Alagamentos e paralisações na CPTM

Por Caio César | 26/02/2015 | 7 min.

Legenda: Linha 12-Safira da CPTM, pátio na região de Engenheiro Manoel Feio
O desejo de um transporte coletivo melhor não pode ir por água abaixo

Índice


Introdução

A Estação Palmeiras-Barra Funda do sistema de trilhos foi mais uma vez palco de tensão entre a CPTM e os usuários das duas linhas que lá operam, a 7-Rubi (Luz-Francisco Morato-Jundiaí) e a 8-Diamante (Júlio Prestes-Itapevi-Amador Bueno). Segundo informações do G1, a paralisação na Linha 7-Rubi durou cerca de três horas.


A CPTM alega fazer suas obrigações…

Quando questionamos a CPTM sobre a questão dos alagamentos, que motivou paralisações em três linhas da empresa ontem, 25/02/2015, a seguinte resposta nos foi enviada via Twitter:

@Commu_Oficial Esclarecemos que os alagamentos ocorrem principalmente devido à falta de infraestrutura urbana dos municípios atendidos pela CPTM. Com a deficiência da rede de captação de águas pluviais, um grande volume de água escoa para diversos pontos da ferrovia, ocasionando a situação relatada.
No que se refere à Companhia, a manutenção e limpeza de canaletas e córregos está sendo realizada, além de obras em andamento e projetos para melhorar as condições de drenagem das vias.

Discordamos da CPTM, no sentido de que sentimos uma certa isenção quanto ao papel estruturante da ferrovia, além do problema da falta de transparência. A estatal não presta contas nem sobre projetos bilionários, quem dirá sobre algo que é praxe, como dar manutenção e limpeza em canaletas e córregos, tanto é que não deu detalhes sobre as obras em andamento. É deixado para o usuário qualquer ônus ligado à pesquisa de licitações e realização de pedidos que levam um mês para serem respondidos.


Apatia diante de linhas centenárias e problemas históricos

Ora, a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos foi criada em 1992, mas opera linhas centenárias ou com pelo menos meio século de existência. A empresa também é uma estatal ligada ao Governo do Estado de São Paulo, o qual, por sua vez, responde pela Sabesp e pelo DAEE (Departamento de Águas e Energia Elétrica).

Legenda: Tabela contendo os municípios atendidos pela CPTM, com as empresas responsáveis pelo saneamento básico em cada um deles

Segundo o posicionamento da CPTM, será que devemos implicar que a Sabesp está se omitindo?

Dos 22 municípios atendidos pelos trens metropolitanos, apenas 5 possuem suas próprias empresas de saneamento básico, sendo que Mogi das Cruzes ainda continua com atendimento parcial pela Sabesp.

À questão, já delicada, soma-se aos efeitos do modelo de cidade sustentado até o momento, com rios aparedados que sempre transbordam, avenidas de fundo de vale e piscinões que são prometidos como a única solução, mas que acabam negligenciados ou se mostrando insuficientes.

Numa entrevista ao Viomundo de 2011, mas também de fevereiro, Júlio Cerqueira César foi categórico ao falar sobre piscinões, para o engenheiro, eles não resolvem o problema:

Não resolvem. Primeiro, eles têm de estar limpos para se ter o efeito desejado. Levantamento feito em 2010 pelo Estadão mostrou que dos 19 existentes no município de São Paulo, oito estavam em condições razoáveis, os outros 11, entupidos ou abandonados. Segundo, quando se tem uma chuva atrás da outra, não dá tempo de eles serem esvaziados totalmente, mesmo que estejam limpos. Logo, não adianta também.

A área do Paço Municipal de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, está protegida por sete piscinões. Na semana passada, ficou debaixo d’água mais de uma vez.

Quer outra prova de que eles não funcionam como o esperado? Já existem 15 ou 16 na bacia hidrográfica do Tamanduateí, no ABC. As regiões continuam enchendo.

Uma das linhas cuja situação ficou mais dramática, a 10-Turquesa, passa pela cidade de Santo André. No ano passado era anunciada a construção do quarto piscinão da cidade. Será que Júlio Cerqueira César foi totalmente assertivo? Se foi, mais do que nunca a mobilização dos usuários é essencial para conseguir do poder público atitudes compatíveis com a arrecadação tarifária, tributária, bem como com o histórico de problemas.

