Falhas e mais falhas nos trens da Linha 10-Turquesa da CPTM

Por Caio César | 11/03/2015 | 10 min.

Legenda: Estação Tamanduateí da Linha 10-Turquesa da CPTM
Usuários da Linha 10 da CPTM, a única ligação sobre trilhos entre a capital e o Grande ABC, estão sofrendo cada vez mais falhas nos trens

Índice


Atualização (05/01/2019): ao longo dos últimos anos (2018 e 2017, principalmente), os problemas ligados à manutenção dos trens da série 2100 parecem ter sido significativamente mitigados ou superados, de forma que não foram mais observados os incêndios e incidentes graves que aterrorizaram passageiros quando este artigo foi originalmente escrito. O artigo segue no ar para registrar o tipo de postura negligente que a CPTM e as empresas por ela contratadas podem adotar, com prejuízos difíceis de serem ressarcidos.


Síntese do problema

Usuários da Linha 10-Turquesa da CPTM, a única ligação sobre trilhos entre a capital e o Grande ABC, estão sofrendo cada vez mais com constantes falhas nos trens, algumas assustadoras, com princípios de incêndio. Vejam o que acontece quando a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos é questionada:

Observação: entre a informação da falha e o tuíte de normalização decorreram 33 minutos. O intervalo da Linha 10 na faixa horária em questão (9h10 às 16h15) é de 8 minutos segundo a própria empresa.


Repercussão das falhas junto à imprensa

Os problemas ligados à manutenção da série provocaram situações que foram noticiadas por diversos veículos da imprensa. Até quando toleraremos notícias como as seguintes?


Possíveis medidas por parte da CPTM

É preciso que a CPTM tenha seriedade na gestão de seus contratos, garantindo o cumprimento do edital, algo que começa com uma fiscalização adequada da empresa contratada e sua atuação. Podemos dizer que acompanhar os contratos com seriedade é uma atribuição que está relacionada com as próprias atividades da estatal, responsável por um serviço metroferroviário estratégico.

Em observância à Lei 7.861/1992, destaco dois artigos:

Artigo 4.º — A CPTM terá por objeto:

I — planejamento, estudo, projeto, construção, implantação, exploração e manutenção das obras e serviços de transporte de passageiros, sobre trilhos ou guiados, nas entidades regionais do Estado de São Paulo;
II — execução das obras e dos serviços complementares ou correlatos, necessários à integração do sistema de transporte por ela operado ao complexo urbanístico das cidades servidas pelo sistema;
III — operação de conexões intermodais de transporte de passageiros, no sistema por ela explorado, como terminais, estacionamentos e outras correlatas;
IV — prestação a terceiros de serviços de transporte de cargas, ou de passageiros, de passagem pelo território por ela servido;
V — comercialização de marca, patente, nome e insígnia; comercialização de áreas e espaços para propaganda; prestação de serviços complementares de suporte ao usuário, por si ou por meio de terceiros, com ou sem cessão de uso predial;
VI — comercialização de tecnologia, direta ou indiretamente, em sociedades ou em consórcios; prestação de serviços de consultoria, gerenciamento e apoio técnico; prestação de serviços de operação e manutenção de equipamentos; construção e implantação de sistemas de transporte e terminais de passageiros, no País ou no exterior; e
VII — edição de jornais, revistas e outras publicações de caráter técnico ou comercial.

(…)

Artigo 12 — A CPTM deverá assumir os sistemas de trens urbanos da Região Metropolitana de São Paulo, operados pela Companhia Brasileira de Trens Urbanos — CBTU e pela Ferrovia Paulista S/A — FEPASA, de forma a assegurar a continuidade e a melhoria dos serviços, para isso podendo efetuar os necessários acordos operacionais.
Parágrafo único — Para o cumprimento do disposto neste artigo, a CPTM poderá celebrar contratos de prestação de serviços, gerenciamento de bens, ou quaisquer serviços de transporte de passageiros sobre trilhos ou guiados, de outras empresas ligadas ao sistema de transporte de passageiros na Região Metropolitana de São Paulo.

A empresa poderia avaliar a adoção das seguintes medidas, justificadas pela exposição na imprensa, aumento do índice de falhas e redução na oferta de viagens:

  • Contratação de uma auditoria independente para analisar as planilhas de custos;
  • Comparação do desempenho dos trens no contrato anterior;
  • Realização de reuniões envolvendo a contratada atual para gestão de crise;
  • Buscar garantir a execução do contrato conforme edital, fiscalizando e cobrando resultados ligados, pelo menos, ao índice de MKBF (falhas contabilizadas por km média percorrida).

