Por Caio César | 28/03/2015 | 15 min.
Índice
Introdução
Há um documento que descreve mais detalhadamente a proposta, trata-se do Capítulo 10 de um estudo elaborado pela Fupam, uma entidade relacionada à Universidade de São Paulo. O trecho Lapa-Brás é chamado de Tronco Metropolitano da Mobilidade Urbana, que se desdobra da seguinte forma, de acordo com a página 1 do documento:
O Tronco Metropolitano da Mobilidade Urbana compreende o trecho da rede da CPTM que começa nas proximidades da Estação Lapa e segue até a Estação Brás. Tem cerca de 10 quilômetros de extensão, com quatro linhas da CPTM em operação (7, 8, 10 e 11) e seis estações, sendo três na área da subprefeitura da Lapa (Lapa 7, Lapa 8 e Barra Funda), duas na subprefeitura da Sé (Julio Prestes e Luz) e uma na subprefeitura Mooca (Brás).
Além do documento, existe também um vídeo, talvez um material mais notável em vista da riqueza gráfica:
O material acima basicamente traduz toda a proposta da Fupam. Se houvesse um compromisso verdadeiro de transparência por parte da CPTM, o material disponível com certeza seria ainda maior. O enterramento, portanto, significa tornar uma parte importante da rede da CPTM subterrânea.
O mercado também nutre expectativas quanto à possibilidade de enterramento, Gustavo Partezani da São Paulo Urbanismo afirmou que o enterramento dos trilhos da CPTM na região do Arco Tietê foi um aspecto de grande interesse por parte das empresas participantes. A declaração foi feita na audiência pública da segunda fase do Arco Tietê. Aos 40m39 do vídeo abaixo, é feita a declaração, da qual cito o fragmento:
“O patrimônio ferroviário paulistano é um objeto de tentação de projeto de absurda maioria dos proponentes que fizeram propostas para o Arco Tietê”
Dez motivos para defender o enterramento
O enterramento é importantíssimo pelos seguintes fatores, pelo menos:
- Facilita o tratamento da questão do Elevado (Minhocão), por propor uma alternativa viária, embora de viés muito rodoviarista para induzir boas práticas urbanas (precisa amadurecer);
- Permite requalificação de todo o entorno segregado pela ferrovia;
- Permite a requalificação pesada de toda a infraestrutura da CPTM para todas as linhas do eixo a enterrar;
- Permite a remoção de gargalos históricos da CPTM, como os existentes nas estações Brás, Luz e Palmeiras-Barra Funda;
- Pode ter custeio por meio de CEPACs (Certificados de Potencial Adicional de Construção) e também pode-se pensar em algum tipo de PPP (parceria público-privada), o que aumenta a atratividade da empreitada;
- Está ligado a operações urbanas de peso, que por sua vez hoje estão ligadas ao Arco Tietê, fortalecendo um plano integrado e contínuo para o desenvolvimento urbano;
- Aumenta as probabilidades de boa intermodalidade entre o Trem Metropolitano, o Trem Regional e o Metropolitano de São Paulo, sendo os dois primeiros da CPTM e o segundo da Companhia do Metropolitano-Metrô;
- Estimula a redução de vazios urbanos, o que se traduz em arrecadação (IPTU, por exemplo), implantação de moradia social (hoje o déficit é imenso), geração de empregos (principalmente caso sejam obedecidas as diretrizes do novo PDE (Plano Diretor Estratégico), que inserem comércio no térreo de edifícios próximos de estações e corredores de transporte coletivo) e provavelmente outros benefícios indiretos;
- Segrega os trens cargueiros, que hoje causam interferência nos trens metropolitanos e cuja convivência é cada vez mais difícil a medida que o intervalo é reduzido para aumentar a oferta de lugares;
- Fortalece o eixo leste-oeste e reforça o papel do Centro da capital.
Rebatendo argumentos contrários
Tentarei aqui sintetizar e rebater algumas colocações que fazem oposição à possibilidade de enterramento dos trilhos da CPTM.
“O enterramento dará lugar a mais uma avenida”
→ Como se todas as avenidas fossem iguais ou se não pudéssemos fazer algo diferente…
Alguns possuem a visão de que o enterramento só é válido se não houver qualquer alteração viária no entorno, ou seja, o enterramento só é válido se a avenida proposta em continuidade à Radial Leste não for implementada.
