Por Caio César | 22/01/2017 | 5 min.
Índice
Contextualizando
Recentemente compartilhamos em nossa fanpage publicações ligadas à Ação Civil Pública iniciada pela Ciclocidade, buscando evitar o aumento dos limites de velocidade nas marginais, a qual foi deferida, impedindo assim a Prefeitura de São Paulo de elevar os limites até que a liminar seja derrubada. Na altura você já deve estar se perguntando “tá, mas e daí?”, daí que vem a reação pública, a cobertura da imprensa, a cobertura dos veículos alternativos etc, sendo que aqui eu vou falar de como as pessoas estão reagindo nas redes sociais quando a grande imprensa fala do tema.
Ódio e amesquinhamento
Se na própria fanpage da Ciclocidade, que é pequena se comparada às fanpages de periódicos como Folha de S.Paulo e Estadão, o ódio nos comentários contra a liminar é visível (e não são tão poucos comentários assim), nos jornais consegue ser pior, muito pior.
Primeiro, fica clara a marginalização do ciclista por uma parcela dos comentaristas, que não raramente se auto-proclamam cidadãos de bem, julgando que o pagamento do IPVA lhes confere algum tipo de “foro privilegiado” para definir os rumos da cidade, como se já não bastasse o fato de que a maioria, que usa transporte coletivo e anda a pé, precisar viver numa urbe deformada pelo rodoviarismo, com feições cinzentas e muitas vezes mortíferas.
Em segundo lugar, é absurdo ver como pouca gente fora da “bolha” quer viver numa cidade mais verde e melhor planejada. A discussão não deveria ficar em torno da velocidade, já estamos em 2017 e deveríamos estar discutindo a total reforma das duas marginais. Com total reforma, leitor ou leitora, estou me referindo a um processo de desmonte planejado, devolvendo à cidade não só o espaço ocupado por um sistema viário de baixa capacidade e utilidade questionável, mas também devolvendo à cidade dois rios que precisam ser despoluídos. Um verdadeiro “saneamento urbano”, que utiliza tecnologias cujas raízes já são centenárias, tais como:
- Trens;
- Barcos;
- Bicicletas (inclusive com sistemas de compartilhamento);
- Técnicas de paisagismo.
Tudo isso cobre a movimentação de cargas e pessoas, permite o lazer e a prática de atividades esportivas, além de permitir o aumento da cobertura vegetal, tornando a caminhada mais convidativa e confortável.
Mas não estamos discutindo o desmonte, pois vivemos numa cidade que insiste em amesquinhar toda e qualquer questão urbana. Vivemos numa cidade e não sabemos discuti-la!
A realidade está sendo entortada
Quero ser bem claro aqui, principalmente depois de já ter abrilhantado o artigo com duas imagens contendo comentários do Facebook:
- A maioria não dirige durante a semana (leia-se: dias úteis) para se deslocar pela metrópole;
- O carro também não transporta a maioria dos paulistanos, aliás, é a pior forma de se deslocar em São Paulo;
- A liminar não foi concedida pensando em “andar de bike na marginal”, pois todo o arcabouço levantado por Ciclocidade, Cidadeapé e outras organizações beneficia a todos no trânsito, inclusive quem conduz automóveis e/ou motocicletas;
- [Bicicleta não é sinônimo de renda elevada, a própria Ciclocidade fez um mapeamento, além disso, os bicicletários da CPTM ficam lotados em todas as periferias atendidas, para não dizer que o maior bicicletário da rede — e da América Latina! — está em Mauá, uma cidade que está bem longe de ser uma das mais queridas da metrópole;
- A ideia de que se não se caminha ao longo das marginais mostra como o transporte individual tem poder de alienação: as estações da Linha 9-Esmeralda simplesmente desapareceram, bem como os poucos acessos à Ciclovia Rio Pinheiros, além disso, os ônibus e seus pontos se tornaram invisíveis;
- Também é engraçado como a periferia e o usuário do transporte coletivo são utilizados por pura conveniência, para dar força de retórica a argumentos pra lá de discutíveis. Ora, se a judicialização atende aos interesses de uma minoria, então há uma inversão, pois a maioria não dirige, aliás, as duas marginais são paralelas (quando não adjacentes) a sistemas de transporte de alta e média capacidade, justamente aqueles que carregam gente periférica que só é lembrada quando convém! A decisão da justiça, na verdade, diz respeito à maioria;
- Finalmente, muitas das discussões envolvem o típico vira-latismo do brasileiro, se valendo dos problemas no transporte coletivo para justificar sobretudo o uso do automóvel, ao mesmo tempo que faz parecer que dirigir é um mar de rosas. Para alguns, as marginais são necessárias por “não possuirmos transporte coletivo decente”, o que é um completo absurdo, pois as marginais são, justamente, reflexo de uma escolha que se insere na fotografia do sucateamento induzido de nossos sistemas de bondes e trens urbanos e de longa distância, bem como a um privatismo descarado que engessou o transporte ferroviário de cargas. Mesmo com a melhoria de tais sistemas, alguns insistem em jogá-los na lama e fugir de qualquer tipo de mobilização, usando-os como um escudo que mascara aquela nefasta mistura de acomodação e individualismo exacerbado, tão típica do paulistano médio.
Ainda que a situação seja conflituosa, parece ser a única maneira de abrir a oportunidade de um debate mais amplo. Sem ela, a realidade vai continuar sendo entortada e será muito mais difícil rebater, pois só se rebate aquilo que é colocado publicamente, sem discussão, não há espaço para o contraditório.
Conclusão
Acredito que dentro do papel do COMMU, este artigo complementa outros publicados no passado, que aliás, estão envelhecendo bem, pois continuam atuais e necessários:
- Quatro minutos a mais na marginal ou mais de quatro décadas com menor qualidade de vida?;
- 180 serviços ao longo das marginais e nenhum tornou relevante a menção da Linha 9 da CPTM;
- Trem metropolitano na Marginal Tietê.
Que São Paulo consiga se libertar da camisa de força constituída pela cultura venenosa de culto irracional ao automóvel, que traz toda uma infraestrutura que é de alto impacto, mas proporciona baixíssima capacidade.
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