Por Caio César | 21/12/2016 | 6 min.
Ok, a situação não é exatamente inédita, como podemos ver no fragmento abaixo, extraído da reportagem intitulada “Apesar da crise, governo aprova subsídio de R$ 39 milhões à Supervia”, datada de 15/12/2015:
Segundo a Secretaria Estadual de Transportes, a SuperVia acumula contas de luz em atraso. Entre março e novembro, a energia elétrica teve alta de 89%, provocando um aumento nas contas da concessionária de R$ 5 milhões para R$ 11 milhões mensais. Após a sanção da proposta pelo governador, a Light deve perdoar a dívida da concessionária, descontando valor equivalente no total de ICMS que deverá recolher nos próximos 12 meses. Em 2014, a Light pagou R$ 2,4 bilhões do imposto.
Porém, tem um “pequeno grande detalhe”: as finanças do Estado do Rio de Janeiro já não estavam confortáveis em 2015, definitivamente estão menos ainda em 2016.
E a questão que fica é a seguinte: pensando na malha metroferroviária do Governo do Estado de São Paulo, até quando teremos de suportar uma defesa pueril de qualquer coisa que seja propagandeada como privatização? Novamente fica claro que sistemas de transporte não podem ser enxergados a partir de uma ótima simplista, que os trata como meros produtos de prateleira, ignorando seu papel socioeconômico.
Pesa ainda o fato de que enquanto a SuperVia bateu seu recorde transportando pouco mais de 700 mil passageiros em 10/09/2015, o Trem Metropolitano operado pela CPTM estava transportando mais de 2,7 milhões de passageiros em média por dia útil no ano de 2015, conforme relatório administrativo da própria estatal. Ora, os 2 milhões de passageiros não vieram sem pesados investimentos, não vieram sem serem, um a um, subsidiados para manter a tarifa equivalente à do Metrô, mantendo a uniformidade tarifária da rede, reforçando que a malha metroferroviária é uma só. A iniciativa privada simplesmente não possui nenhuma fonte de recursos para fazer o mesmo.
E mesmo na SuperVia, praticamente todos os trens novos, adquiridos nos últimos anos, foram comprados pelo poder público:
Para dar continuidade ao processo de renovação da frota ferroviária, o Governo do Estado do Rio de Janeiro, através da Secretaria de Estado de Transportes (Setrans) e da Companhia Estadual de Engenharia de Transportes e Logística (Central), adquiriu, junto à Alstom Brasil Energia e Transporte Ltda, seis novos trens com oito carros cada. As composições serão projetadas e fabricadas com base em tecnologia metroferroviária consagrada, para atender às exigências e padrões atualizados de conforto, segurança, desempenho operacional e acessibilidade.
A compra se deu na figura da nebulosa Companhia Estadual de Engenharia de Transportes e Logística, esquecida e devidamente blindada pela concessão, que é propagandeada como sendo uma privatização completa, como se a Odebrecht fosse dona do sistema, algo que ela jamais será, visto que não consegue nem pagar a conta de energia elétrica, visto que não consegue nem promover lobby para rivalizar com as empresas de ônibus, que no âmbito intermunicipal, nem sequer operam em regime de concessão, mas sim de permissão.
Enquanto o risco de fragmentação proporcionada por concessões — feitas com pouco diálogo e transparência, diga-se de passagem —, aumenta em São Paulo, o Rio de Janeiro nos ensina que pode e, muito possivelmente, vai custar caro. Não nos esqueçamos que, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, a Região Metropolitana do Rio de Janeiro é a mais poluída do Brasil.
