Por Caio César | 11/06/2015 | 14 min.
Índice
O que é intermodalidade?
Conforme a monografia de Elena Mesa Marquez, precisamos conceituar o que é transporte antes de efetivamente discutirmos intermodalidade, portanto (página 16):
Segundo Rodrigues (2004, p. 17) “transporte é o deslocamento de pessoas e pesos de um local para outro”. Em termos mais abrangentes, Faria (2001, p.15) define que “transportar é conduzir, levar pessoas ou cargas de um lugar para outro” e afirma que a atividade de transportes tem origem tão remota quanto o surgimento da humanidade, estando o desenvolvimento da referida atividade diretamente ligado ao desenvolvimento dos seres humanos.
Agora que já temos uma noção do que é transporte, podemos conceituar intermodalidade. Rui José da Silva Nabais em sua dissertação “Critérios e procedimentos para avaliação da potencialidade da integração de estações ferroviárias de passageiros” destaca várias definições (página 23), segundo elas, intermodalidade é:
- Uma das formas de reorganizar os sistemas de transporte público, objetivando a racionalização, a redução de custos e o aumento da mobilidade (ANTP, 2004);
- Um conjunto de medidas de natureza físico-operacional, tarifária e institucional destinadas a articular e racionalizar os serviços de transporte público (Cadaval, 1999);
- Tenciona que, quaisquer modos ou tipos de transporte (ferroviário, rodoviário, aquático, aéreo) que estejam envolvidos, funcionem, todos eles, como uma entidade sem emendas, para o benefício do usuário pagante (www.garden.force9.co.uk/Integ.html, tradução livre);
- É a combinação de diferentes modos de transporte em uma experiência de viagem contínua: ônibus para trem, trem para avião, avião para navio e navio para táxi através de um processo comum de entrega de serviços e distribuição e como uma única transação comercial (MICHAEL FELDMAN, 2002, apud ROCHAT, 2005), pode ser vista através da interligação entre transporte individual e transporte coletivo, ou entre os vários modos de transporte coletivo (SAMPAIO, 2001).
Com base nos conceitos, podemos então pensar intermodalidade como a combinação sinérgica de diferentes modos de transporte, envolvendo aspectos tarifários e infraestruturais.
Qual a importância?
Primeiramente, a intermodalidade não deve ser enxergada de maneira banalizada. É essencial que sua existência como característica de um dado sistema de transporte exista para prover facilidade ao usuário, uma vez que a intermodalidade implica em transferência ou transbordo, é preciso garantir atratividade e racionalidade.
Podemos pensar sua importância de maneira mais ampla conforme descreve Denise Porto Neves em sua dissertação (página 83):
A integração modal apresenta-se como uma solução para as necessidades econômicas e sociais, otimizando a utilização dos transportes urbanos. A intermodalidade proporciona a elevação do nível de mobilidade em uma cidade, desempenhando um papel fundamental em seu desenvolvimento. Desde o princípio as estações de Metrô foram construídas de forma a oferecer condições para integração com outro modal de transportes.
A integração entre modos compõe um elemento indutor de desenvolvimento, com fundo econômico e social, neste contexto, ainda vale mencionar que a integração é passível de ser classificada em pelo menos três tipos, os quais resumimos abaixo buscando facilitar o entendimento:
- Física: visa reduzir as caminhadas, com veículos parando no mesmo local, sendo que alguns deles podem terminar no local, caracterizando funcionamento de terminal de transbordo;
- Tarifária: unifica a transação, ou seja, o passageiro paga apenas uma passagem e pode se deslocar por todos os pontos do sistema que estiverem integrados. Na capital, existe a necessidade de complementação do valor, no qual é cobrada uma nova tarifa com desconto;
- Temporal: ocorre quando viagens são programadas de forma a reduzir ou eliminar a espera, assim veículos diferentes chegam ao mesmo tempo no ponto de integração.
Fonte: Estudo sobre a modernização da malha da CPTM — Companhia Paulista de Trens Metropolitanos: resultados operacionais (páginas 31 e 32), Paulo Bezerra Rodrigues.
