Tapa cotidiano

Por Caio César | 01/04/2017 | 3 min.

Legenda: Passageiro se prepara para auxiliar no fechamento de uma das portas durante o pico da manhã na Estação Tatuapé
Ah, “os tapas que o subdesenvolvimento insiste em dar”…

Sábado. Faltam uns 10 minutos para as 9h. Os trens sentido Francisco Morato circulam normalmente e a demanda, naturalmente, é baixa. No primeiro carro todos se sentam e mesmo com o maior tempo de partida, típico de um final de semana, sobram assentos.

Da Luz até a Barra Funda são cerca de cinco minutos, vencidos sem muito esforço pelo hoje surrado trem de origem eslovena. Mesmo com poucas pessoas para embarcar e desembarcar, quem está na plataforma se mostra impaciente. O conflito será inevitável.

Tropeça no meu pé esquerdo uma senhora que tem idade para ser minha avó. Negra, cabelos grisalhos, 1,60m de altura e magra. Na plataforma, me viro e fito meu olhar em sua expressão: ela sorri e exibe seu dedo médio, eu devolvo meu polegar e pergunto em voz alta se ela já não está velha o suficiente para ter aprendido a esperar o desembarque.

E deixo a plataforma, sob olhares de uns poucos passageiros. A cena é corriqueira. As brigas são diárias. Nas redes sociais, a hipocrisia de passageiros tentando minorar a falta de educação se mescla à inocência de pelo menos parcela do campo progressista, não raramente intelectualizado fora das periferias, protegido dos tapas que o subdesenvolvimento insiste em dar na face de, não tenho dúvidas, boa parte da população metropolitana, mesmo aquela que se não permite abrir mão da própria dignidade.

Outro dia, talvez uma terça-feira. Estação Brás. Uma mulher com criança de colo tenta embarcar a todo custo no Expresso Leste. Ela claramente não está disposta a abrir espaço para o desembarque, os passageiros — e eu era um deles — se contorcem para sair sem arrastá-la ou empurrá-la. O horário? Por volta das 16h, no “pré-pico”.

A situação é tão vergonhosa que mesmo aqueles que estão no embarque preferencial correm e empurram uns aos outros. Mulheres grávidas e enfermos ou indivíduos com restrições de mobilidade parecem ser os únicos que não o fazem, por motivos óbvios.

No horário de pico, os 4 minutos de intervalo de certas linhas, mascarados por um discurso que neutraliza a modernização da malha, por sinal muito mal divulgada pela estatal e ainda mais mal fiscalizada pela maioria, não são suficientes. Egoísta, há sempre aquele que insiste em embarcar de costas, empurrando impiedosamente, algumas vezes ao som de xingamentos em protesto à atitude, abafados pela indiferença e jocosidade verbalizada por outros que assistem a cena, aparentemente reforçando a imagem de que, se é transporte coletivo, vale tudo. Para estes muitos, já não há espaço para respeito.

Se não houver espaço para respeito, o que sobrará aos trabalhadores? E como lutarão por outro modelo de sistema, por outro nível de qualidade nos sistemas de transporte?




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