Para finalizar, sistemas de transporte de massa, diferentemente do cachorro-quente vendido na porta da estação, quando quebram, levam centenas de negócios, milhares de empregos. Não acredita em nós? Então que tal recordar o que aconteceu quando a Linha 7-Rubi (Luz-Francisco Morato-Jundiaí) foi paralisada devido à precaridade em que se encontrava, na década de 1990, em pleno governo Mario Covas? Para tanto, a tese de Luciano Ferreira da Luz é simplesmente indispensável (a partir da página 32):
Entre os muitos incidentes deste tipo, o mais grave ocorreu no segundo semestre de 1996, quanto foram destruídas em série várias estações e trens nas atuais linhas 7 e 11 da CPTM. A paralisação da Linha 7, em função da reforma de estações e trens destruídos, em seu trecho das estações Pirituba até Jundiaí, por um período de seis meses, causou inúmeros transtornos à própria população que dependia diretamente do trem para se locomover até seu trabalho e locais de estudo.
Na ocasião, cerca de meio milhão de moradores da região ficaram sem o trem e tiveram que se reorganizar para conseguir se locomover. Estimou-se na época que uma frota de 230 novos ônibus, entre clandestinos e reservas da São Paulo Transportes (SPTRANS), foram colocados nas ruas para tentar solucionar o transporte de quem dependia exclusivamente do trem. Além disso, outras 200 lotações ocuparam as ruas próximas às estações paralisadas, concorrendo pelos novos passageiros. Algumas conseqüências podem ser destacadas:
- Acréscimo no desembolso dos usuários para se locomover, que em alguns locais passou de R$ 0,80 para R$ 2,00 por viagem, nas lotações;
- Acréscimo do tempo de viagem, adicionando até duas horas a mais com filas e no percurso, que, com o trem, era feito em 40 minutos;
- Aumento dos congestionamentos da Av. Raimundo Pereira Magalhães e demais vias que dão acesso às cidades de Caieiras e Francisco Morato, devido à falta de infra-estrutura necessária ao acréscimo de 35% do movimento;
- Aumento de acidentes da ordem de 20% em algumas rodovias. A maior causa foi o desgaste do pavimento e aumento dos buracos.
O balanço final dos seis meses de paralisação mostrou outros números que denotavam a importância da ferrovia aos municípios lindeiros: queda nas vendas de até 85% em cidades como Francisco Morato e Caieiras, somando dezenas de lojas e galerias falidas, 29 mil desempregados na região, além de outros milhares que não conseguiram empregos pela falta de locomoção.
E aí, quem quer brincar de privatizador?
Ah, e para quem tenta remediar a situação apontando os privilégios aos empresários de ônibus, precisamos ser categóricos: algo que não pode ser ignorado é que a situação das empresas de ônibus no Rio é diretamente proporcional ao enfraquecimento de certas instituições do Estado em décadas passadas, Estado este que, sob o mantra do enxugamento, é enfraquecido, passando a ser débil, fácil de comprar ou ser intimidado por quem está disputando o mercado.
Como apontado no artigo “Privatização: sonho, pesadelo, ilusão?” (26/11/2016), sem explorar o potencial imobiliário de forma cuidadosa e inteligente, não há como obter bons resultados. E para explorar o potencial imobiliário ao longo de, digamos, 260 km de rede, o papel do Estado é indispensável, até mesmo para fomentar o desenvolvimento de áreas estigmatizadas ou subestimadas. E detalhe: se o Estado não detiver a propriedade da maioria das terras, vai ser ainda mais caro e complexo, inclusive pelo capital político que poderá ser queimado a taxas elevadíssimas pela imprensa e opinião pública (que no Brasil, ficam separadas por uma linha tênue, devido à concentração existente).
E que fique claro: nada dito aqui foi pautado com um discurso anti-capitalista, mas sim minimamente racional, que explora situações reais para exibir os limites e perigos do fortalecimento de um ideário excessivamente abstrato, pouco comprometido com a promoção de um modelo sustentável de desenvolvimento econômico e social.
É triste citar o Rio de Janeiro com uma notícia tão preocupante, mas será ainda mais triste se São Paulo seguir pelo mesmo caminho. A conta não vai chegar no gabinete do governador, mas nas vidas daqueles que dependem do transporte coletivo e, infelizmente, quando a conta chegar, poderá ser muito tarde.
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