A integração física, por exemplo, é um item de conforto bastante notável, sua ausência significa que o passageiro não está abrigado contra intempéries, tais como vento e chuva, além disso, reforça por meio do ambiente que a experiência de utilização variará entre os serviços; já a ausência de integração tarifária eleva os custos dos deslocamentos, penalizando quem mora nas periferias mais longínquas; finalmente, a integração temporal tem, principalmente em grandes metrópoles, o papel de garantir o término do percurso em determinados horários, como por exemplo, permitir ao passageiro conseguir pegar um ônibus que o deixe próximo de sua residência depois de desembarcar do último trem.
Em sua tese intitulada “O Concurso Público no Projeto Urbanístico”, Leticia Takeda Lodi menciona a Estação Palmeiras-Barra Funda, dando dimensão de sua integração no contexto do atendimento ao bairro da Água Branca na década de 1980 (página 133):
Ao longo da década de 80, os sistemas de transporte público passaram a se constituir uma alternativa viável para acessar a região com a construção do terminal intermodal da Barra Funda. Os sistemas, de alta e média capacidade, foram integrados, como a linha vermelha do metrô (leste-oeste); as linhas, “A e B”, da Companhia de Trens Metropolitanos — CPTM — (antigas linhas da São Paulo Railway e Sorocabana, respectivamente), terminal rodoviário intermunicipal e o corredor de ônibus que liga o centro da cidade a Pirituba.
Quando pensamos na utilização da bicicleta, a dissertação de Cláudia Cotrim Pezzuto, intitulada “Fatores que Influenciam o Uso da Bicicleta”, tem um dado interessante na página 81:
Em uma pesquisa em Vancouver, descobriu-se que 30% dos usuários que chegam de bicicleta em um terminal passaram a utilizar o transporte intermodal somente após a construção do bicicletário (LITMAN et al., 2000).
Exemplos
Para facilitar a compreensão do tema, exploramos parte da Região Metropolitana de São Paulo e colhemos alguns casos para abordagem. A ideia aqui é mostrar situações diferentes, reforçando os conceitos definidos anteriormente.
Terminal Lapa do Interligado
O Terminal Lapa foi inaugurado no ano de 2003, sendo um componente do Corredor Inteligente Pirituba-Lapa-Centro. Encontra-se vizinho à Estação Lapa da Linha 8-Diamante da CPTM, não estando fisicamente integrado à estação, seu acesso se dá por uma espécie de calçadão.
A Estação Lapa da Linha 8-Diamante não possui conexão com a Estação Lapa da Linha 7-Rubi. Caso o passageiro deseje se transferir entre as linhas, é preciso usar a Estação Palmeiras-Barra Funda, contudo, para aqueles que podem pagar outra tarifa ou são usuários do Bilhete Único Mensal, Semanal ou Diário, é possível trocar de linha caminhando pela região.
Existe sinalização na Estação Lapa da Linha 8 e no próprio Terminal Lapa para auxiliar o passageiro, contudo, não há integração física, como já apontado.
Apesar da existência de um terminal de ônibus, a presença da ferrovia provoca segregação na Lapa. Moradores e frequentadores utilizam termos como “Lapa de baixo” e “Lapa de cima” para se referir às metades separadas pelos trilhos da CPTM. Para trocar de lado, existem dois túneis, sendo que o túnel próximo do Terminal Lapa e da Estação Lapa da Linha 8-Diamante serve apenas para trocar de lado.
Já o outro túnel está conectado à Estação Lapa da Linha 7-Rubi, podendo servir para acesso direto às ruas comerciais. Sua aparência também não é das melhores.
A Estação Lapa da Linha 7-Rubi também concentra ao longo de seu muro uma série de pontos de ônibus, vários deles servindo como ponto final para micro-ônibus do Sistema Local da SPTrans.
Outras observações quanto à intermodalidade: não existe bicicletário ou para-ciclos, seja no terminal ou nas estações.
Terminal Central do Sistema Integrado Mogiano
O Terminal Central do SIM é um terminal de ônibus da cidade de Mogi das Cruzes, último município atendido pela Linha 11-Coral da CPTM. O SIM conta apenas com dois terminais, portanto, além do Central, existe também o Estudantes.
