VLT fosse uma linha de ônibus adicional, caso o trajeto não imponha uma convivência conflituosa. Outro dilema está em pensar se o bairro comporta um VLT grande, com vários módulo, ou seja, é preciso analisar o perfil do viário também.

Pensando na 3763–10, eu acho que a demanda dela é bem distribuída, mas é preciso considerar que ela atende a Vila Formosa e vai até o Terminal Vila Carrão passando por dentro dos bairros. O que vale reforçar é que ela não é pendular, ela chega cheia no terminal sul da estação e sai lotada, tais pessoas então vão desembarcando ao longo dos pontos de interesse, que basicamente correspondem ao comércio da região, incluindo o hospital São Luiz (cuja unidade é a Anália Franco, embora ela não fique no Anália Franco) e a Faculdade Carlos Drummond de Andrade. Pelo Google Maps, é possível verificar qual o ponto mais próximo do hospital e da faculdade para quem vem da estação com a 3763–10:

Legenda: Google Maps

Obtendo os dados

Enfim… como fazer para pegar os dados de demanda? Bom, tipicamente as pessoas vão até uma certa área do site da prefeitura e baixam um a um, mas existe um outro método, aplicável em certos sistemas operacionais, como aqueles baseados em Linux e BSD. Para os exemplos a seguir, foi utilizado um computador com openSUSE versão 13.1.

Usando uma única linha de comando, podemos resolver tudo de uma vez:

lynx -nonumbers -dump 'http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/transportes/institucional/sptrans/acesso_a_informacao/index.php?p=152417' | grep http | grep xls | xargs | tr ' ' '\n' > download.lst ; wget -nc -i download.lst

O comando acima permite obter uma lista dos arquivos para baixar com o wget usando alguma magia branca com o lynx e algumas ferramentas de tratamento de texto. No caso, o endereço usado como parâmetro aponta para o calendário de 2014, ano que já terminou. Ao término do processo, o arquivo “download.lst” conterá uma lista bem grande de arquivos a serem baixados. Se tudo correu bem, você deve ver uma mensagem parecida com a seguinte:

FINALIZADO —2015–01–21 13:58:59—
Tempo total decorrido: 1m 5s
Baixados: 374 arquivos, 116M em 35s (3,31 MB/s)

A lista pode ser paginada com more ou most, caso queira ver o conteúdo:

most download.lst

Prosseguindo. Vamos usar as planilhas abaixo:

Passag-20140303.xls
Passag-20140304.xls
Passag-20140305.xls
Passag-20140306.xls
Passag-20140307.xls

As planilhas em formato binário do Microsoft Excel (extensão “xls”) selecionadas correspondem à segunda semana de Março de 2014:

     março 2014     
Do Se Te Qu Qu Se Sá
                   1
 2  3  4  5  6  7  8
 9 10 11 12 13 14 15
16 17 18 19 20 21 22
23 24 25 26 27 28 29
30 31

Para facilitar, escolhi arquivos correspondentes apenas aos dias úteis (negritados acima). Assumindo que o software utilizado para leitura adere a padrões já estabelecidos de usabilidade, os dados estarão na coluna “R”, denominada “TOTAL PASSAGEIROS TRANSPORTADOS (M) = (J + K + L)”.

Num mundo ideal, para trabalhos sérios, toda a parafernália da SPTrans pode ser convertida em arquivos com valores delimitados por vírgula (CSV, Comma Separated Values), permitindo a importação em um banco de dados, aí bastaria criar consultas SQL para obter rapidamente os dados. Converter XLS pra CSV é simples, usando o utilitário ssconvert, basta fazer:

for f in *xl*; do ssconvert $f "${f%.xl*}.csv"; done

Observação: em alguns casos a SPTrans também disponibilizou planilhas em formato OpenXML do Microsoft Excel (extensão “xlsx”), porém, o comando acima as converte também para CSV, sem distinção. A conversão deve levar alguns minutos.

A coluna “R” corresponde à 18ª coluna. Temos liberdade para manipular rapidamente os valores sem precisar usar uma planilha de cálculo, ainda que o ideal fosse usar um banco de dados. Por exemplo, para somar a demanda, podemos usar:

cat Passag-2014030{3..7}*csv | grep 376310 | cut -d , -f 18 | paste -sd+ | bc

E o resultado será de 107.136 passageiros transportados naqueles 5 dias, o que significa uma média de 21.427 passageiros. Nada mal para uma linha que circula com micro-ônibus.

Apesar do exposto, os dados revelam uma fragilidade: não sabemos a demanda por cada ponto, então assim fica muito mais difícil de determinar quais são os locais de interesse mais buscados pelos usuários. Porém, nem por isso os dados de carregamento são inúteis. Quem presencia a lotação diária dos micro-ônibus, tem nos dados de demanda uma fonte importante para questionar a validade do modelo de tronco-alimentação atual.