Por mais que eu critique o “carrocentrismo” que observo na capital e na Região Metropolitana de São Paulo, devo admitir que não consegui ser contrário à avenida proposta. É importante dizer que ao ser favorável, não implica em não desejar um parque linear, com algum modo de transporte de transporte de média capacidade (como ônibus ou bonde), calçadas, ciclovias, paisagismo, quiosques, um bom conjunto de mobiliário urbano etc. O principal problema ligado a não implantação da avenida é que ao não contemplá-la, não é possível demolir facilmente o Minhocão, já que o poder público considerou no passado que a nova avenida seria a alternativa viária, ao não oferecê-la, o conflito atual permanece. Vale lembrar que a avenida proposta é extensa, de forma que sem sua construção, viadutos como o Antártica também não poderiam ser demolidos, entre diversas outras medidas de adequação viária que não poderiam ser feitas.
A avenida proposta pode e deve ser melhorada, sua concepção precisa amadurecer, ou seja, a nova avenida pode muito bem incluir paisagismo e uma pista para prática de exercícios físicos, além de ciclovia no canteiro central. São elementos que não implicam na eliminação da alternativa viária, e, como dito acima, ainda existe a possibilidade de pensar num sistema de veículos leves sobre trilhos (VLTs) ou mesmo um sistema de ônibus rápidos (BRTs).
Observação: provavelmente não poderíamos plantar árvores como Bogotá fez no Eje Ambiental, mas não significa que não poderíamos fazer algo minimamente decente, que iria além do automóvel.
“Existe redundância, são várias linhas indo para o mesmo lugar”
→ Como se a existência de múltiplas linhas desqualificasse o atendimento, implicasse na ociosidade dos trens ou as linhas fossem totalmente paralelas…
Há também quem argumente que existe uma redundância entre linhas, geralmente citando o paralelismo das linhas 3-Vermelha (Barra Funda-Itaquera) e 11-Coral (Luz-Guaianazes-Estudantes), mas a visão aqui é a de que:
- As linhas não seguem o mesmo trajeto durante todo o percurso;
- O paralelismo forte existe, sobretudo, entre parte do Expresso Leste da Linha 11 e da Linha 3-Vermelha, ou seja, entre Itaquera e Brás. A partir do Brás a Linha 3 ruma para a Praça da Sé e a Linha 11 termina na Luz;
- Somando as linhas 3 e 11 com as linhas 7-Rubi e 8-Diamante, o que existe é apenas um tronco num trecho central diferenciado (que atende áreas de potencial inestimável e níveis de consolidação variáveis dentro daquilo que a prefeitura da capital chama de Centro Expandido), que hoje está mal aproveitado, sendo os gargalos evidentes;
- O tronco formado pelas linhas 11, 7 e 8 constitui um eixo leste-oeste, que no âmbito do estudo da Fupam vai do Brás até a Lapa. Num olhar mais prático, incluindo a Linha 3, a região do Tatuapé passa a ser contemplada.
Quando penso em redundância, ao mesmo tempo imagino que não é oportuno repetir aqui quão saturado está o Metrô de São Paulo no Centro Velho e no Centro Novo da capital, muito menos dizer como é capenga a inserção da CPTM na região do Centro Expandido. Para quem desejar algumas leituras relacionadas, já falamos um pouco sobre a Estação Brás, Estação Luz e o atendimento da CPTM no eixo Ipiranga-Centro.
O Tronco Metropolitano da Mobilidade Urbana é uma aposta que abre, de maneira até então sem precedentes:
- Meios para mudar o diálogo da CPTM com o entorno;
- Meios para recuperar o prestígio dos serviços de subúrbios num atendimento mais direto a centralidades;
- Meios para fortalecer o papel das ligações suburbanas exercidas pela CPTM no atendimento àquela porção do urbano paulistano;
- Meios para redesenhar o sistema de média capacidade, de modo a fornecer serviços capilares e/ou circulares diferenciados para região central, sobre trilhos ou não, de matriz limpa ou não, algo muito mais desafiador no presente cenário.
O projeto é interessante justamente por não retirar as outras linhas para tentar mudar a abrangência da CPTM, ou seja, existe não só o paralelismo das linhas 3-Vermelha e 11-Coral, mas também das linhas 7-Rubi e 8-Diamante. Caso contrário, se reduziria o potencial do tronco, o que só dificultaria as coisas futuramente, além de elevar a complexidade da operação da Linha 11 (vulgo, pré-disposição ao estrangulamento do sistema de sinalização e energia, com redução do intervalo médio em detrimento ao bom desempenho operacional), também reduziria potenciais caminhos alternativos (ou seja, falhas operacionais terão resultados mais drásticos, pois a contingência será dificílima). Acredito que a situação ideal é a de que o tronco seja cortado por outras linhas, ou ainda, receba apoio de sistemas de média capacidade ajustados ao cenário proposto, como é o caso da futura Linha 6-Laranja do Metrô.