As linhas do Terminal Central começam com a letra “C”, enquanto as linhas do Terminal Estudantes começam com a letra “E”. Os dois terminais se encontram vizinhos a estações da CPTM: o Terminal Central é vizinho à Estação Mogi das Cruzes e o Terminal Estudantes é vizinho à Estação Estudantes.
Para conexão entre os terminais, é possível utilizar linhas circulares de ônibus (C001 e C002). O esquema é detalhado numa cartilha da prefeitura local:
Pensando num cenário de integração entre a CPTM e o SIM, não existe integração física, de forma que o usuário precisa caminhar pela calçada que margeia a estação, na qual há um semáforo que permite chegar a uma das entradas do terminal.
A troca de plataformas dentro do terminal é feita por faixas de pedestres e cada plataforma tem sua própria cobertura. Além do acesso próximo à estação, o terminal conta também com um edifício principal, dotado de comércio e facilidades ligadas à administração municipal.
Vale mencionar também que, como não há integração tarifária, é preciso pagar a tarifa cheia do SIM e a tarifa cheia da CPTM.
Outras observações quanto à intermodalidade: não existe bicicletário ou para-ciclos, seja no terminal ou na estação.
Terminal Carrão do Interligado
Inaugurado em 1985, localiza-se próximo de vias importantes como Avenida João XXIII, Avenida Rio das Pedras e Avenida Conselheiro Carrão. Um dado curioso é que a Estação Carrão da Linha 3-Vermelha (Itaquera-Barra Funda) do Metrô foi inaugurada cerca de 1 ano depois do terminal, em 1986 e, apesar do nome, não tem proximidade ou qualquer relação com o Terminal Carrão, outrossim, a Estação Carrão é intermodal e também possui terminal de ônibus próprio.
Diferentemente do Terminal Central do SIM, sua cobertura é inteiriça, de forma que a troca de plataforma ocorre por faixas de pedestres, estando o passageiro melhor abrigado caso precise baldear entre linhas.
No total, o terminal possui 4 plataformas, sendo que duas delas contam com rede aérea para ônibus elétricos (trolleybus ou trólebus). Sem grande distinção, concentra linhas troncais do Sistema Estrutural da SPTrans e linhas alimentadoras do Sistema Local da SPTrans Não passam pelo terminal linhas intermunicipais EMTU de qualquer tipo.
Outras observações quanto à intermodalidade: não existe bicicletário ou para-ciclos.
Estação Tatuapé do Metrô e da CPTM
A Estação Tatuapé é um dos exemplos mais interessantes de intermodalidade da Zona Leste da capital paulista, uma vez que dispõe das seguintes facilidades num único complexo:
- Terminal urbano sul;
- Terminal urbano norte;
- Estação da Linha 3-Vermelha (Itaquera-Barra Funda) do Metrô;
- Estação da Linha 11-Coral (Luz-Guaianazes-Estudantes) da CPTM;
- Estação da Linha 12-Safira (Brás-Calmon Viana) da CPTM;
- Shopping Metrô Tatuapé;
- Shopping Metrô Boulevard Tatuapé;
- Airport Bus Service da EMTU (serviço de ônibus suburbano para Cumbica);
- Múltiplos pontos de parada de ônibus fora dos terminais.
Sua versatilidade enquanto pólo oferecedor de comércio e serviços também acaba caracterizando a estação como uma espécie de hub (concentradora), sendo inclusive uma das estações mais movimentadas da CPTM.
Uma vez que a infraestrutura ferroviária metropolitana do Metrô e da CPTM tem caráter segregador, reforçado pelo conjunto de vias expressas denominado Radial Leste, a utilização de um terminal em cada face da estação se justifica, além disso, a passarela da estação nunca fecha, servindo para que o usuário possa atravessar de um lado para o outro, transpondo a via expressa e as linhas férreas.
Apesar dos shoppings possuírem estacionamentos e terem sido construídos em antigos bolsões de estacionamento do Metrô, a Estação Tatuapé não faz parte do sistema E-Fácil, ou seja, mesmo que os estacionamentos sejam listados pelo Metrô pela suposta comodidade, o preço não contempla um par de passagens, o horário de funcionamento também não leva em conta o horário da operação comercial.
