Entre um milkshake e um sufoco

Por Caio César | 24/09/2016 | 4 min.

Legenda: Estação Brás numa manhã em que a Linha 11-Coral (Luz-Guaianazes-Estudantes) apresentou falha no Expresso Leste (19/05/2016)
Quando estiver passando perrengue no transporte coletivo, principalmente no Metrô ou na CPTM, nunca se esqueça: parte do problema começa quando as pessoas se preocupam mais com milkshakes do que com a própria cidade em que vivem, trabalham e/ou estudam

Sim, é uma provocação. Quer ver um exemplo? Quer ver como faz falta ter mais gente discutindo sobre a vida nas cidades?

Escrevo este post após ter conhecimento de uma iniciativa conjunta das organizações ITDP e WRI, muito louvável, mas... quando visitei a página “Infográfico aponta onde estão as pessoas e o transporte na cidade de São Paulo” no site do ITDP, fiquei assustado ao me deparar com um material que chama as linhas da CPTM de “Ramais de trem” — em sã consciência, quantos passageiros usam o termo “ramais” em São Paulo para se referir às linhas da CPTM? — , além de apresentar uma visão um pouco mais engessada do que seria ideal para duas organizações que promovem cidades mais sustentáveis e com desenvolvimento orientado pelo transporte coletivo. Veja o objetivo abaixo, extraído do PDF do ITDP:

Expandir as redes de transporte público e cicloviária e garantir que o transporte esteja disponível também para as pessoas que moram a maiores distâncias do centro da cidade.

E se a gente contasse para a turma do ITDP que, na capital paulista, a subprefeitura com melhor concentração formal de empregos é a de Pinheiros, não a da Sé? E se contássemos que São Paulo tem, na verdade, vários centros? Pior ainda, e se contássemos que dependendo do bairro, o centro mais cômodo pode ficar numa cidade vizinha? Veja um exemplo para o bairro Cidade Tiradentes, extraído de uma reportagem da CBN:

Para acessar serviços, muitas vezes as pessoas preferem ir a Mauá e Ferraz de Vasconcelos, cidades vizinhas e mais próximas do que o Centro de São Paulo. O problema é que para esses locais não há transporte direto, como conta o Adriano Paes Mauriz, que faz parte de um projeto cultural na região.

Em outro fragmento do mesmo arquivo PDF, lemos o seguinte:

Ao analisar o acesso ao transporte para diferentes faixas de renda observamos que o percentual das pessoas com renda acima de três salários mínimos, que vive perto do transporte, é maior.

Aí fica a dúvida: quantas pessoas com renda abaixo de três salários mínimos será que foram consultadas? A impressão que fica é que nenhuma, absolutamente nenhuma. A passagem acima simplesmente não tem noção da dimensão metropolitana do grande bagulho que é São Paulo.

E daí emendo para não dar ponto sem nó: tenho uma tese sobre isso. Quando se pensa na metrópole de São Paulo, o que vem à mente é o município. Não, amigos e amigas, não está lá muito correto. A metrópole de São Paulo é a região metropolitana, senão inteira, parte significativa dela, composta pela mancha urbana que apresenta grau elevado de continuidade. Adilson Aparecido Bordo explica a diferença entre metropolização e conurbação:

A metropolização diferencia-se da conurbação. Este conceito foi criado por Patrick Geddes em 1915, referindo-se à junção de cidades em expansão, mas sem a predominância de um centro principal, como ocorre na metrópole. A conurbação é constituída pela proliferação de espaços contínuos, com pouca hierarquização entre eles, e sem qualquer plano conjunto, como ocorre, por exemplo, nas cidades alemãs do Vale do Rio Ruhr (Colônia, Essen, Dortmund, Dusseldorf e outras), surgidas em função das minas de carvão. Atualmente, é a região mais industrializada da Alemanha.

Apesar de, muitas vezes, serem utilizados como sinônimos, há uma diferenciação entre os termos metrópole e região (ou área) metropolitana. A região metropolitana constitui-se em torno de uma ou várias cidades que desempenham papel de metrópole. Geralmente instituída em lei, é a área de influência da metrópole, utilizada como instrumento de gestão e planejamento. A região metropolitana abrange os limites territoriais dos municípios aglomerados, englobando tanto a área urbana como a rural. Já a metrópole, refere-se apenas à mancha urbana praticamente contínua.

Ou seja, mais uma vez, uma vez mais, é preciso alertar sobre qual cidade está sendo debatida. O ITDP repetiu a lógica periferia-centro, achatou a problemática do transporte entre os diferentes municípios integrantes da metrópole, adotou uma terminologia divisionista para a rede de trilhos e tratou São Paulo como uma ilha. Sabe Osasco, o Grande ABC, Mogi das Cruzes etc? Entrou tudo no limbo, ou melhor, foi tudo marginalizado junto com os “Ramais de Trem”, algo que pouco me surpreende, infelizmente.

Entre um milkshake e outro ganhando as páginas dos jornais e os feeds das mídias sociais, tá na cara que nós que moramos fora do Centro Expandido da capital (chame de periferia, de subúrbio, do que quiser, contanto que se sinta bem) precisamos começar a levantar a voz e ganhar, cada vez mais, espaço e interesse diante das discussões sobre cidades. Não será tão saboroso, nem tão fácil, talvez custe muito mais caro, mas é uma questão de cidadania e identidade que busca construir e discutir o futuro de forma menos abstrata e imprecisa. Todos ganham.




Se você ainda não acompanha o COMMU, curta agora mesmo nossa página no Facebook e siga nossa conta no Instagram. Veja também como ajudar o Coletivo voluntariamente.



comments powered by Disqus