Além do mais, conforme o estudo mencionado nos primeiros parágrafos do texto, cabe destacar (grifo meu):
De acordo com a CPTM, a demanda da Estação Água Branca — hoje da ordem de nove mil passageiros/dia — poderá alcançar 100 mil passageiros/dia, se consideradas as unificações da Estação Lapa e o cruzamento com a Linha 6 do METRÔ. Dessa forma, sua construção deverá prever a total integração dos meios de transporte de alta capacidade (trem e metrô), de média capacidade (ônibus) e de baixa capacidade (automóvel). O próprio enterramento das Linhas 7 e 8 provocará a liberação de grande parte da faixa de domínio atual, o que possibilitará a edificação da estação com todos os serviços de integração necessários a sua nova configuração dentro do cenário metropolitano.
É também oportuno destacar que, conforme mapeado pela Fupam no Plano Diretor de Inserção Urbana da CPTM, o seguinte uso é recomendado para as áreas compreendidas no trecho Lapa-Luz:
habitacional e hoteleiro com diversidade social, com comércio e serviços locais, passíveis de construção em função da existência de terrenos subutilizados de maneira a ser revertida a evasão populacional
O tronco então tem seu papel reforçado, não diminuído, o que dificulta a opção por soluções simplistas, aquém de uma metrópole.
Concluindo e face ao exposto, não é possível endossar a desmobilização do único tronco metroferroviário pesado, afinal, o que pode ser considerado um outro tronco, formado pelas linhas 3 e 11, tem não só outras particularidades, como se relaciona com o tronco metropolitano do eixo em questão [Lapa-Brás], sendo que o tronco metropolitano é a única infraestrutura pesada do tipo em todo o Centro Expandido. O tronco metropolitano deve ser integrado ao entorno, mediante intervenções verdadeiramente requalificadoras, que potencializarão e qualificarão sua utilização de maneira adequada, tanto pelo horizonte de trens regionais, quanto pela questão da subutilização do solo em área central-expandida da capital, ratificando assim, estudos e visões que tem se consolidado nos últimos anos, valorizando os recursos investidos até então.
“A obra é muito cara! Seu custo se assemelha ao das obras do Metrô”
→ Como se a CPTM não merecesse investimentos compatíveis com o papel que desempenha…
Parece não incomodar pensar que o governo estadual faz obras mirabolantes para o Metrô… aqui defendemos que a CPTM não é uma cidadã de segunda classe e não pode ficar recebendo intervenções que lembram puxadinhos, puxadões e caixas de sapato. Não dá mais. A CPTM não transporta mais meio milhão por dia, ela transporta muito mais do que isso (cerca de três milhões). O preço que está sendo pago é muito alto. Continua-se manutenindo comportamentos e culturas de selvageria no embarque, visto que as soluções não atendem plenamente as necessidades da metrópole e sempre estão atrasadas e acanhadas.
Vale lembrar também que desde 1994 a Emplasa já insistia no vetor leste-oeste para desenvolvimento (respeitando as especificidades do solo ao norte e os mananciais ao sul), como podemos ver no Plano Metropolitano da Grande São Paulo 1994/2010 (idealmente no documento-síntese, mas também em vídeo).
O estudo da Fupam chegou com mais de 10 anos de atraso, porém demonstrando louváveis intenções, que, por sua vez, dão margem para questionamentos e tentativas de pressão organizada ao poder público, que tem se mostrado omisso e tacanho. A ferrovia é um elemento estruturante por excelência, portanto, tentativas de redução de seu potencial são inadequadas, trata-se de algo que já foi feito no passado e não pode continuar a ser feito no presente e futuro.
Concluo com o seguinte fragmento da coluna de Leão Serva do jornal Folha de S.Paulo:
Miguel Bucalem, professor da Poli-USP, secretário de Desenvolvimento Urbano da prefeitura entre 2009–2012, defende o enterramento dos trilhos e a urbanização das áreas liberadas: “Essa solução leva mais tempo, mas cria um eixo de desenvolvimento urbano que beneficiará a cidade ao longo dos próximos 100 anos”.
Não há orçamentos precisos para cada uma. Cálculos chutados por pessoas experientes em obras públicas apontam algo em torno de R$ 700 milhões para a solução ao nível do chão, com inauguração em quatro anos; R$ 3,5 bilhões custaria a obra que enterra os trilhos, com prazo em torno de 15 anos.
“Grandes capitais, sobretudo na Europa, não empregam túneis para antigas ferrovias”
→ Como se as grandiosas obras feitas em Paris e Ilha de França para a implantação da RER tenham sido uma miragem ou como se o East Side Access em Manhattan não estivesse sendo feito…
Conforme Hugh Schofield da BBC News sobre o projeto Crossrail, a construção da RER (Rede Expressa Regional) foi uma tarefa hercúlea, que envolveu a construção de novos túneis na área central de Paris (grifo meu):
The 1960s and early 70s were a time of enormous confidence and growth in France, and also of rigidly-controlled central planning. Every five years the magnificently-named General Commission for the Plan (which still exists) would set out on-coming projects and budget money accordingly.
