Por Caio César | 02/10/2015 | 5 min.
Na data de hoje, 02/10/2015, soubemos que o MP decidiu rejeitar o resultado da audiência pública feita na Avenida Paulista para discutir mudanças no seu funcionamento aos domingos, as quais incluem a interrupção do tráfego de automóveis (com exceções para moradores e veículos de serviço e resgate) permitindo que a população possa desfrutar da avenida como um bulevar, além disso, também ignorou pesquisas recentes:
- Ampla maioria dos comerciantes da Paulista apoia avenida aberta a pedestres aos domingos (Rede Nossa São Paulo);
- “Abre-te Paulista: uma avenida aberta para pessoas” (Cidadeapé);
- Pesquisa revela avaliação dos paulistanos sobre trânsito, transporte público e poluição (Rede Nossa São Paulo).
Afinal, qual São Paulo o Ministério Público está defendendo? Em pesquisa recente, apenas 13% das pessoas em São Paulo informaram que não deixariam de usar o carro se houvesse um transporte coletivo percebido como sendo de qualidade. Ainda em 2013, mais de 90% dos paulistanos aprovava o aumento das faixas exclusivas (hoje mais de 400 km em toda a cidade). Também sabemos desde 2012 que o carro transporta menos de um terço dos paulistanos, aliás, neste último link, citamos o seguinte parágrafo:
“Quem quer que seja o próximo prefeito, terá de olhar para esse dado, fazer uma política inteligente e tentar reduzir a desigualdade no uso das vias”, diz Thiago Guimarães, especialista em mobilidade e professor da Universidade Técnica de Hamburgo, na Alemanha.
Ora, mas São Paulo não estava caminhando exatamente conforme o apelo do professor? Estaria o Ministério Público apontando o caminho contrário, numa defesa pouco democrática e de viés excessivamente conservador, cuja consequência é reforçar a insustentabilidade de São Paulo?
Para o Ministério Público, as três principais ações são necessárias:
- Estudos de impacto de trânsito;
- Audiências públicas com moradores;
- Iniciativas similares na periferia.
Para o primeiro item, a CET já havia anunciado há mais de três meses que o interdição da Avenida Paulista seria viável; para o segundo item, é no mínimo contraditório que, uma vez realizada uma audiência no vão livre do MASP, esta tenha sido exclusivista e ignorado os moradores; finalmente, o terceiro item já está contemplado e a prefeitura tem discutido o mesmo assunto (interrupção da circulação de carros aos domingos e abertura para o lazer) em todas as outras subprefeituras, na realidade, a audiência pública no vão livre do MASP fez parte da mesma iniciativa, sendo ligada à subprefeitura da Sé, vide por exemplo uma notícia de 25/09/2015 publicada pela Folha de Vila Prudente.
Em alguns casos, existe polarização, com um cenário próximo ao empate, como no caso da redução das velocidades médias, pois 53% são contra, 43% são a favor e 4% não opinaram. É o que uma matéria publicada em 22/09/2015 pela Folha de S.Paulo — cujo título parece ter sido marinado no sensacionalismo — indica. Já em outros casos, não há polarização, como vemos em outros dados da mesma pesquisa do Ibope (vide o link):
- A rejeição por parte daqueles que usam o automóvel todos dias é maior para aqueles com renda superior a cinco salários mínimos;
- 64% dos entrevistados foram a favor da abertura de ruas e avenidas para o lazer aos domingos, face apenas 33% contrários e 3% abstinentes;
- Tempo médio de deslocamento em 2h38 em 2015, contra 2h46 em 2014;
- Evolução na avaliação do transporte coletivo, embora 59% tenha opinado que a lotação dos ônibus aumentou;
- 80% dos entrevistados afirmaram que largariam o carro em 2015 caso existisse alternativa de deslocamento de boa qualidade, contra 71% em 2014.
Temos então um conjunto de informações muito interessantes, que reforçam o posicionamento que citamos acima, bem como reforçam que as políticas públicas que têm sido testadas em São Paulo devem continuar. Não podemos nos calar diante do retrocesso.
É curioso que o mesmo Ministério Público nada tenha dito sobre a praticamente inútil obra da “Nova” Marginal Tietê (veja nosso artigo propondo uma linha de metrô no local, que também aponta controvérsias na ampliação das faixas de rolamento). Por qual motivo o automóvel precisa de tantos estudos, enquanto o transporte coletivo, pedestres e ciclistas são deixados de lado? Não é no mínimo estranho? O Ministério Público aparentemente está preso ao zeitgeist do automóvel.
São Paulo vive hoje uma grande oportunidade. Pessoas e bicicletas podem transformar a maneira de ocupar espaços, o que não só aumenta a qualidade de vida, mas também gera novas oportunidades de negócio.
Na Brasil Cycle Fair 2015, a Ciclocidade lançou uma campanha mostrando que a bicicleta é benéfica ao comércio
Concluindo, o MP está se valendo também de um TAC (Termo de Ajuste de Conduta) firmado em 2007, que limita o número de eventos na Avenida Paulista. A mesma Ciclocidade do vídeo acima já havia abordado o assunto em 28/08/2015, veja o parágrafo abaixo:
O inquérito do MPE-SP se baseia em uma suposta violação do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para a realização de eventos de grande porte e de duração prolongada na Avenida Paulista do ano de 2007 (Inquérito Civil nº 283/03), firmado com a Prefeitura. O TAC estabelece que a Avenida Paulista poderá ser fechada para “eventos, manifestações, comemorações ou outras atividades de duração prolongada que impliquem a obstrução dessa via pública e que necessitem da autorização da PREFEITURA” apenas três vezes ao ano. O objetivo é garantir “direitos de locomoção, direito à cidade ordenada (garantindo a trafegabilidade, a acessibilidade, o conforto e o sossego, com o menor impacto possível no período de obstrução do sistema viário)”.
Assim, vemos que o MP decidiu que determinadas ações da prefeitura foram grandes eventos, o que em tese dificultará a realização das festividades do réveillon, entre outras. Golpe baixo, não contra o prefeito, mas contra a maioria da população, até porque, o TAC parece tratar a Paulista como uma simples alameda num bairro residencial, o que, a despeito do que possa pensar a Associação Paulista Viva, não é bem o caso.
por Caio César
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