Prata da casa

Por Diego Vieira Rolim dos Santos | 22/04/2016 | 10 min.

Legenda: Trem da Linha 15-Prata na Estação Oratório
Como a Linha 15-Prata do Monotrilho passou de grande esperança de expansão rápida da rede metroferroviária, em especial na densa Zona Leste da capital, para grande incógnita para os moradores “deste lado” da capital e região metropolitana

Construção rápida, melhor inserção no tecido urbano e menor custo de implantação. Estas foram algumas das promessas em relação ao novo modal de transporte apresentado em meados de 2009 pelo então governador do estado de São Paulo, José Serra (PSDB), em parceria com o então prefeito da capital, Gilberto Kassab (PSD). O projeto do monotrilho foi apresentado tanto como alternativa ao então corredor de ônibus Expresso Tiradentes, proposta original para o eixo mas que supostamente não daria conta da alta demanda da região, como também foi vendida como uma forma mais rápida de levar o Metrô aos bairros mais distantes e necessitados de transporte. A até então extensão da Linha 2-Verde (atualmente Vila Madalena-Vila Prudente) até Cidade Tiradentes, como era chamado inicialmente o projeto, hoje já com parte da linha funcionando e integrada à rede, é denominada Linha 15-Prata.

Legenda: Estação Vila Prudente do Monotrilho, integrada a estação do Metrô da Linha 2-Verde

Porém pouco mais de 6 anos depois de apresentada a proposta, o cenário não é tão promissor como foi aventado e a tal solução rápida e inovadora ainda patina nos nossos velhos problemas de gestão, de estrutura e de políticas públicas para a mobilidade urbana. E o grande prejuízo fica por conta de que o sistema de monotrilho acaba sendo penalizado frente a opinião pública, não pelos seus méritos ou deméritos próprios (apesar das controversas opiniões a seu respeito), mas sim por mesmo diante de uma solução de mobilidade mais enxuta, ainda se levar tanto tempo para concluir obras de mobilidade. Os tais benefícios oferecidos por ela se perdem diante de projetos mal executados, licitações mal feitas e equívocos na gestão e nas decisões a respeito das obras.

Um caso emblemático de falha no projeto da Linha 15-Prata foi a “descoberta”, no final de 2014, de que as galerias do Córrego da Moóca, enterrado sob a Av. Luiz Inácio de Anhaia Melo, passavam por baixo de onde seriam instaladas as vigas de 3 estações do monotrilho: São Lucas, Camilo Haddad e Vila Tolstói. Na época em que veio a tona o problema, visivelmente desconcertados pela falha de execução, o governador Geraldo Alckmin e o secretário de transportes Clodoaldo Pelissioni (recém indicado ao cargo no lugar de Jurandir Fernandes) deram várias versões para justificar o problema. Falou-se primeiro que as galerias não haviam sido detectadas nas sondagens de solo, mas depois de uma repercussão negativa na mídia a por tamanho equívoco, fez-se um mea-culpa dizendo que se buscou executar as obras mesmo com as galerias no caminho para tentar economizar tempo e dinheiro, mas durante a construção notou-se que não seria possível e que a galeria teria de ser remanejada.

Legenda: Obras de desvio das galerias sob a futura estação São Lucas

Este caso ilustra bem os problemas que atingiram esta obra. Como ela foi apresentada como uma solução rápida, fizeram de tudo para que os trabalhos fossem agilizados. Tanto é que os projetos das estações até hoje recebem críticas por serem bastante básicos, sendo um exemplo questionável de arquitetura, possivelmente fruto da pressa em iniciar as obras. Outra solução para dar agilidade à obra foi a utilização de uma licitação de 1992 para a construção de extensão da Linha 2-Verde entre Vila Prudente e Oratório. O contrato, que seria para prolongar a Linha 2 no mesmo modelo de metrô pesado, foi usado para a construção do primeiro trecho da Linha 15-Prata entre as mesmas estações. A medida chegou a ser questionada pelo Tribunal de Contas do Estado mas acabou aprovada e permitiu a conclusão do único trecho em operação da linha.

