Paulo Mendes da Rocha: “São Paulo não tem solução”. Será?

Por Caio César | 11/12/2016 | 5 min.

Legenda: Plataformas na Estação Palmeiras-Barra Funda da CPTM em maio/2016, às 17h58
Em conversa com a Folha de S.Paulo, premiado arquiteto insiste no pessimismo típico do paulistano, mas estaria ele certo? Como uma solução vai surgir quando sentenciamos laconicamente que não há nenhuma? Precisamos virar o jogo!

A premissa básica para a crítica de Mendes da Rocha gira em torno de duas coisas:

  1. Suposto excesso populacional; e
  2. Dificuldade de desurbanização caso a população pudesse ser drasticamente reduzida.

Eis o fragmento que nos interessa:

Cita o que considera bons exemplos da metrópole, como o Copan, de Oscar Niemeyer, e o Conjunto Nacional, de David Libeskind, ambos de uso misto e com térreos abertos. Mas afirma que São Paulo, como um todo, “não tem solução”. “Para começar nunca poderia ter chegado a 20 milhões de pessoas [na região metropolitana]. E hoje, fazendo uma divagação, mesmo que ficassem só 3 milhões, o que iríamos fazer com os prédios vazios? Não dá pra derrubar, não tem onde pôr o entulho. Só de latrinas você teria milhões”, afirma.

Para começar, a visão de que a população é o maior dos problemas não vem de hoje, na realidade, é um assunto espinhento, que divide demógrafos em todo mundo. Mendes da Rocha assume uma postura neomalthusiana ao apontar seu dedo para a população. Mas as ideias de Malthus não são consenso e, portanto, devemos questionar: a população não seria apenas uma das variáveis de uma equação mais complexa? Aqui deixo um outro fragmento, extraído de “Malthus e a crise hídrica em São Paulo” (2015):

Marx respondeu ao argumento de Malthus. Trouxe mais problemas pra mesa para contrapor essa “verdade evidente”. Problemas sociais, econômicos, históricos. A produção de desigualdades. Ao desconsiderar as relações sociais de exploração e concorrência que produziram fome — em São Paulo, a falta d’agua — , Malthus, assim como a prefeitura de São Paulo, o governo, e grande parte da imprensa, percebem um resultado da operação de leis inexoráveis da natureza. Seria culpa da chuva, ou de um santo (Pedro). Mas não: é o problema da acumulação de capital e do jogo político construído nesse processo.

Pois bem, continuemos.

São Paulo, como várias metrópoles em países que viveram uma espécie de revolução industrial tardia, tem problemas sérios de infraestrutura, que dialogam perfeitamente com a clivagem social (desigualdade rampante entre diferentes classes) do país. Então temos aqui mais duas coisas que precisam ocorrer:

  1. Redução da desigualdade social; e
  2. Adequações na infraestrutura.

Como o contexto é majoritariamente urbano, aqui temos de apontar: enquanto não existir uma reforma que facilite o acesso à moradia digna, fica muito difícil reduzir a periferização, fenômeno que acontece quando melhorias são feitas e o custo de vida começa a ficar proibitivo pelo comportamento de um mercado imobiliário excessivamente desregulado, podendo ser agravado pela gentrificação, quando áreas já dotadas de infraestrutura são “descobertas” pelo mesmo mercado, que passa então a fomentar o enobrecimento local, doa a quem doer.

São Paulo tem solução, desde que não permitamos a perpetuidade do egoísmo político e empresarial. Produzir bolsões de moradia social na “beira do penhasco” para não “incomodar” as áreas mais nobres ou bem localizadas, definitivamente, não é modelo, ao mesmo tempo, continuar empurrando operações urbanas com a barriga para beijar os pés de empreiteiras só vai criar uma cidade mais excludente e, pior, vai criar uma cidade excludente justamente nas áreas com potencial para serem inclusivas. E isso depende da população. É sabido que o zoneamento é refém do preconceito e do higienismo típicos de uma parcela da população paulistana, ao passo que a política no restante da metrópole segue num padrão quase pós-coronelista, com muito pouca cobertura fora de uma limitada imprensa regional, problema que se agrava quando olhamos para a produção de políticas públicas, que inexiste ou não passa de uma cópia mal feita daquilo que a capital produz.

É claro que existem iniciativas que precisam ser mencionadas. A Emplasa, estatal de planejamento macrometropolitano do governo estadual, está coordenando um plano integrado para a Região Metropolitana de São Paulo, mas seus desdobramentos tem sido acompanhados por pouquíssimos cidadãos, por outro lado, houve um maior buzz voltado à capital paulista, que inclusive produziu avanços com seu último Plano Diretor Estratégico.

Legenda: Site do PDUI da Empĺasa

O PDUI é o tipo de plano essencial para articular as dezenas de municípios que compõem a região, mas se ele é um assunto obscuro para a maioria, existe o grande risco de falhe miseravelmente. E aqui faço um alerta: a elaboração do PDUI não surge por arrojo do governo estadual, mas sim como uma obrigação do Estatuto da Metrópole, enquanto cidades menores passaram a construir planos diretores graças ao Estatuto das Cidades, que é inclusive mais velho do que seu irmão metropolitano.

Legenda: Perspectivas para a Operação Urbana Bairros do Tamanduateí, extraídas do Caderno Urbanístico do Projeto de Lei nº 723/2015

Para concluir, deixo duas perspectivas do tipo de cidade que precisamos produzir na Região Metropolitana de São Paulo: mais densidade, mais verde, mais contato com os rios e melhor aproveitamento do transporte coletivo. Se fizermos isso e inserirmos moradia social, já estaremos com, pelo menos, meio caminho andado para um ambiente urbano que provê, democraticamente, qualidade de vida. Se os investimentos adequados forem feitos nos sistemas de alta capacidade, bem como sua expansão, a partir da recuperação do espaço desperdiçado em prol do automóvel, então a transformação estará praticamente completa.

São Paulo tem solução, basta querermos. A informação é o maior escudo contra o pessimismo e o preconceito.




Se você ainda não acompanha o COMMU, curta agora mesmo nossa página no Facebook e siga nossa conta no Instagram. Veja também como ajudar o Coletivo voluntariamente.



comments powered by Disqus