As contrariedades na discussão de uma São Paulo policêntrica

Por Caio César | 07/01/2016 | 6 min.

Legenda: Edifícios na Alameda Madeira, na parcela barueriense de Alphaville
Não caia no conto de que a Grande São Paulo depende apenas da capital, que por sua vez concentra tudo aquilo que provoca os deslocamentos da população em direção a uma pequena parte do território

Índice


Introdução

Imagine viver numa região com 20 milhões de pessoas e ouvir discursos, geralmente proferidos por alguns moradores da capital, de que São Paulo precisa se descentralizar, numa noção reducionista, na qual há uma relação de dependência completa, como se pudéssemos separar todo um complexo e diverso território em duas metades: na primeira, a mancha formada pela Avenida Paulista, a região de Pinheiros e mais alguns lugares ao longo da Marginal Pinheiros, já na segunda metade, você tem todo o resto, tudo no mesmo balaio, da mais paupérrima periferia aos subúrbios mais ricos, com sedes de grandes empresas, tudo classificado e vitimizado como “o resto”.

Se você conseguiu imaginar, então talvez concorde que algo assim é desastroso, pois se insistimos que o desenvolvimento e os principais pontos de interesse estão concentrados num pequena parcela da Grande São Paulo, na capital, estamos insistindo uma lógica entre a periferia (no pior sentido do termo) e centro (no melhor sentido do termo, de região nobre, desenvolvida e na qual se quer ou se precisa estar) que já foi rompida, mesmo que ainda tenhamos de explorá-la melhor — rompê-la não significa viver sem problemas, infelizmente.


Uma abordagem baseada em dados

Pois bem, então que fique claro: a Grande São Paulo já é policêntrica, incluindo a própria capital. Quando o Coletivo apresentou um artigo sobre a mobilidade no Itaim Bibi, que faz parte do cluster de centralidades ao longo da Marginal Pinheiros, aproveitamos para mencionar uma interessante ferramenta da Secretaria Municipal de Gestão da Prefeitura de São Paulo, chamada Observatório Sampa, a partir dela, verificamos a representação geográfica do indicador “Concentração do emprego formal (por subprefeitura)”, o qual classificou com o mesmo peso (e tonalidade) as seguintes subprefeituras:

  • Pinheiros (índice 2,45);
  • Sé (índice 1,69);
  • Santo Amaro (índice 1,61);
  • Lapa (índice 1,49);
  • Vila Prudente (índice 1,06);
  • Moóca (índice 1,00).
Legenda: Representação geográfica de um indicador construída em poucos segundos no Observatório Sampa

Se por um lado fica claro o peso de Pinheiros, também fica claro que se somarmos as subprefeituras de Moóca e Vila Prudente, ambas na Zona Leste, vemos um índice que contraria qualquer visão de região dormitório, altamente dependente de subprefeituras mais tradicionais em indicadores de geração de emprego e renda, como é o caso da Sé, que perdeu espaço para Pinheiros e Santo Amaro com a descentralização provocada pela articulação público-privada em direção ao vetor sudoeste, fortalecendo eixos como as avenidas Faria Lima, Berrini-Chucri Zaidan e Nações Unidas.

No caso da subprefeitura da Moóca, esta abrange não só aquilo que se reconhece como o bairro da Moóca, mas também aquilo que se reconhece como o bairro do Tatuapé (ou seja, principalmente a Vila Gomes Cardim, da parte baixa até a mais alta e vizinha do Jardim Anália Franco), e o Tatuapé é um interessantíssimo polo de comércio, serviços e escritórios, que com sua dinâmica própria, ainda abriga uma cena gastronômica e noturna, com bares e restaurantes, como na região das boêmias ruas Coelho Lisboa e Emília Marengo.

Quando apostamos em fomentar discussões acerca do obscuro, mas ainda assim polêmico, projeto de enterramento dos trilhos da CPTM no eixo Lapa-Brás, respeitamos perfeitamente a mancha formada pelas subprefeituras da Moóca, Sé e Lapa, mas não somente, apostamos no fortalecimento de um eixo leste-oeste, pelo menos de Tatuapé a Osasco, com contornos metropolitanos, além dos limites da capital, potencialmente reduzindo e/ou flexibilizando deslocamentos, afetando positivamente a vida de milhões de pessoas, numa magnitude impossível de ser obtida ou pensada num cenário de incipiência, que o presente artigo busca mostrar que não existe, ainda que se possa ouvir falar em descentralização partindo do pressuposto de que não há nada minimamente consolidado, uma grande falácia.