Panorama da Linha 10

Atualmente a Linha 10 transporta cerca de 355 mil usuários em média por dia útil (MDU), a informação é da própria CPTM. Os seguintes problemas marcam a Linha 10 no âmbito geral:

  • Inserção urbana problemática, devido a um passado de atendimento fortemente operário, sendo voltada para levar mão de obra às indústrias da capital e do ABC;
  • Subutilização da faixa de domínio, cujo leito tem problemas de contaminação e também possui um duto da Petrobrás correndo em paralelo;
  • Alagamentos sazonais, que ocorrem principalmente na região de Santo André;
  • Conectividade deficiente com o resto da malha de trilhos, uma vez que a linha passou a operar até o Brás devido à negligência do Governo do Estado de São Paulo e sua Secretaria de Transportes Metropolitanos. Sobre o assunto, recomendamos a leitura de um texto no qual tratamos da situação da Estação Luz;
  • Existência de estações centenárias, com pelo menos Rio Grande da Serra em mau estado, em trecho compartilhado com trens de carga;
  • Existência de estações da década de 1960 com problemas de acessibilidade, que contrastam com estações mais novas da CPTM e do Metrô, como a Estação Tamanduateí, a mais nova estação da Linha 10, inaugurada em setembro de 2010.

Resumindo: não bastasse a complexidade de problemas de longa data, a confiabilidade da linha está sendo prejudicada por problemas na manutenção da única série de trens que circula nela.


Os trens (ou material rodante)

Para detalhes sobre a série de trens que circula na linha, confira abaixo uma ficha com especificações e informações diversas.

Observação: os trens que circulam na Linha 10 da CPTM são identificados pela numeração 2100. A série é composta por 24 trens.

Legenda: Informações sobre a série 2100. Adaptado do fórum TGVBR. Foto realizada na Estação Mauá

A frota de trens da Linha 10 chega a ser motivo para discussões acaloradas, em que a comparação com outras linhas é inevitável. Os trens que atendem o Grande ABC foram modernizados em 1998, mas possuem aceleração lenta e foram concebidos para ligações regionais ou de cunho mais expresso, papel que cumpriram na Espanha, seu país de origem, durante 30 anos. O serviço metropolitano atual dá um caráter de provisoriedade aos trens, que foram adquiridos numa atmosfera conturbada, de greve e quebra-quebra, tendo sido o ano de 1996 um dos mais difíceis da história da CPTM, sendo que a linha atualmente conhecida por 7-Rubi, então chamada de Noroeste, chegou a ser fechada por alguns meses. Abaixo reproduzimos uma matéria da época.

Legenda: Matéria de capa da Revista Veja São Paulo em novembro de 1996, destacando a precariedade da CPTM
Legenda: Trem da série 1100 na Estação Luz

Ressurge, inclusive, a preocupação de que os velhos trens da série 1100, há alguns anos limitados à operar na Linha 7, voltem para cobrir buracos na operação da Linha 10. São os trens mais velhos em operação na CPTM, encomendados pela Estrada de Ferro Santos-Jundiaí na década de 50. Sua modernização na final da década de 1990 também tem relação com a crise mencionada acima.


Manutenção realizada por terceiros

É justo detalhar quem faz a manutenção da série 2100. Vamos à classificação da última licitação:

AVISO DE JULGAMENTO
 
CONCORRÊNCIA Nº 8016123011 - OBJETO: PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE MANUTENÇÃO PREVENTIVA E CORRETIVA EM 48 TRENS DE 3 CARROS DA SÉRIE 2100  DA CPTM, COM FORNECIMENTO DE MATERIAIS, INSUMOS E EQUIPAMENTOS,  AFERIDOS POR PADRÕES PRÉ-DEFINIDOS DE QUALIDADE, CONFIABILIDADE E  DISPONIBILIDADE.
 
PROPOSTAS COMERCIAIS - CLASSIFICADAS:
 
1º LUGAR: CONSÓRCIO TMT, composto pelas empresas: TRAIL INFRAESTRUTURA LTDA. e TEMOINSA DO BRASIL LTDA. - NP = 10,00;
 
2º LUGAR: ALSTOM BRASIL ENERGIA E TRANSPORTE LTDA. - NP = 8,33; e
 
3º LUGAR: CAF BRASIL INDÚSTRIA E COMÉRCIO S/A - NP = 7,55.
 
