Por Caio César | 01/05/2016 | 4 min.
Em primeiro lugar, não, não quero falar aqui sobre uma região de 20 milhões nas quais ninguém precisa gastar horas e horas se deslocando, não por desmerecer aqueles que acreditam em algo assim, mas por entender que a missão do Coletivo é lutar por um melhor transporte coletivo, que por sua vez, representa os alicerces para uma cidade mais humana e racional, na qual o transporte coletivo é uma ferramenta de acesso que não deixa cicatrizes, na qual o transporte coletivo não é um triste espelho de realidades e dilemas que são, em muito, fruto de uma cidade voltada para o automóvel e na qual as áreas com melhor infraestrutura de transporte possuem um valor de m² pornográfico.
Quero falar sobre a cidade, mas não só da cidade.
Procurar um imóvel nas proximidades de uma estação fora da periferia, seja ela da CPTM ou do Metrô é um desafio e tanto. Se você não tem experiência na busca por imóveis, acredite, mesmo cinco rendas (ou seja, cinco pessoas) somadas podem não bastar para custear o aluguel de um imóvel dentro de uma condição que é, infelizmente, privilegiada diante do cenário atual, de flagrante carência de infraestrutura e políticas públicas. Morar perto de uma estação bem localizada do sistema de trilhos é para poucos, é preciso estar disposto a desembolsar uma quantia que varia, sem muito esforço entre 2.500 e 5.000 reais, com imóveis muitas vezes idênticos em características. Sejamos francos: o que você pode alugar com R$ 1.000 hoje e como vai ser seu dia a dia usando o transporte público quando se mudar para o imóvel? Talvez você até já saiba a resposta de cor e salteado.
Quem somos nós? Somos estrangeiros em nossa própria cidade, enquanto podemos nos gabar de trabalhar muito e fazer tudo funcionar, nossas oportunidades de desfrutar do tão alardeado gigantismo paulista são, convenhamos, poucas.
Subempregados, nossa relação com a cidade é pontual, para não dizer conflituosa e desengonçada. Pior ainda, é uma relação influenciada por veículos midiáticos talvez pouco dispostos a ir além do óbvio, o que resulta numa São Paulo que é recortada em um punhado de bairros nos quais “todos precisam estar”. Curioso é que, estar presente nos bairros em questão devido ao trabalho não necessariamente é sinônimo de apropriação dos espaços públicos (se existir uma praça se quer que possa ser ocupada), muito menos de consumo, tampouco de uma circulação livre de olhares reprovadores. Está confuso? Certo, lá vai um exemplo: é uma tendência nos últimos anos apontar Pinheiros como “o” polo gastronômico da capital (veja aqui, aqui, aqui e aqui), mas… como é chegar lá para quem vive, digamos, no extremo da Zona Leste? E se a pessoa viver em outro município da Grande São Paulo e só puder ir num final de semana, quando a CPTM realiza suas intermináveis obras de melhoria, terá ela paciência e oportunidade para gastar seu suado dinheiro? Afinal, para quem é a cidade enquanto espaço reconhecido como Pinheiros?
O que quero dizer é: enquanto exercemos funções de base e mal remuneradas, como a vasta maioria do país, somos aceitos nos locais badalados da cidade, mas isso não significa que frequentá-los em outras situações seja convidativo ou até mesmo possível. Quem somos nós? Somos estrangeiros em nossa própria cidade, enquanto podemos nos gabar de trabalhar muito e fazer tudo funcionar, nossas oportunidades de desfrutar do tão alardeado gigantismo paulista são, convenhamos, poucas.
As cidades são o palco em que acontecimentos de cunho sociopolítico se desdobram, é por isso que precisamos apoiar políticas públicas no transporte de massa, só assim podemos remediar e curar as inúmeras feridas existentes. O transporte coletivo representa um meio sólido para integrar comunidades, sustentar o surgimento de moradia social e de mercado popular, fortalecer centralidades que geram emprego e renda, encurtar distâncias e, pasme, com tudo isso, funcionar como um regulador para os deslocamentos entre os lugares conectados. Quanto melhor o transporte coletivo for explorado como ponto de partida para uma cidade mais inteligente, menor será nossa dependência absoluta. É como um ecossistema que passa a funcionar equilibradamente.
Ir de um canto a outro, seja do lado de casa ou do outro lado da cidade, não pode ser um exercício de paciência ou um teste de resistência física e psicológica. Morar perto de equipamentos essenciais não pode ser um privilégio ou sonho distante. Mais: com tudo isso, fica muito mais fácil que nossas universidades públicas atendam o público que geralmente paga por elas, mas não conseguem usufruir, ou seja, a população que estudou a vida inteira em escola pública. E sabe o que isso significa? Uma inversão no quadro atual, que torna possível reduzir a disparidade salarial e também o tipo de emprego oferecido ao longo do território servido pelo transporte coletivo.
Pense bem: até quando a condição de estrangeiro, no pior sentido do termo, será tolerada por nós? Até quando viveremos na sombra dos edifícios espelhados? Não se iluda: se você não participar, São Paulo continuará como está ou, no máximo, terá espaços já valorizados e badalados ainda melhores. Conscientize-se.
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