Por Caio César | 30/05/2017 | 6 min.
Introdução
Centro de São Paulo, manhã de sábado, garoa e céu nublado, assim era a atmosfera da região que abriga o MobLab da SPTrans, local escolhido para sediar o primeiro encontro da estatal após as últimas eleições para a prefeitura da capital paulista. Confira o vídeo da transmissão na página da Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes.
Dentro do espaço, porém, o clima era outro: pelo menos uma dúzia de pessoas aguardava pelo início do evento. O COMMU marcou presença, ainda que não tenha sido possível fazer perguntas durante: faltou tempo para responder tantas dúvidas, várias delas de aspecto local, voltadas a linhas e bairros específicos. O secretário Sérgio Avelleda espera que o encontro ganhe periodicidade e possa ocorrer num intervalo que vai de 45 a 60 dias.
Durante o evento as perguntas foram respondidas pelo secretário, pelo diretor de operações Paulo Cezar Shingai e pelo diretor de planejamento Levi dos Santos Oliveira.
Comentários sobre o encontro
Durante mais de uma hora diversas considerações foram feitas e não podemos abrir mão de nosso olhar crítico. É claro que não é possível comentar absolutamente tudo, por isso, foram selecionados assuntos-chave.
Dentro da perspectiva metropolitana que dá o sentido de nossa existência enquanto coletivo de pessoas, notamos que a gestão atual pretende ampliar o papel do Bilhete Único a partir de um contrato com a iniciativa privada, solução apontada com entusiasmo pelo secretário. É preciso acompanhar de perto, pois cartões como o BOM (utilizado nos ônibus da EMTU e também aceito em alguns sistemas municipais da Grande São Paulo) e o RioCard não parecem apresentar o tipo de dinamismo e evolução tecnológica que seriam esperados — pelo menos considerando a fala do secretário. Deixo aqui um fragmento extraído do Gizmodo:
No Rio de Janeiro, há 30 anos, a Resolução 215/1987 da Secretaria de Transporte do Estado concedeu, sem data de encerramento, exclusividade à Fetranspor para serviços de bilhetagem. Hoje, a RioCard, empresa do grupo Fetranspor, detém o direito de gerir as 8 milhões de transações diárias feitas com o Bilhete Único no Estado. Com a Resolução de 1987, o que João Doria quer fazer em São Paulo já é uma realidade no Rio.
A defesa da privatização do Bilhete Único está relacionada ao desejo de criar uma “Autoridade Metropolitana”, que ligada ao poder público, poderia colocar fim à profusão de órgãos públicos debruçar sobre a mobilidade e o transporte e que atuam em toda a Grande São Paulo. Quanto à criação da autoridade, trata-se de algo que também desejamos, visto que a fragmentação existente prejudica o planejamento e a resiliência dos sistema, porém, ainda que a legislação existente torne moroso o processo licitatório, o poder público não pode repetir os erros cometidos no passado: a busca de dinamismo e maior participação privada precisa ser muito bem feita e esperamos ampla participação da sociedade, tanto com o público leigo, quanto com a sociedade civil organizada. Salientamos que sabemos que já houve a manifestação de interessados na operação privada do sistema de bilhetagem, que conforme o Diário do Transporte, possui 15 milhões de cartões cadastrados em seu banco de dados.
A ideia de implantar um sistema de BRT, alardeada ainda durante a campanha eleitoral, ainda está em maturação, segundo Sérgio Avelleda. Preocupa-nos o fato de que o sistema possivelmente não estará contemplado no novo edital para toda a rede de ônibus — atualmente a cidade está com o serviço contratado em caráter emergencial, sem alteração contratual, basicamente mantendo o modelo definido há mais de dez anos. Espera-se participação da iniciativa privada, mas não fica claro se haverá fragmentação sistêmica e tarifária ou mesmo qual volume de investimentos e sofisticação poderemos esperar, a única coisa adiantada é que a prefeitura estuda implantação de pré-embarque experimental (corredor “Rapidão”).
Ainda sobre o BRT, a ideia da gestão atual é destravar em Brasília verbas prometidas desde 2013 para os corredores em obras (parte dos 150 km prometidos na gestão Haddad). Se Doria lograr êxito, alguma coisa será implantada (como o corredores Radial Leste e Itaquera/Líder, numa extensão de cerca de 45 km), ou seja, muito pouco para uma cidade do porte de São Paulo. As outras promessas da atual gestão dependem de recursos que a cidade não tem e de projetos que não foram sequer foram concebidos, ou seja, por enquanto não passa de vapor. Outra forma de pensar a questão é considerar que a maturação apontada por Avelleda não passa de um eufemismo para dizer que está sendo buscado um projeto que não exija recursos do erário municipal, que segundo o secretário, está pesadamente contingenciado. Dada a postura costumeira da iniciativa privada, não serão apresentados projetos que não exijam recursos do erário, mesmo com forte exploração de receita publicitária.
Quanto às questões locais, algumas respondidas de forma pouco objetiva pelo diretor de planejamento, concordamos com o secretário: existe um sério problema de comunicação e relacionamento com o passageiro envolvendo a SPTrans, dentre as críticas apontadas durante o encontro, podemos elencar:
- Site pouco acessível em dispositivos móveis;
- Protocolo de reclamação que deixou de existir no sistema, havendo então necessidade de contatar a ouvidoria da SPTrans;
- Dificuldade na obtenção de informações sobre seccionamentos e mudanças nos itinerários de linhas;
- Reclamações diversas sobre situações envolvendo a operação pela iniciativa privada em regime de consórcio, sem observância de fiscalização e intervenção por parte do poder público e concedente;
- Limitações do Olho Vivo que dificultam uma maior fiscalização e acompanhamento autônomos pelos passageiros;
- Sistema de reclamação antiquado, que exige preenchimento de formulário no site, que é utilizado em detrimento a redes sociais.
Todos os fatores acima parecem ter contribuído para que reclamações de problemas locais, voltados a linhas específicas, fossem recorrentes, o que naturalmente reduziu o tempo para discutir questões estruturais ou de âmbito mais geral.
Conclusão
Durante a gestão anterior foram realizados alguns encontros, a principal diferença que pudemos observar foi um aumento expressivo no número de participantes e uma melhor organização, a começar pelo local escolhido e pela acertada iniciativa de transmissão online do evento. É cedo para fazer outros apontamentos, embora seja difícil não ficar preocupado com a situação atual do sistema, tanto do ponto de vista do custeio, como do ponto de vista de sua operacionalização e necessidade de receber maior e melhor infraestrutura. Finalmente, esperamos que os encontros de fato sejam periódicos.
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