Continuam tingindo a CPTM de cinza

Por Caio César | 28/02/2016 | 6 min.

Legenda: Embarque na Estação Engenheiro Manoel Feio num dia das chamadas obras de modernização e melhoria, quando apenas uma plataforma estava operando
Invisibilidade não combina com descaso do poder público, não combina com obras atrasadas, não combina com desperdício do potencial de transformação e desenvolvimento que o transporte metroferroviário possui

Índice


Vamos brincar

Vou propor aqui uma coisa bem simples: de 1 a 4, teremos algumas colocações sobre a realidade de quem depende do transporte sobre trilhos, leia, pense na malha de trens da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) e no quanto as colocações parecem verdadeiras ou falsas, em seguida, continue lendo o nosso texto.

Pronto? Então vamos lá!

  1. “A situação econômica não é boa (…) Pessoas estão enfrentando dificuldades para procurar um emprego e permanecer nele. Hoje eu recebi duas mensagens de pessoas e ambas me disseram que perderam os seus empregos porque estavam atrasados devido a problemas no transporte público”;
  2. “A rede ferroviária de transporte na região está em situação falha, o que impacta na habilidade das pessoas encontrarem e permanecerem nos empregos (…) Apesar de tudo, o governo e as autoridades regionais permanecem surdos a estas preocupações. Os políticos estão completamente desconectados das preocupações dos cidadãos”;
  3. “Ao longo dos últimos dois anos, os problemas aumentaram. Não é apenas uma linha, mas toda a rede. Trens são cancelados e serviços são cortados ou atrasam. Depois, há problemas com os trens quebrando e problemas que nós nem sequer entendemos. É um sistema de transporte do século XIX que não está apto para o século XXI”;
  4. “A malha precisa de pesados investimentos. [As autoridades] dizem aos passageiros que obras estão em curso, mas nunca vemos qualquer melhoria”.

Agora que você leu e refletiu um pouco, vá para a próxima parte do texto e saiba mais sobre os fragmentos acima.


É hora de dizer a verdade

Se você leu e achou que pelo menos três das quatro colocações se encaixam perfeitamente na CPTM, chegou a hora da verdade: são traduções (com pequenas adaptações) de uma reportagem de março de 2015 intitulada “Paris rail network is not fit for the 21st century”, ou, numa tradução livre, “A rede de transporte de Paris não está preparada para o século XXI”.

A reportagem fala sobre uma ação coletiva contra a operadora RATP, responsável por, entre outras partes do sistema de transporte, a mais movimentada linha da RER, uma espécie de metrô regional com centenas de quilômetros, essencial para interligar subúrbios a centralidades, como La Défense, citada pelo representante do grupo na reportagem e para a qual poderíamos traçar um paralelo com o conjunto de centralidades atendidas pela Linha 9-Esmeralda da CPTM (Berrini, Vila Olímpia e Chucri Zaidan, por exemplo).

Legenda: La Défense vista do alto (foto por Oliver Jaeger)
Legenda: Marginal Pinheiros vista da Ponte do Morumbi (foto por Guto Magalhães)

O processo contra a RATP era, até a data de publicação da notícia, um fato inédito. Todas as colocações adaptadas e traduzidas aqui foram feitas pelo membro entrevistado do grupo responsável pela ação.


Voltando para a realidade paulista

Recentemente o Diário de Suzano anunciou: “Alckmin descumpre promessa e entrega da estação é adiada pela 8ª vez”, também recentemente e com muito mais holofotes, o El País não poupou críticas à decisão de construir novas linhas do Metrô em monotrilho, linhas cujas obras passaram a integrar a lista de canteiros que ficaram vazios e, que já inclui, por exemplo, as obras de expansão da Linha 2-Verde (atualmente Vila Prudente-Vila Madalena) para a cidade de Guarulhos.

