A CPTM avança no relacionamento com o cliente, mas a timidez é reforçada pelo passado

Por Caio César | 02/04/2015 | 9 min.

Legenda: Auditório da Companhia do Metropolitano de São Paulo, o Metrô, usado para reuniões com variados tipos de usuários
Resgatando um episódio de 2012, proponho uma reflexão sobre quão tímida foi a evolução da CPTM de lá para cá

Índice


Introdução

Recentemente demonstramos solidariedade em relação A Viajante do Trem, que expôs uma situação problemática por ela vivida na Estação Luz:

Muitos acompanharam o que aconteceu comigo na Luz na semana passada. Caos ocasionado por um grupo de pessoas que incitaram uma briga num lugar extremamente lotado e sem rota de fuga.

O texto do qual o fragmento acima foi extraído se chama “Cliente é sempre cliente”, não deixe de lê-lo! Recomendamos também a leitura da resposta da CPTM que pode ser conferida aqui.

A situação lembrou uma ocorrência da qual fui testemunha na mesma estação, em 30/08/2012. Na época, a devolutiva dada pela CPTM foi extremamente breve, praticamente vazia… não houve nem mesmo um texto padrão de pedido de desculpas.

Apesar da resposta polida e do convite feito pela estatal, é inegável que há muito a ser feito, a começar pela busca de sinergia entre as estatais da mesma secretaria (Secretaria dos Transportes Metropolitanos). A única empresa que demonstrou avanços e realiza reuniões trimestrais (das quais participamos) tem sido o Metrô. A última reunião ocorrida na CPTM (conseguida depois de muitas reclamações) se deu em 21/11/2013.


Relato da ocorrência na Estação Luz em 2012

Geralmente não costumo optar pela CPTM após determinado horário. Normalmente opto até as 20h30, no máximo, depois, prefiro utilizar a Linha 3 do Metrô. Ao optar pela CPTM hoje, porém, senti um arrependimento muito grande, que definitivamente amargou ainda mais a imagem da Companhia perante a mim como cidadão, usuário e entusiasta de mobilidade urbana.

Por volta das 21h20 eu estava na Estação da Luz, acabava de chegar na plataforma central em um trem da Linha 7-Rubi e me dirigi ao primeiro par de escadas rolantes, pois estava no primeiro carro. Optei pela escada da esquerda, o fluxo parecia um pouco mais tranquilo, quando já na metade da descida, subitamente, vejo a cena: passageiros começam a se amontoar. A música que eu estava tocando deixa de fazer sentido e ser ouvida por mim, eu passo agora apenas a ouvir os gritos do povo e a ver o desespero das pessoas, sem saber o que fazer, atônito com a situação, tento descer, mas a senhora que estava na minha frente parecia paralisada, algumas pessoas conseguem pular para os lados em meio ao tumulto, outras continuavam a se amontoar, tentando sair da escada rolante direita. Ao que tudo indicava, o alçapão de manutenção estava aberto, ao ver a cena, a primeira coisa que pensei foi “eu não acredito nisso” e a segunda foi “meu Deus, eu não quero ver ninguém ser mutilado aqui”, já temendo pelo pior.

Ao chegar no saguão, já com os fones de ouvidos guardados no bolso da camisa, a gritaria se fazia presente em meio aos presentes, inclusive alguns curiosos que começavam a chegar. A primeira coisa que me chamou atenção foi uma mulher aos prantos, desesperada, tentando encontrar a filha e sair daquela situação constrangedora. Usuários revoltados, reclamavam furiosos aos poucos funcionários presentes até então, exigindo explicações. A escada rolante ainda estava ligada e mais uma vez me senti impotente diante do que acontecia, felizmente, pouco tempo depois, conseguiram parar a escada.

Em determinado momento, um senhor berra “de quem é esta mochila?” e um sujeito próximo de mim prontamente se identifica como sendo o dono. Vejo que a quantidade de usuários aumenta e tento ver se alguém estava machucado gravemente, aparentemente não. Vou para o balcão de atendimento ao usuário, em que duas funcionárias, terceirizadas, pareciam horrorizadas e demonstravam preocupação. Eu então me volto a uma delas e digo que irei reclamar na Ouvidoria, sendo apoiado naturalmente, comento então que vejo que elas são terceirizadas e que não aprovo. Um rapaz chega e pede um copo d’água, uma das funcionárias vai pegar e decido voltar para perto da multidão, mas logo desisto, vou para o canto, próximo do acesso para a Pinacoteca, ouvindo pelos alto-falantes da Estação da Luz os chamados para que ASOs se dirijam ao local.

Dou mais uma olhada, o burburinho não cessa, uma mulher conversa com um funcionário na SSO e decido que vou tuitar o ocorrido, mas ao tentar fazê-lo do saguão, não tenho sinal da operadora TIM. Subo rapidamente para a Plataforma 4 e passo a buscar uma tomada, a primeira não funciona, já a segunda, próxima da ponta sentido Barra Funda, funciona. Lá registro usando um tablet velho e cansado:

E continuo:

Complementando com:

Desconecto o celular que funciona como modem para o meu tablet da tomada e vou novamente ao saguão, notando que meu tablet ainda estava tocando música, que mal podia ser ouvida com todo o barulho, paro a reprodução e observo novamente a situação: a multidão original parecia ter se dispersado, apenas curiosos passavam, olhando para a escada sem entender o que estava acontecendo. Duas mulheres ao meu lado comentam que alguém devia ter tomado um choque e eu olho apenas tentando demonstrar que elas mal sabiam o que tinha acontecido. Noto então outro desentendimento, agora entre um policial ferroviário e um senhor na faixa dos 45 anos de idade, creio, observa o senhor também ao meu lado um rapaz com aparentes 25 anos. O senhor dizia, sem conhecimento, que alguém tinha “caído no buraco” e o policial reprovava fortemente a atitude, até que o senhor desapareceu, falando sobre entrar com uma ação judicial, eu percebi também que um dos funcionários reclamava do povo usuário, dizia que a placa estava na plataforma central e que alguém a teria removido e descido indevidamente, sendo que eu então, disse ao homem que estava ao meu lado: não havia sinalização, as pessoas desceram normalmente e a escada passou a funcionar “do nada”, houve desespero total.