Obtendo os trajetos das linhas atuais

Bom, como havia dito, algumas linhas atendem a região e, sem qualquer pudor, podemos afirmar que, das linhas operadas por cooperativas que atendem o “centro nervoso do Tatuapé”, todas estão superlotadas, sem exceção. São linhas como:

Observação: inicialmente, eu tentei não usar o Tô a Pé, pois apesar dele ser uma excelente ferramenta, está bem desatualizado (os dados são de agosto de 2013), creio que não foram feitas mudanças nas linhas em questão, o que facilitou um pouco as coisas. Um contato com a SPTrans foi feito na quarta-feira, 21/01/2014, mas achei melhor terminar o texto usando o Tô a Pé mesmo.

Para conseguir o arquivo com o traçado para usar no Google Earth, basta clicar num dos links acima e clicar em “Veja trajeto no Google Earth” para baixar o arquivo KML com o traçado.

Mas nem tudo são flores… os arquivos fornecidos pelo Tô a Pé para importação no Google Earth são meio problemáticos. Não entrarei em detalhes, mas basicamente usei o Google Earth para alterar as cores das linhas e acabei abrindo em outro programa, chamado Marble, para visualizar os trajetos com base no OpenStreetMap.

Legenda: Legenda: púrpura = 372U-10; azul = 3763–10; laranja = 3762-10

O mapa acima exibe o resultado do processo, com isso, é mais fácil pensar num possível percurso a ser feito. O mapa utiliza um código diferente do Google Maps, mas tem bastante qualidade e clareza.


Esboçando

Uma coisa que pensei inicialmente ao observar melhor as linhas foi numa maneira de aproveitar o “retão” da rua Monte Serrat/Nestor de Barros, que basicamente conecta a Estação Carrão com o Jardim Anália Franco e o comecinho da Vila Gomes Cardim — que alguns agentes do mercado imobiliário chamam de “Altos do Tatuapé”—, pois ela termina na rua Emília Marengo (que por sua vez dá acesso a vários bares e restaurantes, nela ou em ruas nas imediações, como a Itapura) próximo da Garagem Tatuapé da Ambiental (antigamente ocupada pela Eletrobus), muito perto do parque Ceret, do Shopping Anália Franco e do “paliteiro” de condomínios de edifícios luxuosos.

O terminal sul da Estação Tatuapé é pequeno e tem enfrentado saturação. Com a construção do Shopping Metrô Tatuapé, que utilizou o espaço do antigo bolsão de estacionamento ali existente, a complexidade aumentou um pouco. Ao meu ver, existem duas opções:

  1. Desapropriar pelo menos uma parte da Honda, imediatamente em frente ao terminal;
  2. Desapropriar um pequeno estacionamento existente na quadra, construir um terminal para o VLT ali e integrá-lo à estrutura existente por passarela.
Legenda: Podemos ver aqui o corpo da estação, incluindo o terminal sul e duas áreas marcadas: o polígono com fundo azul corresponde à opção 1, enquanto o polígono em verde corresponde à opção 2

Assumindo então que seria possível usar uma das localidades como ponto de partida, esbocei a seguinte linha:

Legenda: Esboço de possível VLT para dar capilaridade decente à Estação Tatuapé. Atendendo Tuiuti, Azevedo Soares, Itapura e Tijuco Preto

Esbocei também outra linha complementar, se for pensada como variante, ela aproveita parte da estrutura da primeira linha na Rua Itapura:

Legenda: Outro esboço, com um circular que atende Itapura e Mont Serrat/Nestor de Barros

Complementando o esboço, assim que publiquei o artigo recebi algumas sugestões do Rodrigo Alves de Paula:

E outra: temos que pensar num pátio para esses VLT’s. Eu poderia sugerir aquela praça onde há um bolsão de estacionamento ali ao lado do complexo da Pe. Adelino com a Salim Farah Maluf, onde há espaço suficiente para um depósito de tramways com um telhado verde que poderia ser um parque para a população. Com uma enorme vantagem: subestação da Eletropaulo bem ao lado.

Em meus cálculos rápidos mentais, uma frota de 10 VLT’s seria o suficiente.

Eu poderia sugerir aquela praça onde há um bolsão de estacionamento ali ao lado do complexo da Pe. Adelino com a Salim Farah Maluf, onde há espaço suficiente para um depósito de tramways com um telhado verde que poderia ser um parque para a população. Com uma enorme vantagem: subestação da Eletropaulo bem ao lado.

Imagine uma praça sobre as oficinas do tramway, com telhado verde e obtenção da água da chuva por cisternas…. Seria muito interessante!

O nome do local é Praça João Fernando de Almeida

Para compor a frota de 10 bondes, Rodrigo sugeriu avaliar o sistema de Portland (cidade norte-americana) e também o modelo Citadis Compact da Alstom.


Concluindo

Gostaria que a VLT tivesse sua implantação a cargo do Metrô ou da CPTM, como uma extensão do sistema de trilhos.

O VLT deve figurar como parte de uma ação para disciplinar o desenvolvimento imobiliário e urbano da região, além de solidificar a região do Tatuapé como uma área com boa infraestrutura de transporte para os que lá trabalham.

Pretendi aqui dar uma visão geral que não só expõe o que pensei a respeito, como também busca permitir que outros interessados explorem um pouco o tema, obtendo dados.




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