Por Eduardo Ganança | 29/07/2017 | 6 min.
Há quatro anos um aumento de vinte centavos na tarifa foi o estopim para a maior série de protestos da atualidade em São Paulo, repercutindo em diversas cidades em situação semelhante, em todo o país. Em atitude excepcional, o aumento foi revisto, o edital para renovação da concessão/permissão das linhas de ônibus foi adiado, o programa de implantação de faixas exclusivas de ônibus e ciclovias tomou força como solução de baixo custo e rápida execução. Cada uma dessas atitudes procurou resolver alguns problemas — e criou vários outros.
Desde então os noticiários e a sociedade acompanham atentamente cada uma das ações do poder público acerca da mobilidade. Assunto este, que tomou o protagonismo em debates sobre a gestão do espaço urbano.
Aumentos de tarifa são acompanhados por debates acalorados a respeito da política tarifária, hoje baseada na quantidade de passageiros, no caso dos ônibus — e que contempla um crescente leque de descontos e gratuidades para usuários de perfis diferentes. Neste campo temos uma situação em que a arrecadação despenca e os subsídios galopam, enquanto os cofres públicos esvaziam e as opacas operações das empresas concessionárias e permissionárias ficam ainda mais caras. Esse imbróglio é um dos principais entraves que fez com que o edital para operação sofresse sucessivos atrasos — e hoje estamos há três anos sobrevivendo sob contratos emergenciais com as atuais operadoras.
Além disso, cada metro de ciclovia representa um conflito à parte. Há trechos cujo reconhecimento da necessidade é unânime, há trechos duramente criticados por motoristas, há trechos duramente criticados por ciclistas — e há trechos em que é difícil acreditar que alguém os projetou a sério. A lógica é fornecer infraestrutura para atender à demanda reprimida e angariar demanda nova. Têm função persuasiva de mostrar uma nova alternativa e torcer para que as pessoas comprem a ideia. Nesse caso, os bons exemplos passam despercebidos, e os ruins estampam primeiras páginas em letras garrafais, tanto em jornais de bairro quanto em veículos de notoriedade nacional e internacional.
Já no caso das faixas exclusivas de ônibus, a aceitação teve crescimento mais rápido. À primeira vista, para a porção mais influente da sociedade, as faixas de ônibus e ciclovias podem parecer a mesma coisa, mas são atitudes que atendem exatamente a dois perfis opostos em quantidade de viagens e pessoas. Enquanto os deslocamentos de bicicleta representava uma porção residual dos usuários e viagens (OD 2007), o transporte público representava a maioria. Não à toa, hoje a maior parte da população concorda com a priorização do coletivo nas ruas.
Por fim, houve a redução de velocidade máxima em vias expressas de toda a cidade. Os infames quatro minutos a mais de viagem que elegeram um prefeito em primeiro turno. Mesmo sendo possível demonstrar teórica e empiricamente que essa atitude aumenta o fluxo possível e, portanto, a capacidade das vias — além de diminuir a quantidade de acidentes e reduzir — exponencialmente — a fatalidade, a propaganda apelativa à irracionalidade e ignorância venceu.
Agora, teremos a primeira edição da mais completa pesquisa de mobilidade do país depois da ascensão dessas questões ao protagonismo. Esses dados, bem como a sua forma de divulgação, serão decisivos para munir a opinião pública na defesa ou oposição às atitudes passadas e futuras do poder público.
Para se entender o poder e a riqueza dessa pesquisa, é necessário compreender quais seus principais pontos. A princípio, ela lista e espacializa os deslocamentos ocorridos cotidianamente em toda a Região Metropolitana. Esses dados são ligados a informações sobre faixa etária, renda, escolaridade, gênero, situação de emprego, entre outros — podendo servir de base para ações do poder público de diversas esferas no planejamento urbano, dos planos diretores aos planos regionais e operações especiais e ações setoriais.
No segundo semestre de 2017, a expectativa é obter 32 mil dados de visitas a domicílios, totalizando uma amostra de cerca de 150 mil pessoas, separados por renda, nas 517 divisões regionais criadas para o estudo. Os pesquisadores visitarão as moradias para coletar informações detalhadas a respeito da rotina de deslocamento das famílias no dia anterior à visita. Além disso, serão instalados postos de pesquisa na chamada Linha de Contorno, que compreende as entradas da Região Metropolitana, nas rodovias.
Os principais dados obtidos são: Origem, Destino, Modo, Motivo e Faixa Horária. Estes cinco dados são componentes da entidade “Viagem”, representada espacialmente por um vetor OD. Em poucas palavras, uma viagem é um deslocamento com uma origem, um destino e um motivo, com o uso de um modo ou vários e localizado temporalmente numa faixa horária. Esses dados de viagem, combinados aos demais, compõem uma robusta base de dados, que permite uma série história comparativa de cinco décadas.
Este ano, será possível, portanto, aferir diretamente dados básicos em quantidade inédita, como o comportamento dos deslocamentos não motorizados, principalmente os de bicicleta.
Convém citar que, de certa forma, os dados acerca de modo de viagem privilegiam os modos coletivos e de maior capacidade. Portanto, é necessário cuidado na análise dos modos não-motorizados, posto que esses são considerados modos individuais de baixa capacidade.
O uso de bicicleta frequentemente é associado a outros modos de maior capacidade, principalmente sobre trilhos. Assim, nesse caso, o modo principal de viagem considerado será sempre o coletivo.
Portanto, o provável aumento no uso da bicicleta só será plenamente observado a partir de dados detalhados, que levam em conta os diversos modos, e não apenas o principal.
Além disso, será possível observar, em toda sua intensidade, a queda no tempo de viagem por modo coletivo, por conta da criação das faixas exclusivas para ônibus. Um dado que pode consolidar a opinião pública a favor da existência destas — e possivelmente levar a atual gestão a retomar a sua implantação.
Por fim, poderão ser verificadas duas tendências em relação aos automóveis. Por um lado, é esperada uma inflexão no crescimento da quantidade de automóveis particulares por família, em parte causado pelo aumento da eficiência dos modos coletivos e pelo incentivo aos modos não-motorizados, em parte causado pelo aumento dos custos associados à posse do automóvel combinado à crise econômica. Por outro lado, será possível verificar o uso e comportamento dos carros particulares compartilhados por meio de aplicativos, outra questão inédita. Pela primeira vez será possível entender o real impacto desse advento no cotidiano dos deslocamentos da cidade.
Em suas últimas consequências, essa pesquisa fornecerá subsídios para avaliar se houve uma inflexão no comportamento da acessibilidade das diversas regiões da metrópole — portanto, se houve, de fato, mudança nas relações de disputa pelo espaço/tempo da cidade, acarretando em queda nos privilégios que algumas regiões mantém em relação a outras. Também será possível observar o quão longe a cidade de São Paulo se encontra do desejável modelo de urbanidade livre da dependência dos automóveis, que hoje motiva grande cidades no mundo desenvolvido a reinventar os modos com que seus habitantes se deslocam.
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