Por Caio César | 16/07/2015 | 6 min.
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Não, não estamos falando de pedir por racionalidade na infraestrutura viária, cedendo espaço para pessoas e transporte público. Infelizmente, estamos falando do inverso, de remover trilhos da CPTM, acabando com os trens. Tudo para abrir uma nova avenida para automóveis.
O equívoco
Abaixo reproduzimos o discurso que levou à produção do artigo. Trata-se da reprodução do original, publicado num grupo de discussão sobre a cidade de Mogi das Cruzes:
“deixa eu dar um ponto de vista pois não conheço a cidade direito , não seria mais pratico este trem que vem de sp, parar antes da cidade e eliminar estas linhas que atravessam ela,travando o transito pois tem horas que o trem é a cada 10 minutos???, veja quanta economia pro municipio evitando de fazer viadutos, pontes e desapropriando comercio e residencias, usar o mesmo leito da ferrovia como uma grande avenida escoando o transito caotico do centro??”
Vamos assumir que cada trem da Linha 11-Coral que circula no horário de vale com o intervalo mencionado, de 10 minutos, possa carregar 1,5 mil pessoas. É uma estimativa conservadora, que considera que cada carro do trem transporta exatamente 250 pessoas, sendo que a composição inteira é formada por seis carros no total. Pois bem, se a cada 10 minutos passa um trem e um trem carrega 1.500 pessoas, então em 60 minutos foram transportadas 15 mil pessoas, num só sentido da linha, no total, a oferta de lugares viabiliza transportar 30 mil pessoas em uma hora.
Numa faixa rodoviária em geral passam 2 mil pessoas a cada 60 minutos. Ainda que o carro como modal já ocupe muito espaço, para o cenário ser realista, seria preciso assumir tráfego misto, envolvendo ônibus e caminhões. Se 2 mil pessoas são transportadas numa faixa de rolamento por hora (na prática, costuma ser metade disso), significa que a cada 10 minutos foram transportadas 33 pessoas, logo, para conseguir transportar 15 mil pessoas, seria preciso algo entre 7 e 8 faixas por sentido. No total, seria preciso construir uma via com 14 a 16 faixas no total, para fazer o mesmo que uma ferrovia duplicada com trens modernizados, mas fabricados na década de 60, faz com o pé nas costas.
A reflexão
Como pôde ser observado anteriormente, com uma eficiência tão baixa, a suposta economia apontada, na verdade, não passa de prejuízo. Podemos pensar em perdas diretas e indiretas nas seguintes dimensões:
- Saúde e meio-ambiente, com a emissão de mais poluentes no corredor viário, aumentando a demanda por hospitais devido a doenças respiratórias;
- Econômico, com a transferência de uma área mantida sobretudo pelo Governo do Estado de São Paulo na qual ainda circulam trens de carga (operados pela concessionária MRS Logística) e com a necessidade de fazer manutenção numa avenida de grande largura, o que prejudica a logística e aumenta os custos do erário com uma infraestrutura desproporcionalmente dispendiosa;
- Urbano, com a potencialização de uma via de tráfego de passagem, sem indução de desenvolvimento em todo o entorno, nociva ao pedestre, repetindo erros grosseiros até hoje visíveis nas transformações do Centro de São Paulo.
Atualmente a cidade de Mogi das Cruzes conta com quatro estações da CPTM, todas na Linha 11-Coral (Luz-Guaianazes-Estudantes), sendo a última cidade atendida pela linha. Considerando os dados de entrada das bilheterias, as estações Braz Cubas e Jundiapeba, localizadas em distritos da cidade, movimentam aproximadamente 5–6 mil passageiros, enquanto as estações Mogi das Cruzes e Estudantes, localizadas em área central, a movimentação é de aproximadamente 11–12 mil passageiros, o que totalizou em Março de 2015 cerca de 36 mil pessoas em média por útil.
Como a cidade carece de políticas de desenvolvimento que se aliem com a ferrovia, bem possui forte característica de cidade-satélite, não sendo altamente dependente da capital paulista, o Trem Metropolitano da CPTM, por permanecer até os dias atuais com uma inserção urbana pobre, falta de integração física e tarifária com os ônibus do SIM (Sistema Integrado Mogiano), bem como carecer de um serviço expresso mais amplo e um serviço parador com estações mais próximas, acaba tendo sua atratividade reduzida. Infelizmente a orla ferroviária é pouco explorada e pouco verticalizada, com isso, a cidade tendo vários de seus edifícios espalhados ao longo do território, uma prática que não está orientada ao transporte (foge do que chamamos de TOD ou Transit Oriented Development).
O grande fator que motiva discursos contra os trens são as passagens de nível, ou seja, áreas de cruzamento entre trens e carros. Os trens, devido ao seu peso e frenagem mais demorada, possuem prioridade. Natural, pois também transportam (bem) mais pessoas. O problema é que, uma vez fechada, a passagem represa o tráfego de veículos, o que incomoda motoristas. A cidade patina com soluções primais, como a construção de viadutos, em alguns casos mantendo uma passagem de nível aberta mesmo quando há um viaduto nas proximidades (caso do distrito de Brás Cubas).
A questão das passagens de nível é vista de maneira tão crucial pela atual administração, que o programa de obras municipal (denominado Avança Mogi), trata a transposição da ferrovia na área central como “o grande desejo da população, a obra mais esperada”:
Afinal, o que é então mais lógico? Desenvolver a orla ferroviária dentro de Mogi, criando um corredor de desenvolvimento diferenciado (o corredor ferroviário existente é único em todo o Alto Tietê, nenhuma outra cidade conta com quatro estações subsequentes), que valoriza os trilhos e pode provocar mudanças no papel dos trens, atendendo aos anseios tanto dos que precisam de expressos e como dos que desejam um atendimento mais local ou… destruir tudo, transportar as cargas em pesadas carretas e acabar com os trens, reafirmando o Paradoxo de Braess? Não seria melhor fortalecer o papel da CPTM como sistema de metrô urbano dentro do município, sem deixar de lado os deslocamentos com caráter suburbano-regional?
Finalizando
É uma faceta muito triste observar, em pleno ano de 2015, defesas ao rodoviarismo inconsequente, mutilador do ambiente urbano, pouco estruturante e de baixíssima eficiência.
É preciso modernizar a CPTM e conduzir políticas arrojadas nos municípios por ela atendidos. Convidar ao desmonte, forçando mais de 30 mil pessoas a se deslocarem até Suzano, com custo maior e eficiência menor, não é razoável.
Os problemas de tráfego da zona central mogiana são resolvidos com o desestímulo do uso do carro, para tanto, além de políticas ligadas ao sistema de trilhos, o sistema de ônibus precisa melhorar e, melhorar o sistema de ônibus é muito mais fácil quando os trens permanecem existindo.
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