O problema é que, diferente do que acontece em Paris e Ilha de França com a RER, para as obras da CPTM, muito menos é dito, mas vale lembrar que, assim como no caso de Paris e Ilha de França, a capital paulista e a Grande São Paulo contam com um programa de modernização para a CPTM, que inclui de compras de trens a reconstrução de estações, passando por elementos menos visíveis, mas essenciais para garantir a redução de intervalos e as falhas na condução, é justamente a condição de “modernização interminável” em meio ao atendimento de uma população vulnerável que nos aproximamos das reclamações feitas na ação coletiva em Paris.

Existe uma diferença: muitos dos subúrbios atendidos pela CPTM, ricos ou não, carecem do mesmo prestígio e visibilidade das áreas mais badaladas da capital, recebendo uma cobertura bem aquém do ideal por parte da imprensa. Vale lembrar que, como nós do COMMU citamos no artigo “Nós já estamos acostumados, não se preocupe”, denúncias já foram feitas na Folha de S.Paulo, surtindo baixíssimo efeito e tendo veiculação nula nas redes sociais. No mesmo artigo fazemos uma crítica, alertando que a experiência obtida ao utilizar os trens aos domingos e feriados pode superar os minutos mais tensos do horário de pico dos dias úteis, visto que o serviço é drasticamente limitado para a realização de obras de melhoria, cujos resultados são de dificílimo acompanhamento, seja pela falta de transparência, seja pela execução controversa das obras.


Se as obras estivessem prontas

Que tal uma pequena lista?

  • Se o novo sistema de sinalização CBTC estivesse funcionando na Linha 8-Diamante (Júlio Prestes-Itapevi), um maquinista não teria conseguido deixar um trem atravessado entre duas vias, prejudicando o acesso direto à região do Centro Velho;
  • Se todas as obras de infraestrutura estivessem prontas e houvesse um compromisso sólido, o Expresso Leste na Linha 11-Coral (atualmente Luz-Guaianazes-Estudantes) já estaria chegando na Estação Palmeiras-Barra Funda, como deveria ser há anos, mas por enquanto ficamos com boatos e um misto de promessas e indefinições;
  • Se a nova Estação Osasco já tivesse sido entregue, uma das mais importantes cidades da Grande São Paulo passaria a ter uma estação moderna, acessível e em conformidade com a dinâmica do região central em que está inserida, mas as obras estão paradas e a fase posterior para concluir as intervenções jamais começou, mesmo com a prefeitura envidando esforços para uma operação urbana, são cerca de cinco anos de impasse e desrespeito;
  • Se a nova Estação Francisco Morato não estivesse com cinco anos de atraso, a Linha 7-Rubi (Luz-Francisco Morato-Jundiaí) teria um motivo a menos para ser estigmatizada como sendo a pior da CPTM.

Finalizando

Perceba que na lista anterior, praticamente todos os links são de veículos como o Via Trolebus e o Blog Mural, com viés independente ou comunitário, fugindo bastante do El País e de jornais ainda mais presentes, como a Folha de S.Paulo e o Estadão, que costumam se voltar mais ao Metrô, porém, mesmo veículos independentes podem se esquecer de nós, o que é bem fácil de perceber, a começar pelos mapas sem escala que não raramente aparecem… veja o exemplo a seguir, do Nexo Jornal:

Legenda: Extraído de “Qual o tamanho do atraso nas obras do metrô de São Paulo” (Nexo Jornal). Rede de metrô ou seria rede do Metrô?

Nós que usamos a CPTM estamos na parte cinza do mapa e, convenhamos, o cinza acaba sendo uma cor perfeita para quem sempre acaba ficando invisível. O mapa mostra os cerca de 70 km da rede da Companhia do Metropolitano, deixando os cerca de 260 km da rede de metrô da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos com um tamanho praticamente idêntico devido à total falta de escala e, como foi caracterizada com uma só cor e sem qualquer rótulo para identificar as linhas, a importância da rede foi simplesmente reduzida a zero.

Termino com uma pergunta: será que uma ação coletiva daria alguma visibilidade àqueles que dependem do “lado cinza” dos trilhos?




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