Por Caio César | 13/02/2015 | 5 min.
Estava pensando aqui: já percebeu que existem situações nas quais se noticia novas invenções como se fossem “o que faltava para resolver a mobilidade urbana”? É quase mágico, as invenções passam a ser noticiadas como se não houvesse amanhã, geralmente de forma rasa e… bem, em seguida o hype cessa e a mobilidade urbana volta ao esquecimento. ☹
Lembrei-me de uma invenção chinesa que foi ventilada por vários veículos da mídia, até aqueles voltados ao público jovem, como o Catraca Livre ou Superinteressante. O que me levou à seguinte reflexão:
É muito bom noticiar a inovação e a busca por novas soluções, mas ao mesmo tempo, não vale a pena investir tempo para explorar os problemas existentes e as soluções já disponíveis para resolvê-los?
Segundo matéria do jornal Folha de S.Paulo, o automóvel ocupa quase todo o sistema viário da capital paulista sem transportar ⅓ da população, além disso, podemos acrescentar que o carro é uma das piores formas de se locomover pela capital, como vemos numa matéria do CicloVivo publicada pelo Portal Mobilize.
Algumas cidades europeias de médio porte já começam a falar numa vida sem carros, como é o caso da capital da Finlândia, Helsinque e também da cidade alemã Hamburgo.
Não é segredo que o automóvel alterou significativamente a maneira de se viver nas cidades, porém, a utilidade do automóvel passa a ser questionada quando congestionamentos se tornam uma regra do cotidiano, o que resulta não só na perda de produtividade, mas também de saúde.
Logo, será que não deveríamos estar fazendo mais do que observar o que nossos vizinhos europeus ou asiáticos estão inventando ou cogitando? Mais do que olhar para o futuro, também é preciso olhar para o presente, pelo que pode ser feito aqui e agora, buscando um amanhã melhor.
De quantos anos mais precisamos para concluir que o espaço desperdiçado com grandes avenidas poderia abrigar bons sistemas de transporte coletivo ou até mesmo espaços de lazer e convivência? Sistemas usando tecnologias que já estão disponíveis hoje, algumas delas fruto de aprimoramento ao longo de mais de cem anos, como é o caso das ferrovias.
Seul, capital da Coreia do Sul, por exemplo, tem um famoso caso de desmonte de uma rodovia urbana, levando à criação de um espaço denominado Cheonggyecheon; uma matéria do CityLab abordando o tema contém duas imagens retratando o antes e o depois.
Acredito fortemente que não há segredo, pois mesmo na América Latina bons exemplos existem, como podemos evidenciar na gestão do ex-prefeito Enrique Peñalosa de Bogotá, que ficou famoso por tomar as seguintes “medidas radicais”:
- Implantação de um sistema de ônibus troncalizado, baseado no paradigma curitibano, agora popularmente chamado de BRT;
- Remoção de vagas de estacionamento, com requalificação dos espaços públicos, principalmente calçadas e mobiliário urbano;
- Implantação de ciclovias, inclusive dando preferência a pavimentar a ciclovia antes das ruas, causando contraste.
Peñalosa, que nos dias atuais é convidado para palestrar e participar de entrevistas, quase foi deposto na época. A administração atual da capital, com o prefeito Fernando Haddad, tem sofrido críticas pelo investimento em ciclovias e ciclofaixas, bem como pela implantação de faixas exclusivas e corredores de ônibus. As críticas giram fortemente em torno da lógica de que o carro é o dono da rua e que qualquer outra coisa é intrusa, indesejável e marginal. Pensar em Bogotá não é mera coincidência.
A capital paulista conta apenas com dois sistemas de BRT, o Corredor Metropolitano ABD, bastante rústico se comparado com sistemas atuais, embora louvável pela baixa emissão de poluentes, provocada pelo uso massivo de ônibus elétricos e o Expresso Tiradentes, originalmente concebido para operar com ônibus elétricos biarticulados, posteriormente simplificado para operar com articulados e biarticulados diesel, contando até hoje com estações inacabadas, caso de Cipriano Barata e Ipiranga. A situação do Expresso Tiradentes só não é mais dramática pela construção da Linha 15-Prata com tecnologia monotrilho, capaz de ofertar mais lugares e também de causar menos impacto visual.
Outro problema é a lenta expansão do sistema da Companhia do Metropolitano de São Paulo, também chamada de Metrô. Com linhas importantes desenhadas para operar em subterrâneo, a expansão é morosa e bastante dispendiosa aos cofres públicos, paralelamente, a modernização dos trens da CPTM, a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos, amarga erros de projeto, pouca transparência em relação à comunidade usuária e problemas contratuais em obras, que em alguns casos chegam à paralisação.
Precisamos, portanto, garantir:
- Transparência e rigor na execução das obras já iniciadas do sistema de trilhos;
- Expansão do sistema de ônibus paulistano, com a utilização de paradigmas modernos e com garantia de maior capacidade, como é o BRT;
- Constituição de um projeto de cidade em âmbito metropolitano, intersetorial, envolvendo todos os municípios;
- Construção de diretrizes para expansão mais rápida da rede de trilhos, seja pela utilização de sistemas de média capacidade, como bondes (também chamados de veículos leves sobre trilhos ou VLTs), seja pelo emprego de estruturas em elevado, como vemos com o monotrilho;
- Construção de diretrizes para expandir a rede de trilhos com viés requalificador, rompendo com a lógica rodoviarista, o que implica, por exemplo, no desmonte parcial da Marginal Tietê e de outras avenidas, como Salim Farah Maluf e 23 de Maio;
- Garantir que os ciclistas não sejam marginalizados ou hostilizados e que o sistema viário seja verdadeiramente democrático, com ciclofaixas e ciclovias em todas as cidades da Região Metropolitana de São Paulo;
- Expansão do park and ride ao longo dos sistemas troncais, principalmente envolvendo linhas do Metrô e da CPTM. Hoje o sistema possui poucos estacionamentos, embora a prefeitura tenha aventado, por conta própria, expandir a oferta.
Já discutimos algumas coisas ao longo dos meses que se sucederam à criação do COMMU, por exemplo. Acesse os artigos “Centro Velho, Marginal Tietê, projetos, possibilidades” e “Pensando um VLT para a região do Tatuapé”.
Reforçado mais uma vez, termino com a pergunta: qual modelo de cidade você quer? São Paulo tem espaço para mudar, para ser mais verde e para oferecer sistemas de transporte modernos, seguros e sustentáveis.
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