Por Caio César | 22/02/2015 | 7 min.
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Em 21/02/2015, sábado, a Folha de S.Paulo divulgava na sua página no Facebook a reportagem “Justiça manda Prefeitura de SP retirar ciclovia da frente de colégio particular”.
Com comentários no Facebook que tentam minar qualquer perspectiva de tornar São Paulo uma cidade mais humana e menos carrocêntrica, decidi então, rebatê-los, tentando qualificar mais o debate, colocando várias fontes e informações, tentando “arejar” um pouco as discussões.
Faltou planejamento! As pessoas não são contrárias às ciclovias/ciclofaixas, apenas querem planejamento…
É um argumento muito utilizado, mas extremamente frágil. É notável que diversas ciclofaixas em São Paulo apresentam problemas, é óbvio, mas o fato de problemas existirem não implica, necessariamente, numa implantação irresponsável ou supérflua.
No começo de fevereiro, o superintendente de planejamento da CET, Ronaldo Tonobohn, deu alguns esclarecimentos ao Vá de Bike, cuja matéria pode conferir aqui. Se estiver com pressa, veja pelo menos o vídeo de 5 minutos abaixo:
Ainda sobre a CET, em seu Boletim Técnico 50, a companhia informa que:
(…) os primeiros estudos de infraestrutura cicloviária na CET datam do final de 1980, em função de diretriz definida pelo Ministério dos Transportes e desenvolvida pelo GEIPOT, que culminou com a publicação de uma coletânea de manuais com instruções de projeto e planejamento cicloviários.
São Paulo está claramente atrasada na implantação de uma infraestrutura cicloviária. Ainda que a execução não seja perfeita, fica evidente que existe uma malha desenhada, com diretrizes traçadas. Algo assim não surge da noite para o dia, mesmo que a rápida implantação de ciclofaixas faça com que alguns pensem o contrário.
É preciso fazer mais do que apenas pintar o asfalto!
Outro argumento constantemente colocado. É como se toda a infraestrutura cicloviária necessariamente precisasse ser constituída por verdadeiras obras de arte de engenharia, com estruturas complexas. Não faz sentido.
É verdade que em diversas situações o asfalto está com a qualidade ruim na capital, com buracos e imperfeições, principalmente oriundas pela utilização constante de veículos mais pesados anteriormente, mas a CET demonstra saber. O Vá de Bike também publicou uma matéria sobre a pavimentação das ciclovias, com uma licitação específica para tanto.
Fica a pergunta: não é melhor acompanhar a licitação e cobrar a CET?
Já na ciclovia da Avenida Faria Lima, que foi expandida consideravelmente, tem inserção diferenciada, uma vez que se encontra no canteiro central (vide foto abaixo). A generalização de toda a infraestrutura cicloviária da capital é um erro muito comum, principalmente por quem não tem ou não tinha o costume de acompanhar o tema.
No caso de São Paulo, também é preciso mencionar que a infraestrutura cicloviária acompanha tachões, sinalização e outros elementos, mesmo no caso de ciclofaixas com menor grau de segregação. Recentemente a prefeitura também anunciou que colocará 8 mil paraciclos nas ruas, dando ainda mais solidez à meta 97, que visa de implantar 400 km de ciclovias na cidade.
São Paulo não é Europa, nossa cidade é maior do que as principais cidades europeias, estão pensando que vivem em Amsterdã?
Geralmente o argumento se desdobra nos seguintes pontos:
- São Paulo é muito grande, pois existem muitos carros em circulação;
- São Paulo é muito grande e os deslocamentos são muito longos para serem feitos de bicicleta;
- São Paulo precisa de metrô, não de ciclofaixas.
Contudo, mesmo cidades como Copenhague e Amsterdã não nasceram com a cultura da bicicleta. Foi preciso uma certa luta para mudar a mentalidade dos cidadãos e viabilizar a bicicleta. São processos lentos, que podem levar vários anos.
Segundo o site Ducs Amsterdã, num texto publicado em dezembro/2014:
O problema é que as cidades não foram construídas para carros — isso resultou em remodelação das cidades, inclusive removendo muito da infra de bikes.
Essa preferência por carros teve consequências. A situação ficou crítica, com as cidades entupidas por carros e um grande número de crianças morrendo nas ruas e estradas derivado de acidentes automobilísticos. Em 1971 houve 3300 mortes no trânsito, sendo 400 de crianças (ou 500, dependendo da fonte. Tenha em mente que a população da Holanda nos anos 70 era diferente de hoje).