That was how the enormous task was undertaken of blasting through new tunnels under central Paris to take the wide-gauge regional trains, and then constructing a series of mammoth stations to link the lines to the metro.
The first lines — RER A and RER B — ran west-east and north-south, meeting at the enormous Chatelet station under the old Les Halles market, which was being re-developed at the time.
Charles-de-Gaulle and Orly airports were linked together, and the gleam-in-the-eye that was to be the La Defense office complex to the west became part of the city proper.
Na Wikipédia anglófona, a construção das estações Nation (1969), Charles de Gaulle-Étoile (1970) e Auber (1971) custou cerca de 8 bilhões de francos, ou equivalendo para euros de acordo com a moeda no ano de 2005, 1,2 bilhão. Confira maiores detalhes sobre as estações aqui.
A Railway Gazette também explica que a Linha A da RER mede 107 km de ponta a ponta, com 25 km de túneis. Para efeito rápido de comparação, os túneis da Linha A da RER têm quase a mesma extensão da Linha 3-Vermelha inteira. Confira o fragmento abaixo:
Line A measures 107 km from end to end, which compares with 103 km for Crossrail. It includes 25 km of tunnel, while Crossrail will have 27 km. Both routes have seven inner city stations, and there are 46 stations on both systems. Line A tunnels are generally single-track bores with a diameter of 6·4 m, which is also intended to be the diameter for the Crossrail tunnels.
No caso paulista, o enterramento visa costurar o tecido, potencializar a ocupação racional, eliminar gargalos operacionais e integrar a malha. Conforme Kiyoto na página 72 de sua tese “Transporte sobre trilhos na Região Metropolitana de São Paulo” (grifo meu):
A abrangência da rede da CPTM é mais ampla, atingindo as extremidades da mancha urbana em várias direções 39 . As suas linhas são implantadas predominantemente em superfície, com uso de vala, elevado ou túnel apenas em trechos pontuais, de acordo com necessidades decorrentes das limitações de traçado à topografia, e não visando uma melhor inserção urbana. A única exceção é o trecho da Estação da Luz, onde o rebaixamento da via, realizado em 1900 durante a construção do edifício atual, foi feito posteriormente à implantação da linha (em 1867) para melhorar a relação com o fluxo intenso do centro da cidade.
Kiyoto também aponta as estações Brás, Luz e Barra Funda como pontos críticos na página 74 da mesma tese:
A rede possui como pontos críticos as três estações centrais, Brás, Luz e Barra Funda, que concentram um grande volume de transferências de toda a rede de alta capacidade, que em parte se amenizou pela e inauguração das estações Tamanduateí e Pinheiros em 2011.
Ou seja, os nós em questão estariam abrangidos pelo enterramento, bem como Lapa e Água Branca.
Sobre o East Side Access, comentamos a respeito dele aqui, incluindo um vídeo oficial da MTA, a autoridade responsável pelo projeto.
Vale também lembrar do túnel Nord-Sül de Berlim, utilizado pelos trens da rede S-Bahn, que prestam um atendimento mais suburbano, similar à CPTM. A Wikipedia anglófona contém informações sobre o túnel.
Conclusão
O projeto não visa uma maior priorização do modal rodoviário, apenas requalifica as linhas da CPTM que cruzam o eixo e fazem papel de metrô, operam cada vez mais como metrô e tarifam como metrô. Faz-se necessária a reavaliação de outras linhas de metrô (operadas pela CPTM, pela Companhia do Metropolitano ou por outra empresa)? Com certeza, mas a oportunidade colocada pela Fupam merece destaque.
O projeto facilita a demolição do Minhocão e também contempla os trens de carga, que seriam segregados, bem como também implica na eliminação de gargalos operacionais, como aqueles observados na região do Brás há vários anos.
Finalmente, mantidas suas premissas, o projeto é importante por não prejudicar a possibilidade de levar uma linha como a 11-Coral para Palmeiras-Barra Funda (algo que é aventado há mais de uma década) e ainda permitir uma melhor utilização das linhas 7-Rubi, 8-Diamante e 10-Turquesa. Adicionalmente, com o enterramento da Estação Brás, é possível avaliar a possibilidade de estender a Linha 12-Safira a partir dela, buscando melhorar o aproveitamento do serviço, tanto pelo trajeto e atendimento à Zona Leste e Alto Tietê, quanto pela alimentação via ônibus, que talvez pudesse ser requalificada posteriormente caso a linha ganhasse uma estação terminal mais atrativa.
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