O caso do córrego sob as três estações também entra na conta deste esforço para dar agilidade à obra. Sabiam de sua existência, que está mapeada pelos órgãos responsáveis há décadas, porém numa decisão política, optaram por arriscar em construir as estações sem mexer nele, algo que demandaria (e acabou se concretizando) pelo menos 18 meses para conclusão, ou seja, mais atrasos numa obra que precisava ser rápida. Para sorte dos paulistanos, a tentativa de acelerar o processo arriscando uma obra deste porte, não deu certo. Afinal sabe-se lá quais surpresas uma obra feita desta forma poderia trazer aos passageiros e ao sistema de transporte da região metropolitana.

Legenda: Obras de remanejamento da galeria de águas no local da futura estação estação Camilo Haddad

Toda esta mobilização para não deixar que a característica de rapidez na construção da linha se perdesse não foi capaz de superar nossas velhas mazelas de gestão. A tentativa de “salvar” o modal frente as críticas que vinha recebendo, tanto pelos custos que só subiam quanto pelo tempo de execução que só aumentava, só fez com que as comparações com a construção de Metrô convencional, a mais comum da rede atualmente, aumentassem. A ideia de que se é para demorar e ser caro, que seja Metrô “normal”, só se perpetuou.

Legenda: Trem do monotrilho trafegando pelo trecho em operação, entre as estações Vila Prudente e Oratório, sobre a avenida Luiz Inácio de Anhaia Melo

Mas é importante destacar que o vilão da história não é o monotrilho em si, mas sim os responsáveis pela execução da obra e os gestores públicos envolvidos, que se preocuparam mais em convencer sobre a solução do que entender as complexidades no emprego de uma nova tecnologia, inédita no país, numa rede de transporte majoritariamente construída com sistemas ferroviários pesados.

Junte-se a isso outros fatores externos que contribuíram ainda mais para as dificuldades de execução da obra. Na esfera federal, a crise política aliada à crise econômica, secou as fontes de recursos para grandes obras como esta. Apesar deste projeto já contar com boa parte dos recursos necessários, estes abrangem somente as licitações exclusivas da obra como a construção das estações, dos pátios, das vias e a aquisição dos trens. Porém junto a todas estas intervenções se tem por exemplo a reestruturação da avenida Anhaia Melo, bem como do entorno das estações, para que estas tenham condições de receber os novos fluxos de deslocamentos, além de tantas outras.

Legenda: Pátio Oratório, onde os trens são recolhidos; uma das partes da obra mais avançada graças aos recursos já obtidos

A segunda fase obra entre São Mateus e Cidade Tiradentes, por exemplo, depende de uma série de ações que precisam ser realizadas pela Prefeitura de São Paulo, tais como a duplicação de duas avenidas, a Ragueb Choffi e a Estrada do Iguatemi, que incluem vários trechos que exigem desapropriações (ou seja, o poder público precisa indenizar proprietários de imóveis existentes). Outro exemplo é a construção do Terminal Vila Prudente, embaixo da estação final da linha, que é integrada à Linha 2-Verde. Apesar da obra bruta estar pronta, a finalização do terminal e toda a reestruturação das imediações dependem de uma outra licitação, que está em andamento e que também é de responsabilidade da prefeitura.

Legenda: Obras do terminal de ônibus sob a estação Vila Prudente; aguardando novo processo licitatório para sua conclusão

Ainda sob os reflexos das crises econômica e política, a Prefeitura de São Paulo tem enfrentado sérias dificuldades de executar estas intervenções necessárias para o andamento de vários trechos das obras. A falta de articulação política entre as diferentes esferas de governo é só mais uma das dificuldades enfrentadas pelo monotrilho para consolidar seu verdadeiro papel dentro da rede de transporte da região metropolitana: servir de solução de média ou até alta capacidade, que ofereça agilidade na ampliação dos serviços.

Voltando à esfera estadual, também sentindo o peso das crises já comentadas aqui, o Governo do Estado de São Paulo também se viu obrigado a rever boa parte dos cronogramas e investimentos em obras de mobilidade. Apesar de não ter seu cronograma e investimentos fortemente afetados como em outras linhas, a exemplo da extensão da Linha 2-Verde que foi suspensa e a construção da Linha 17-Ouro que está praticamente paralisada, a Linha 15-Prata também passou por muitos ajustes. Hoje ela só tem garantida a construção da primeira fase, que vai de Oratório até São Mateus. A fase 2, que vai de São Mateus até Cidade Tiradentes e a fase 3, que a estenderia de Vila Prudente até a estação Ipiranga, fazendo integração com a Linha 10-Turquesa (Brás-Rio Grande da Serra) da CPTM, já não têm mais data para sair do papel.

