Por Caio César | 20/03/2015 | 9 min.
Índice
Introdução
Quando falamos de transporte coletivo, a questão não pode girar apenas em torno da lotação, primeiramente, é preciso lembrar do potencial de oferta de lugares, ou seja, da capacidade de transporte. O transporte coletivo apresenta desconforto, verdade seja dita, mas optar pelo automóvel não tornará o transporte coletivo melhor, apenas reforçará a lógica de que ele não deve ter prioridade. A lógica que precisamos é a de melhorar o transporte coletivo, seja pela expansão da rede, seja pela modernização, seja pelo aumento de qualidade nos serviços prestados.
A suposta falta de recursos
Para os que acreditam que a questão é simplesmente financeira, baseando-se na alegação de que São Paulo recebe muito pouco do Governo Federal e não tem dinheiro para investir no sistema de trilhos (raciocínio que considero perigoso, facilitando ideias separatistas, fora que é preciso considerar a arrecadação que é feita diretamente pelo Estado de São Paulo, sem depender de verbas da União), o problema talvez não esteja na falta de recursos, ao invés, pode estar na má utilização. Acredito que a pergunta que devemos realizar antes de apontar falta de recursos é: quão difícil pode ser utilizar da melhor forma possível o orçamento disponível?
Não existe segredo quando o assunto é transporte sobre trilhos: o Governo do Estado de São Paulo tem de investir adequadamente nos trens da CPTM, sistema que opera em superfície (portanto, de custo mais baixo) e priorizar novas linhas do Metrô em superfície e elevado, reduzindo os trechos subterrâneos (que são de custo elevado). Investir adequadamente significa, portanto, buscar a melhor relação custo × benefício, sem medo de reapropriar o espaço tomado pelo automóvel, além de fiscalizar os prazos, que hoje são uma piada, uma vez que raramente são cumpridos (para não dizer nunca).
Um governo que intenciona investir mais de R$ 40 bilhões não sofre de falta de recursos, seja por por investimento direto, seja por financiamento:
Lobby e baixa capacidade
O mesmo lobby privado (oriundo de montadoras e agentes do mercado imobiliário, para citar dois atores importantes) que sucateou bondes e trens, insistindo num modelo rodoviarista, também ajudou a atrasar o Metrô.
Até hoje a expansão da rede acaba ocorrendo de forma reativa, ou seja, a cidade já cresceu e a rede de alta capacidade não acompanhou, pois seu investimento foi preterido em prol do automóvel, assim, é preciso expandir o metrô depois que já existe alguma consolidação, elevando as dificuldades.
Um exemplo clássico de lobby tem relação com o Plano de Avenidas de Prestes Maia, sobre o qual Anelli menciona o seguinte:
(…) Entre 1924 e 1927 a empresa Light, proprietária da rede de bondes realiza seu Plano Integrado de Transportes. Propõe uma rede de metrô articulada a outros meios (ônibus e bondes) para estender o sistema de transporte coletivo às novas dimensões urbanas (7). Assim, a sobrevivência dos bondes dependeria da implantação de linhas de metrô, única forma de atender às escalas (volume, extensão e velocidade) de deslocamentos que as novas dimensões da cidade se impunham.
No entanto, após longo debate que envolvia as principais correntes políticas paulistas, o projeto foi recusado pela municipalidade. Meyer (8) relaciona o abandono do transporte urbano de passageiros sobre trilhos ao modelo de expansão adotado em São Paulo. Avessa ás restrições e controles, São Paulo adotou um modelo de cidade com centro vertical denso e extensão periférica horizontal demograficamente rarefeita, ambos produzidos de acordo com interesses imobiliários imediatos. O ônibus apresentaria a flexibilidade adequada para circular desde o centro até os bairros periféricos sem infra-estrutura viária, dispostos quase que aleatoriamente pelo território. Flexibilidade impossível aos sistemas sobre trilhos.
É interessante notar que houve também um projeto da década de 20 para a modernização do Tramway da Cantareira (de responsabilidade do Governo do Estado de São Paulo), que foi tema de uma publicação do site São Paulo Antiga em 2013.
O grande problema é que, bem… carro não transporta nem ⅓ dos paulistanos, mas todos pagamos a conta pelas decisões equivocadas do passado, algumas de um passado bem recente, caso da “Nova” Marginal Tietê, cuja ampliação foi comentada por Nobre, que afirma o seguinte:
A Pesquisa de Origem e Destino 2007 realizada pela Companhia do Metrô traz dados esclarecedores. Das 37,6 milhões de viagens diárias na Região Metropolitana de São Paulo em 2007, apenas 11,2 são feitas pelo modo individual (automóveis, táxis etc.), ou seja, apenas 30% das viagens. Analisando os outros modais, percebemos que 36% (13,8 milhões) são realizadas pelo modo coletivo (ônibus, fretados, trens e metrô) e a impressionante marca de 33% das viagens (12,3 milhões) são feitas a pé.