O policial se aproximou e conversou comigo, sendo bastante íntegro nas colocações e não fazendo qualquer negativa quanto ao que eu havia dito. Deixei claro que não vi ninguém cair ali, mas que a cena foi aterrorizante e que se alguém tivesse caído, muita gente teria visto sangue, o que não seria nada bom (um funcionário balançou a cabeça em sinal de confirmação assim que eu disse isso). Ao policial, comentei que uma retratação é o mínimo que se espera, ao que ele, calmamente, apontou para o funcionário que estava reclamando do povo e me disse que aquele sujeito é o atual encarregado da estação e que tudo seria providenciado.

Eu então acompanhei o desfecho: a escada que tinha sido “testada” foi isolada novamente, o policial admitiu que alguém deveria estar presente na plataforma central para garantir a segurança e eu pedi a ele que visse as imagens, sendo que ele concordou e apontou as câmeras que registraram o ocorrido; recomendei ao policial que a CPTM não faça manutenções do tipo tão cedo, não é razoável. Mesmo com a escada isolada, um rapaz permanecia sentado, aparentemente abalado e um outro senhor tentava acalmá-lo, parecia funcionário, mas não estava identificado devidamente.

Subi novamente para a Plataforma 4, reconectei o celular no mesmo ponto de antes e tuitei:

Um trem partia e eu observava que o mesmo jovem que estava parado na escada, estava sendo levado até a plataforma por um agente terceirizado de segurança, ele parecia ter dificuldades para andar e foi levado para a ponta oposta, então meu campo de visão ficou limitado. O tempo passou e após uma composição vazia que não prestou serviço, embarquei em outro trem sentido Guaianazes, ainda perplexo. Os momentos que presenciei e cena de desespero serão bem difíceis de serem esquecidos.


As respostas fornecidas pela CPTM em 2012

Esclarecimentos foram cobrados no dia seguinte, 31/08/2012, quando encontrei no Twitter uma pessoa questionando se alguém havia presenciado o acidente:

Quando a CPTM se pronunciou, aparentemente quem respondia desconhecia qualquer ocorrência na noite anterior:

Com o fornecimento de informações e após uma cobrança posterior, conforme o link abaixo permite evidenciar, aparentemente foi feita uma apuração, que rendeu uma breve resposta:

E com a resposta, o sentimento de descaso também veio:

Na época o mesmo relato acima foi publicado em outro blog e não está mais no ar.

Se compararmos a CPTM de 2012 com a CPTM de 2015, seria desonesto dizer que nada mudou, mas seria também desonesto dizer que as mudanças acompanharam o ritmo das redes sociais e da própria demanda de passageiros. É notável que há uma distância das práticas de relacionamento adotadas pelo Metrô, sendo que as práticas adotadas nele começaram dentro da CPTM, com o ex-presidente Sérgio Avelleda. Trocas de presidentes e cargos comissionados causaram descontinuidade nas políticas de relacionamento existentes, que migraram para o Metrô, lá sendo aperfeiçoadas e sobrevivendo até os dias atuais.


O que precisa mudar?

Parte das ações de relacionamento que tem sido adotadas pelo Metrô, que analisa seu fluxo de reclamações e busca uma maior proximidade do usuário, precisam ser um padrão para toda a Secretaria dos Transportes Metropolitanos. As reuniões que tem sido feitas também não podem, absolutamente, serem trimestrais, é preciso que as equipes sejam maiores e os encontros, mais frequentes. Trata-se de um investimento que já deveria ter sido feito, principalmente quando observamos que o Metrô já foi premiado na Suíça pela inovação no uso de redes sociais.

Quando pensamos na superlotação e nos problemas comportamentais ligados a ela, o diálogo precisa se dar com todos os atores envolvidos no problema, da operação, passando pela manutenção até chegar em áreas de projeto e planejamento. Hoje o diálogo ocorre apenas com a operação e, para piorar, ocorre apenas dentro de uma empresa, sendo que a rede é integrada. Num mundo ideal, existiriam situações em que atores de outras esferas, como prefeituras, estariam envolvidos.

Então, sintetizando, eu elenco os seguintes fatores para mudar o cenário atual:

  • Reuniões mais frequentes;
  • Equipes maiores e bem estruturadas, fruto de uma política interna da Secretaria dos Transportes Metropolitanos;
  • Intersetorialidade como pilar, incluindo envolvimento de municípios;
  • Fortalecimento de ações com movimentos sociais e com a sociedade em geral;
  • Relacionamento como elemento-chave para aumento da transparência (cronogramas para obras, por exemplo).

Conclusão

O convite da CPTM feito para A Viajante do Trem é uma atitude louvável, mas pouco pragmática diante da dimensão dos desafios que as redes sociais impõe diariamente, fruto de um país cada vez mais conectado e de uma rede que transporta milhões e milhões diariamente, numa sociedade cada vez mais exigente. Mais de dois anos depois da negligência relatada acima e mais de um ano depois da última reunião feita após insistentes pedidos e muitas reclamações, trata-se de muito pouco, prova disso foram as respostas que recebemos ao reclamarmos da Linha 10-Turquesa em 09/03/2015, o que motivou a escrita de Falhas e mais falhas nos trens da Linha 10-Turquesa da CPTM.




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