Legenda: A direita, extremo da linha em Vila Prudente, que não tem mais garantias de continuidade até Ipiranga. A esquerda, extremo leste dalinha após a futura Estação São Mateus. Fase 2 da linha sentido Cidade Tiradentes já tem projeto avançado mas carece de recursos e outras intervenções

Apesar dos dois trechos suprimidos serem importantes para toda a região atendida, a execução completa da fase 1 por si só já é um importante passo para atender melhor este trecho da Zona Leste da capital que hoje depende quase que exclusivamente dos ônibus municipais. Oferecer uma ligação de melhor qualidade entre a região de São Mateus e Sapopemba e o restante da rede de alta capacidade, e consequentemente a área central da capital, é uma antiga demanda que somente com a chegada do monotrilho poderá ser atendida. A proposta inicial de facilidade e agilidade na construção se justifica tanto por esta demanda quanto pela complexidade de se construir, por exemplo, um sistema subterrâneo neste eixo, o que retardaria ainda mais este atendimento.

Mesmo com todos os problemas enfrentados e até um certo descrédito que se abateu sobre a obra, ela é de suma importância para toda a região, inclusive para cidades da região metropolitana como Mauá, Santo André e São Caetano do Sul, que passam a contar com uma outra opção de elevada capacidade além da Linha 10-Turquesa. As regiões ao norte destas cidades, lindeiras à bacia do Córrego do Oratório, também carecem de melhores ofertas de transporte pois dependem também quase que exclusivamente das escassas e precárias linhas de ônibus metropolitanos da EMTU.

Legenda: Obras da estação Vila União; região de limite com cidades do ABC, que também carecem de opções de ligação com o centro da capital pois hoje dependem dos limitados serviços da EMTU

As carências destas regiões demonstram que, mesmo atrasado e envolto em dúvidas, o monotrilho pode sim ser uma boa alternativa para áreas com estas características de alta densidade populacional, baixo nível de infraestrutura urbana, elevada demanda de deslocamentos e pouca oferta de serviços de maior capacidade. Basta que os erros cometidos e as dificuldades encontradas sejam utilizadas para melhorar os processos que envolvem este tipo de obra e para se criar uma base industrial, tecnológica e gerencial que garanta às novas investidas neste modal, as características que o tornam atrativo para o atendimento deste tipo de demanda.


Situação das Obras

Para dar uma noção aos leitores de como está o andamento das obras do monotrilho, fizemos uma viagem de ponta a ponta do atual trecho em obras, entre Oratório e São Mateus, registrando sempre que possível as principais intervenções, como as obras nas galerias do Córrego da Moóca, nos acessos e nas futuras estações.

Legenda: Obras da futura estação Jardim Planalto, as mais avançadas entre todas as novas estações da fase 1

Estas obras despertam um “mix” de expectativas. Enquanto é possível se admirar com a imponência da futura Estação Jardim Planalto, que já tem obras em estágio bem avançado, ao mesmo tempo é frustrante ver a futura Estação Sapopemba com bem pouca estrutura pronta, justamente ela que será integrada ao já existente Terminal Sapopemba-Teotônio Vilela. Da mesma forma, empolga ver o avanço rápido nas obras das galerias na Anhaia Mello, porém não é fácil esconder a decepção em saber que justamente este trecho, um dos mais importantes para a continuidade do avanço da linha, é o que mais vai atrasar a entrega, consequentemente, mesmo com as estações subsequentes prontas, deverá atrasar bastante a chegada deste primeiro trecho ao seu destino: São Mateus.

Estação Vila Prudente

Estação Oratório

Pátio Oratório

Estação São Lucas

Estação Camilo Haddad

Estação Vila Tolstói

Estação Vila União

Estação Jardim Planalto

Estação Fazenda da Juta

São Mateus




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