Legenda: Calçadão do Centro de Osasco (Rua Antônio Agú)

Ainda pensando numa dinâmica leste-oeste, apostamos na discussão de uma ligação expressa entre Guarulhos, a segunda cidade mais populosa da Região Metropolitana de São Paulo, e Osasco, que em 2013, estava no quarto lugar no que diz respeito à participação na composição do Produto Interno Bruto (PIB) do Estado de São Paulo, conforme pode ser lido no press releaseApenas dez municípios respondem por 57% do PIB do Estado de São Paulo” da Fundação Seade.

Destacam-se também regiões como o Grande ABC, com municípios como São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul, além da Sub-região Oeste, que abrange além de Osasco, o município de Barueri, que por sua vez, abriga uma parcela importante de Alphaville, importante centralidade, destino diário de mais de 100 mil pessoas, já discutida por nós, ainda que brevemente, no contexto da Estação General Miguel Costa.


Turismo além do óbvio

Quando existe a implicação de que as principais atividades estão concentradas na capital e ainda assim, numa pequena parte dela, é natural que o turismo também fique prejudicado. É oportuno e importante destacar que cidades como Mogi das Cruzes, Jundiaí, Ribeirão Pires e Santo André, fazem parte de circuitos turísticos oficiais da Secretaria de Turismo do Governo do Estado de São Paulo; Jundiaí possui até um hotsite sobre turismo no município.

É preciso ir além da visão de que toda uma metrópole depende de um punhado de equipamentos; sobre parques, por exemplo, pensando de forma independente e fugindo da noção de que tudo gira ao redor do Ibirapuera, podemos destacar que a Zona Leste conta com importantes e interessantes nomes, tais como: Parque Ecológico do Tietê, Parque do Carmo e CERET (Centro Esportivo, Recreativo e Educativo do Trabalhador). É válido também considerar uma visão na qual o deslocamento é feito no contra-fluxo pela existência de uma centralidade concorrente ou complementar, para tanto, pensemos no seguinte exemplo: um morador das cercanias da Estação Antônio Gianetti Neto, na Linha 11-Coral (trecho Guaianazes-Estudantes) da CPTM, decide entre ir ao CERET (fluxo), que fica no Jardim Anália Franco (20 minutos usando a linha 372U-10 a partir da Estação Tatuapé) ou ao Parque Centenário da Imigração Japonesa (contra-fluxo), que fica em Mogi das Cruzes, a cerca de 1,5 km da Estação Estudantes (10 minutos usando linhas de ônibus como C601, C602, C691 e E512), nos dois casos, o trajeto gira em torno de 1h10.

Legenda: Edifícios comerciais e residenciais no Tatuapé (foto por Emerson R. Zamprogno) e CERET visto do alto (foto por IzeKampus)

Outra boa maneira de demonstrar a força da descentralização no turismo é verificar a distribuição das rodoviárias. Dois exemplos: um morador de Ferraz de Vasconcelos pode fazer sua viagem para Bertioga usando o Terminal Rodoviário Geraldo Scavone, vizinho à Estação Estudantes da CPTM, enquanto um morador de Carapicuíba pode fazer sua viagem para o Rio de Janeiro usando o Terminal Rodoviário Alfredo Tomaz, vizinho à Estação Osasco da CPTM. As cidades de Santo André, São Bernardo do Campo, Guarulhos e Jundiaí também contam com rodoviárias, sendo que em Santo André, assim como no caso dos dois exemplos anteriores, a rodoviária é vizinha à CPTM, bastando utilizar a Estação Prefeito Saladino.


Conclusão

Longe de pretender esgotar o tema, a ideia foi demonstrar numa leitura de aproximadamente cinco minutos que é preciso encarar a Grande São Paulo sem insistir nos vícios dos discursos que tratam uma metrópole tão complexa de forma bipolar, defendendo uma relação entre um centro concentrador de atividades e uma periferia dormitório, sem qualquer chance de um meio termo ou de centralidades menores, mas ainda assim muito importantes. Não se pode falar em descentralização sem reconhecer que, na prática, ela já existe, basta agora lutarmos para que todos nós, moradores da Grande São Paulo, possamos desfrutar de níveis ainda maiores de desenvolvimento nos subúrbios, o que fortalece centralidades e subcentralidades existentes, bem como cria oportunidades para o surgimento de novas.




Se você ainda não acompanha o COMMU, curta agora mesmo nossa página no Facebook e siga nossa conta no Instagram. Veja também como ajudar o Coletivo voluntariamente.



comments powered by Disqus