(…)
Após décadas de declínio do transporte coletivo em relação ao transporte individual, a tendência se inverteu. O transporte coletivo responde a 55% das viagens motorizadas, contra 45% do transporte individual. Esse fato demonstra que os investimentos e as políticas nos transportes coletivos (expansão de linhas de metrô e corredores de ônibus, melhoria nos serviços de trens e integração tarifária), ao contrário do que possa se pensar, têm resultado prático e mudam a maneira como as pessoas se transportam na metrópole.
Ou seja, se pensarmos nos dados acima, o que deveria ter sido priorizado ao modificar a Marginal Tietê, o transporte individual ou o transporte coletivo? São Paulo poderia ter recebido uma ligação ferroviária adicional no sentido leste-oeste, com potencial para atender também deslocamentos entre as cidades de Guarulhos e Osasco.
O investimento no transporte coletivo pode corrigir as distorções causadas ao privilegiar os carros em detrimento das pessoas e da própria cidade, fazendo valer um projeto mais sustentável e humano de cidade.
Creio ser importante reforçar que o texto não visa falar contra o carro, mas sim contra o rodoviarismo que causa perdas de dezenas de bilhões de reais por ano em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo. O automóvel ainda tem seu papel, mesmo nas grandes cidades. A forma de encarar o automóvel, porém, tem mudado e vai continuar mudando. Outro aspecto importante é que o urbanismo não precisa ser deixado de lado, muito menos a arquitetura. Graças também ao tipo de ocupação do solo e o investimento viário realizado em algumas regiões, o automóvel pode apresentar, mesmo com congestionamentos, tempo inferior ao transporte coletivo, neste caso, o transporte coletivo se sobressai apenas pelo custo.
De qualquer forma, aplaudir a “Nova” Marginal Tietê soa como uma atitude indefensável: com as novas pistas, temos trechos com 18 faixas, 9 de cada lado, ocupando uma área gigantesca e reforçando o isolamento do Rio Tietê, formando uma rodovia urbana bastante agressiva. Apesar do número expressivo de faixas, a Marginal Tietê não transporta nem o dobro de pessoas se comparada com uma linha de metrô robusta, com múltiplos pátios e vias auxiliares, como é o caso da Linha 3-Vermelha (Barra Funda-Itaquera), que movimenta mais de 1 milhão de pessoas em média por dia útil, na verdade, mesmo que a Marginal Tietê se aproximasse da Linha 3 em capacidade, a exigência de mais espaço é muito maior, além de perder grotescamente em eficiência energética e emissão de poluentes. Outro aspecto ruim: o dinheiro jogado fora, como apontou Horácio Figueira à Folha de S.Paulo:
“Até quem não pegava mais a marginal voltou a usar, e então já excedeu a capacidade da via”, diz Horácio Figueira, mestre em transportes pela USP. “Como você faz uma obra de R$ 2 bilhões com vida útil menor que três anos? Foi dinheiro jogado no lixo.”
Ressalto que só no corredor ferroviário formado pelas linhas 3-Vermelha, 11-Coral e 12-Safira passam cerca de 2 milhões em média por dia útil. Mesmo se olharmos conjuntamente para vias como Radial Leste, Celso Garcia e Marginal Tietê, veremos que ficam muito longe de arranhar a supremacia do transporte sobre trilhos.
Vejamos por exemplo um fragmento extraído do Profissão Repórter do G1, oriundo do texto de 2014 intitulado “Marginais Pinheiros e Tietê abrigam os moradores de SP e suas histórias”, no qual existe uma menção da demanda da Marginal Tietê no pico noturno:
À noite, no horário de pico, 32 mil veículos passam pela marginal Tietê. Em um dia de trânsito complicado, atravessar os 47 quilômetros da marginal Tietê pode levar horas. O cantor Daniel da Conceição aceitou falar com a repórter Danielle França enquanto estava parado no trânsito. “Estou há duas horas aqui. Indo tocar em uma igreja”.
Ora, 32 mil veículos no pico noturno? Número irrisório. Se somarmos a capacidade das linhas 3-Vermelha, 11-Coral e 12-Safira, descobriremos que juntas elas são capazes de transportar mais de 100 mil pessoas em apenas uma hora, sozinha a Linha 3-Vermelha consegue movimentar 60 mil pessoas por hora.
Conclusão
A capacidade de transporte de pessoas por hora dos automóveis é baixíssima, podendo ser inferior àquela observada em vias de fluxo intenso de pedestres, mesmo assim, eles foram priorizados, resultando numa cidade que penaliza a maior parte da população.
Faça o seguinte exercício de reflexão, usando as três perguntas abaixo:
- Por qual motivo devemos continuar priorizando o automóvel, visto que ele transporta tão pouco e sua eficiência é questionável?
- Se existe uma avenida com 10 faixas, sendo 5 faixas por sentido, por qual motivo não podemos reapropriar o espaço de algumas das faixas, inserindo uma linha de bondes ou de metrô?
- O que é mais rápido e barato, construir metrô em subterrâneo, geralmente sem aproveitar corredores viários consolidados, ou aproveitá-los, implantando sistemas leves ou pesados, em superfície ou em elevado?
Está na hora de construir uma São Paulo mais limpa e menos travada, para tanto, precisamos ter coragem de romper com paradigmas que há muito têm se mostrado obsoletos e ineficientes.
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