Reclame menos e colabore mais

Por Caio César | 23/07/2017 | 6 min.

Legenda: Micro-ônibus da Linha 3729-10 no horário de pico (sentido bairro)
Um relato das inevitáveis frustrações de um grupo que tentou abordar o transporte coletivo na Região Metropolitana de São Paulo

Durante os últimos meses tem sido particularmente difícil produzir conteúdo para o COMMU, na realidade, nunca foi fácil, mas algumas reações de leitores e seguidores suscitam um verdadeiro sentimento de revolta, daí o título “Reclame menos e colabore mais”.

Desde que começamos a “brincadeira” de escrever com profundidade, fugindo de um olhar distante e descompromissado (que, por sinal, é típico da imprensa tradicional), recebemos pouca ou nenhuma contribuição. Um elogio aqui e outro acolá, sim, recebemos, mas não é comum receber mensagens oferecendo ajuda ou de pessoas interessadas em participar com maior proximidade. Para que um coletivo seja coletivo, ele precisa de pessoas. Falar de transporte coletivo, que é algo que a maioria da população usa, deve atrair pessoas, certo? Errado! A realidade tem nos enviado sonoros nãos, dia após dia.

E qual o resultado? Bem, primeiro, o Coletivo é pequeno; segundo, a produção de conteúdo depende majoritariamente de uma pessoa, que fomenta discussões, colhe opiniões do grupo, realiza a pesquisa, alimenta seu banco de imagens pessoal e, finalmente, constrói e publica um artigo; terceiro, a gestão das mídias sociais é parcialmente automatizada, custando US$ 9,99 ao mês, pois a falta de colaboradores, novamente, se faz sentir, o que não só gera um ônus financeiro, como também significa que nem sempre a curadoria de conteúdo pode ser a melhor possível.

Uma coisa que a experiência do COMMU tem ensinado é que a formação de uma massa crítica esbarra na resistência das pessoas em pensar e abraçar verdadeiramente uma causa. Há um recorte de classe ligado à mobilidade ativa (ou seja, caminhar e pedalar), que dialoga com a tendência atual dos grandes centros, na qual a população mais jovem e melhor qualificada começa a buscar uma urbanização que:

  • Proporcione uma sensação de divertimento ao fazer compras e buscar serviços;
  • Apresente diversidade gastronômica e cultural;
  • Seja compacta, com elevada quantidade de equipamentos públicos e privados por km², reduzindo a necessidade de longos deslocamentos;
  • Dispense a necessidade da propriedade de um automóvel, tanto por questões ambientais, quanto por questões ideológicas;
  • Seja verticalizada e de uso misto, com edifícios de apartamentos que possuem comércio no andar térreo (e em alguns casos também no subsolo);
  • Apresente amenidades no passeio público, como bancos, floreiras e para-ciclos, tornando a caminhada mais agradável. Arborização costuma ser desejável também.

Os pontos acima são uma combinação de empirismo e de pesquisa exploratória, consumindo conteúdos que vão do CityLab ao ArchDaily Brasil, passando por organizações multilaterais como WRI e ITDP. Vale notar aqui que são pontos desejáveis, mas a questão em pauta é outra. Acompanhe o raciocínio.

Como dito acima, há um recorte de classe. Para viver num bairro dotado de pelo menos metade das características listadas anteriormente, é preciso ser capaz de encarar o custo do m², seja alugado ou comprado. A população de origem periférica não pode encarar tal custo. O COMMU tem em seu cerne a discussão da Região Metropolitana de São Paulo a partir da infraestrutura de alta capacidade, notadamente o sistema de metrô da CPTM. Ora, temos então um sério problema: a CPTM não “faz a cabeça” de ninguém, a CPTM não é “cool”. A CPTM atende uma série de lugares que popularmente são chamados de “quebradas”, de “buracos” e que, quando abrigam centralidades vívidas ou alguma economia urbana de maior expressão, são grosseiramente escanteados, não raramente pela rotulagem de serem “muito longe”. Chegar aqui e escrever um artigo falando de uma estação que atende um bairro denominado “Aldeia de Barueri” definitivamente não tem o mesmo impacto do que escrever sobre a Linha 4-Amarela (Luz-Butantã), que atende avenidas como a Faria Lima e a Paulista.

Legenda: A Estação Antonio João, na Linha 8 (Júlio Prestes-Itapevi-Amador Bueno) não tem o mesmo apelo de uma Fradique Coutinho, na Linha 4 (Luz-Butantã)

Não dá, sabe? Não podemos competir facilmente com um processo que tem décadas de construção. Falar do que é necessário e afeta a maior parcela da população passa a ser inconveniente, chato, tedioso. E é aí que a precariedade social se escancara, já a partir de classe média baixa. Os números de visualizações e leituras dos artigos não mentem e, com eles, as reações dos leitores só agrava o quadro.

Precisamos de uma inversão urgente do quadro. Quem está mais próximo da base da pirâmide precisa parar de reclamar. O momento não tem espaço para gente resmungona. Precisamos de somatória, de parceria, de coletividade verdadeira. Aqui fica algo que para muita gente deve ser um segredo: a “cena” que trata de transporte coletivo é tão pequena a ponto de mal encher uma sala de aula mediana, na verdade as pessoas mal ocupam um auditório. As reuniões feitas com Metrô, SPTrans e CPTM mostram muito bem isso (fala aqui alguém com anos de experiência em frequentá-las). Muita figurinha repetida, muita gente que não move uma palha para articular algo maior. Muito conservadorismo e pouco ou nenhum arrojo e reflexão.

O passageiro, o usuário do transporte coletivo, hoje, está desprotegido. Se você usa transporte coletivo, sabe muito bem disso. Você não tem voz, não tem quem o represente e, para piorar, está refém de uma meia dúzia de organizações que são, muitas vezes, elitistas e incapazes de fazer um diagnóstico, seja por falta de conhecimento técnico, seja pela distância entre os membros e o campo de atuação (ou seja, quem trata do tema não tem contato adequado com ele).

Legenda: Parque Monte Líbano, em Mogi das Cruzes, bairro nobre vizinho ao Centro Cívico e em distância caminhável da Estação Estudantes, Linha 11(Luz-Guaianazes-Estudantes) abriga polo gastronômico invisível

Resumindo, há basicamente dois grupos de pessoas que, de alguma forma, vão falar de transporte coletivo: (i) quem resmunga, mas por falta de consciência ou interesse não se articula, bem como não tem criticidade no pensamento e; (ii) quem tem background familiar ou pessoal mais confortável, vive muito-bem-obrigado mas, para nossa tristeza, comete equívocos e está distante da realidade da maioria.

Então novamente está sendo feito um apelo (o último foi em abril). O COMMU produziu uma série de artigos sobre questões-chave da Região Metropolitana de São Paulo, a maioria deles agrupados nas publicações Trens Metropolitanos e Metropolização em Debate. Compartilhe-os. Os artigos precisam ser mais disseminados, não para fazer a indústria automobilística gargalhar enquanto tenta empurrar carroças caras e inseguras, mas para demonstrar que aqueles que vivem fora do Centro Expandido também querem políticas públicas e programas sólidos de infraestrutura de mobilidade, da escala mais local até, pelo menos, os limites da escala metropolitana.




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