Um aspecto curioso dos terminais urbanos é que o terminal norte é mais amplo, porém não tão movimentado quanto o terminal sul, o que talvez seja explicado pela maior quantidade de linhas alimentadoras presentes naquele, além da existência de pontos de ônibus para as linhas que passam pela Radial Leste (incluindo linhas intermunicipais da EMTU). O terminal sul também é menor e se encontra claramente saturado durante os horários de pico, já que a presença das linhas alimentadoras se relaciona com a capilaridade deficiente das linhas 3, 11 e 12 na região. Os ônibus são importantes para que o passageiro possa chegar e sair da estação com maior rapidez, percorrendo alguns quilômetros dentro do bairro. Exploramos um pouco da questão da mobilidade local em nosso artigo “Pensando um VLT para a região do Tatuapé”.
Antes de passarmos para as linhas de metrô da Estação Tatuapé, é interessante mencionar que existe uma praça não muito distante do terminal sul, nela terminam linhas como a 3745–10 (Jardim Imperador-Tatuapé) e a 4025–10 (Vila Califórnia-Tatuapé). Uma vez que a praça já é cortada pela Rua Platina, o espaço acaba tendo uma utilização um pouco diferente daquela esperada para uma praça na metade ocupada pelos pontos de ônibus. Talvez a situação apenas reforce o subdimensionamento do terminal sul, incapaz de abrigar mais linhas.
Finalmente, a transferência entre a CPTM e o Metrô só é possível nos horários de menor movimento, o que pode contribuir para manter a situação humilhante da Estação Brás, contudo, não só não foi a Estação Tatuapé preparada para uma transferência tão exigente, como não é ideal continuar colocando a CPTM numa posição de segundo plano: é preciso reduzir a necessidade da transferência, o que exige maior seriedade e investimentos. Já abordamos questões ligadas ao problema em outros artigos, como por exemplo: “Estação Brás, sinônimo de humilhação coletiva na Linha 3-Vermelha”, “Por que o enterramento da CPTM no eixo Lapa-Brás é tão importante?” e “Breve avaliação das linhas 3-Vermelha, 11-Coral e 12-Safira”.
As linhas de metrô funcionam, sobretudo, para prover um serviço de alta capacidade no sentido leste-oeste, possuindo variadas integrações ao longo do trajeto. No caso da CPTM, o atendimento vai além dos limites da capital, incluindo municípios do Alto Tietê, como Mogi das Cruzes, Poá e Itaquaquecetuba.
Outras observações quanto à intermodalidade: não existe bicicletário ou para-ciclos, seja no terminal ou na estação.
Conclusão
A ideia aqui foi conceituar intermodalidade e mostrá-la por meio de exemplos únicos. Cada terminal abordado oferece níveis diferentes de intermodalidade, ou seja, temos variação no nível de integração, por exemplo, os terminais da Estação Tatuapé oferece um nível melhor de integração entre ônibus e trens se comparada com a situação do Terminal Lapa da SPTrans.
Com base nas informações compiladas aqui, esperamos ter esclarecido dúvidas e/ou contribuído para a discussão de alguma maneira positiva. Lutar por uma melhor intermodalidade é algo que exige esforços de todos nós. Mesmo com cidades extremamente diferentes na Região Metropolitana de São Paulo, é preciso que a rede de transporte possa garantir níveis adequados de conforto, portanto, não podem existir discrepâncias que façam com que a utilização dos serviços de transporte coletivo tenham uma experiência contrastante em pontos diferentes, sendo melhor numa parte da rede e pior em outra.
Num “mundo ideal”, a mobilidade urbana é marcada por níveis elevados de integração entre modos de transporte, com excelência nos serviços e pouca ou nenhuma discrepância na experiência de utilização, o que significa que o passageiro não sente diferença ao deixar seu carro ou bicicleta numa estação, utilizando em seguida uma variedade de linhas de metrô e ônibus.
Se você ainda não acompanha o COMMU, curta agora mesmo nossa página no Facebook e siga nossa conta no Instagram. Veja também como ajudar o Coletivo voluntariamente.
comments powered by Disqus