Legenda: Foto da Estação Utinga da Linha 10 da CPTM publicada no Twitter

Falamos em histórico, uma vez que devemos frisar que alagamentos em linhas da CPTM não são novidade. Em 2003 o Estadão noticiava problemas na região do Alto Tietê, que provocaram paralisações na linha atualmente conhecida por 11-Coral (Luz-Guaianazes-Estudantes). Uma matéria do Mogi News publicada em 14/02/2015 menciona problemas parecidos, mais de 10 anos depois.

Legenda: Alagamento na região central de Poá, uma das cidades atendidas pela Linha 11 da CPTM

Será que não está na hora de existir uma sinergia entre as diferentes esferas do poder público, com uma visão clara de cidade, sustentável e apoiada no transporte público e nas pessoas, que busca solucionar a questão? A urbanização rodoviarista e a ocupação questionável das áreas de várzea parece custar muito caro, basta uma chuva forte para que a conta chegue ao contribuinte, que tem seu patrimônio, seu tempo e sua saúde prejudicados sem parcimônia.


Vandalismo? Já era previsível

Com paralisações na casa das três horas, em linhas com registro de ocorrências do tipo, em alguns casos com episódios de fechamento por meses (caso da 7-Rubi), o vandalismo não é nada surpreendente.

Em todas as ocorrências de vandalismo na CPTM, as redes sociais ecoam mensagens de suporte e repúdio aos atos. Ainda que possamos entender a revolta, não parece razoável vandalizar um sistema de transporte que ainda tem a precariedade como marca registrada.

Anteriormente já tratamos da questão, escrevendo dois textos que são muito oportunos e cuja leitura é recomendada:

O transporte de passageiros é vital para a economia da metrópole, ainda assim, é preciso pensar que os resultados dos trens para a economia das regiões atendidas não são traduzidos apenas por números e gráficos. O serviço precisa funcionar para que milhões de usuários consigam trabalhar, para que sejam mão-de-obra viável para as empresas. Sem os trens, a Região Metropolitana de São Paulo simplesmente não consegue se manter existindo, o que significa, sendo bem claro, que a CPTM é vital para que diversas cidades não se tornem fantasmas, bem como para que a capital consiga respirar, ainda que com ajuda de aparelhos, como um paciente na UTI.

Precisamos de sinergia. O poder público deve atuar conjuntamente, utilizando suas várias secretarias e órgãos para garantir cidades minimamente resilientes, razoavelmente bem construídas e cuja mobilidade seja eficiente.

Como os acontecimentos mostram, a chuva não vai dar trégua com pena da incompetência do poder público, mas muito menos dará trégua se continuar ocorrendo a omissão da população. Todos nós participamos da manutenção do caos.

Uma reflexão oportuna sobre o vandalismo, porém, recai sobre a comunicação com os usuários, envolvendo todos os elementos do sistema de transporte, uma vez que a rede é integrada.

Até hoje não existe um sistema de acompanhamento nas plataformas. Falta tecnologia e falta integração entre as empresas. O usuário do sistema precisa saber em qualquer ponto da rede sobre os problemas, de forma objetiva e precisa. A CPTM e o Metrô não devem atropelar seus procedimentos operacionais, mas definitivamente precisam aprimorá-los, de forma que até mesmo nos terminais da EMTU seja possível ter informações. O sistema tem poucas linhas: são 5 linhas no Metrô e 6 linhas na CPTM. É verdade que os aplicativos oficiais da CPTM e do Metrô auxiliam, mas eles são apenas um meio de comunicação e não podem substituir a comunicação nas estações que é feita hoje, basicamente, como já era feita há décadas e décadas atrás, com mensagens pelo sistema de som, muitas vezes desencontradas e com funcionários sob pressão, em pouca quantidade, tendo de dar respostas rapidamente para multidões indignadas.

Uma comunicação eficiente, indo de obras em curso aos projetos de modernização, passando pelas dificuldades operacionais e intervalo médio dos trens, é atributo básico para um sistema que atende um dos 10 maiores aglomerados metropolitanos do planeta.


Conclusão

Novamente nos deparamos com situações que atestam a necessidade de mobilização e de qualificarmos um debate que vá além do sensacionalismo da imprensa. É legal que a imprensa registre os desastres? É, ajuda um bocado, mas não é nada bom que a mesma imprensa deixe de investigar. O jornalismo não pode ser como uma ave carniceira.

O vandalismo previsível, a comunicação deficiente, os desafios gigantescos de engenharia, o urbanismo pouco cuidadoso, a submissão ao automóvel, a negligência com os rios, já pagamos muito caro, está na hora de colocar um ponto final.




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