CLASSIFICAÇÃO FINAL:
 
1º LUGAR: CONSÓRCIO TMT, composto pelas empresas: TRAIL INFRAESTRUTURA LTDA. e TEMOINSA DO BRASIL LTDA. - NF = 10,00;
 
2º LUGAR: CAF BRASIL INDÚSTRIA E COMÉRCIO S/A - NF = 9,02; e
 
3º LUGAR: ALSTOM BRASIL ENERGIA E TRANSPORTE LTDA. - NF = 8,25.
 
A Sessão Pública para a Abertura do Envelope "C" (DOCUMENTOS PARA  HABILITAÇÃO), observadas as condições previstas no edital, ocorrerá em  20/12/2012 às 11:00 horas, na Sala de Licitações da Companhia Paulista  de Trens Metropolitanos, localizada na Rua Boa Vista, 175, Edifício  Cidade II, Térreo, Centro, São Paulo/SP, para a qual estão convocados  todos os representantes credenciados.
 
Os autos do processo estão com vista franqueada aos interessados na  Gerência de Contratações e Compras - GFC, localizada na Rua Boa Vista,  175, 5º andar, Bloco A, Centro, São Paulo, SP em dias úteis, nos  horários de 08:30 às 11:30 e das 13:30 às 16:30 horas.

O ganhador se manteve mesmo após a interposição de recursos administrativos. O contrato foi homologado em 20/02/2013, pelo valor baseado em agosto de 2012, num total de R$ 220.247.048,34 e o ganhador vem atuando.

O prazo do contrato é de 48 meses, considerando a data de homologação acima, sua vigência já foi atingida. Há mais de seis meses não temos notícia de outra assinatura de contrato, o que pode significar um aditivo contratual com o mesmo consórcio no futuro. Por enquanto o consórcio continua atuando na manutenção da série 2100.

Vale mencionar que a Trail Infraestrutura Ltda. pertence ao grupo Tejofran, que não só atua com limpeza em algumas estações da CPTM, mas que realiza vigilância em algumas linhas da CPTM por meio da Power. A Tejofran é velha conhecida do Governo do Estado de São Paulo: em 1997 a Folha de S.Paulo destacava:

A empresa Tejofran, do empresário Antonio Dias Felipe, amigo e colaborador da campanha do governador Mário Covas (PSDB), já teve os seus bens bloqueados pela Justiça este ano.

Ainda em 1997, o antigo Diário Popular evidenciava o desconforto do finado ex-governador:

O Governador Mário Covas deixou a apatia de lado e se apressou ontem em apresentar explicações sobre as relações perigosas entre o Governo do Estado e seu amigo e financiador de campanha Antonio Dias Felipe, proprietário das empresas Tejofran e Power. Ao contrário do que fez depois dos escândalos envolvendo policiais militares em Diadema e na Fazenda da Juta, quando evitou ao máximo comentários sobre os casos. Covas tentou demonstrar que tem pulso firme para se defender. “Ninguém vai acusar o Governo do Estado de falcatruas Descubro pelos jornais que estão colocando em dúvida pequenos contratos do Estado com um amigo meu”, afirmou.

O jornal ainda expunha indícios de superfaturamento.

No caso, os “pequenos contratos” para a prestação de serviços, assinados (desde 95 com as duas empresas, somam R$ 151,7 milhões. Se comparados com os de 94, último ano do Governo Fleury, isso significa um crescimento de 566%. Na tarde de segunda-feira, o procurador-geral de justiça. Luiz Antonio Guimarães Marrey, enviou ofício ao Tribunal de Contas do Estado (TCE) requisitando toda a documentação sobre o assunto para investigar o caso.


Concluindo

Esperar algum resultado sério por parte da CPTM em relação ao consórcio é uma tarefa difícil. Nota-se uma relação duradoura (superior a 10 anos) e de proximidade entre a Tejofran e o Governo do Estado de São Paulo, com histórico de denúncias. Pesa o fato também de que a idade dos trens é considerável, sendo superior a 30 anos.

A região do Grande ABC merecia mais.


Colaborações: Ana Carolina Nunes



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