Isso revoltou a população, cansada de carros pondo em risco as pessoas nas ruas, a desumanização das cidades sendo adaptadas para servir aos carros em vez das pessoas, a poluição, engarrafamentos e, sim, a morte de crianças.
Também recomendo o seguinte documentário:
É no mínimo estranho que Copenhague pretenda criar uma rede de estradas com mais de 400 km, enquanto as pessoas insistem que a bicicleta não pode ser utilizada nem para ir até a padaria.
Ainda mais estranho é observar que Nova Iorque, uma cidade com área de 1.213,36 km² esteja avançando na implantação de ciclovias, enquanto São Paulo, com 1.522,986 km², seja considerada “muito grande”. As ruas novaiorquinas têm se transformado, o que talvez possa ser em grande parte atribuído aos esforços de Janette Sadik-Khan. Uma palestra pode ser vista a seguir:
Uma iniciativa do Streetfilms tenta mostrar, de forma rápida e simples, os resultados.
A iniciativa novaiorquina também se relaciona um pouco com o Centro Diálogo Aberto da prefeitura, que implantou áreas de convivência na região do Centro Velho de São Paulo, incluindo cadeiras, mesas e decks de madeira.
E sobre os deslocamentos de maior distância, com 10, 15, 20 km, são deslocamentos que dependem de uma série fatores, que não só envolvem a infraestrutura cicloviária disponível, também o próprio ciclista, afinal, a bicicleta é um veículo de propulsão humana. O que vale mencionar, no entanto, é que ser favorável às bikes não implica em dizer que a bicicleta tem de competir com os trens ou ônibus, ela não precisa, tanto que existe uma coisa chamada bicicletário, inclusive, recomendamos a consulta da lista de bicicletários do Metrô e da CPTM.
Finalmente, é preciso pontuar algo simples, que parece lógico para mim: a escala da infraestrutura acompanha o tamanho da cidade. Se numa cidade europeia a infraestrutura é X, então em São Paulo pode ser de X + Y. São Paulo precisará ainda mais de ciclovias, mais de 400 km, da mesma forma que precisa de mais corredores (preferencialmente em padrão BRT) e sistemas de transporte rápido sobre trilhos (como o Metrô e a CPTM), ou ainda, de sistemas de média capacidade sobre trilhos, como veículos leves sobre trilhos (VLTs) ou bondes modernos.
É estupidez fazer uma ciclovia na frente de uma escola!
Trata-se de uma colocação bastante frequente, mas muito estranha. No caso da matéria, foi feita uma área de desembarque e uma campanha junto à escola, mas assistimos a declarações muito parecidas com a polêmica provocada por um pequeno trecho em Higienópólis.
Na ocasião, também disseram que na frente de restaurantes não pode ter ciclovia. Então fica a pergunta: não pode ter ciclovia na frente de um estabelecimento qualquer? E ainda mais: reclamam de ciclovias que passam na frente de casas, alegando que ciclovias não podem ser feitas na frente de garagens.
Há uma hipocrisia muito grande. Você tem uma rua, que é uma via para veículos de diversos tipos, incluindo bicicletas, então você decide fazer uma faixa que melhora a segregação, racionaliza o fluxo e garante maior segurança para o ciclista, mas então, é informado pelos moradores e comerciantes que a faixa está em local inadequado. Ora, se não pode ciclovia ou ciclofaixa, não pode rua também.
Fica evidente que para alguns críticos, seus apontamentos dizem nas entrelinhas que as bicicletas não são bem-vindas, devendo ficar restritas a parques e praças. Será que devemos restringir os automóveis a autódromos também?
Concluindo
O que se observa é uma relutância muito grande, fruto da quebra de um paradigma que tem se mostrado superado: investir em vias para carros, alargando e criando estruturas elevadas, em detrimento a correntes urbanísticas mais novas e ao transporte coletivo, priorizando um meio de transporte poluente e de baixa capacidade.
A prefeitura da capital demonstra que não está dialogando consistentemente com a população. É preciso realizar milhares de reuniões, envolver ativistas ligados à mobilidade urbana (quer pedalem ou não), promover discussões e explicar os benefícios das mudanças. Enquanto a prefeitura não expandir a abrangência do diálogo, será constantemente confrontada.
São Paulo precisa mudar e São Paulo está mudando. Está mudando da melhor forma ou no melhor ritmo? Provavelmente não, mas a omissão é parte do processo, aqueles que desejam uma cidade mais compacta, mais caminhável e menos poluída precisam começar a falar, afinal, quando encabeçaremos, com força, uma transformação da cidade (e também de toda a Região Metropolitana)?
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