Por Caio César | 07/01/2018 | 7 min.
Índice
Abaixo estão elencadas cinco situações comuns, todas acompanhadas de alguns comentários e esclarecimentos. Em alguns casos, foram incluídas fotografias também.
1. Defender bairros residenciais de baixa densidade ao lado de importantes centralidades
Aqui temos um dos maiores reflexos de um processo de urbanização fragmentado e conduzido pelo mercado, que quando não estava desregulado o suficiente, buscava capturar o poder público para garantir a predominância de suas práticas, supostamente as melhores práticas.
São Paulo é uma cidade que abriga centros financeiros como a Avenida Faria Lima e tem o requinte de oferecer casas a poucos metros de distância destes, ou seja, imensos arranha-céus espelhados convivem com uma vizinhança de grandes domicílios unifamiliares, dispostos em bairros-jardim, predominantemente ou exclusivamente residenciais. Ironicamente, a classe média e a maior parte da massa trabalhadora, que buscarão empregos em regiões como a da Avenida Faria Lima, estarão, muito provavelmente, “empilhadas” em periferias densas.
Bairros como o Jardim Europa podem ser muito bonitos quando vistos do alto, mas estão simplesmente fora de lugar, é a anti-logística em sua mais perversa forma.
2. Dizer que deseja melhor transporte público, mas rejeitar qualquer medida que reduza o espaço destinado aos automóveis
Aqui temos um clássico, uma versão paulistana do NIMBY, expressão que significa Not In My Back Yard em inglês, ou em tradução livre, “no meu quintal não”. Ninguém se opõe à expansão das linhas de metrô, desde que sejam feitas em subterrâneo e com a menor interferência possível, ou seja, custando os olhos da cara e levando décadas para ficarem prontas. Intervenções como faixas exclusivas de ônibus e ciclofaixas ou ciclovias são atacadas com o pretexto de “prejudicarem o comércio” ou, pior ainda, “retirarem estacionamento do comércio”. Com a maioria da população usando o transporte coletivo, é incrível que os comerciantes ainda não tenham entendido qual estratégia deveriam estar traçando.
É comprovadamente impossível expandir a malha de transporte de alta capacidade com tempo e custo razoáveis enquanto a mesquinhez não for derrotada. Parafraseando um dos prefeitos de Bogotá, Enrique Peñalosa, saliento: nenhuma constituição, de nenhum país, garante o direito ao estacionamento, estacionar o veículo é um problema exclusivo de seu proprietário e do mercado, não do Estado, que deve garantir um ambiente urbano voltado para pessoas. Pior ainda, é comum que o mesmo paulistano faça comparações entre nosso sistema de metrô e o de outros países, se esquecendo que, na maioria das vezes, os sistemas dos outros países estão sobretudo em superfície e em elevado, não em subterrâneo.
3. Insistir que existe uma “indústria da multa”, quando na verdade existe subnotificação
O discurso pode até ter perdido força na capital por razões claramente políticas, mesmo assim, a fiscalização não tem sido reduzida, mas ampliada. Com medidas como a multa com base na velocidade média, porém, infratores e defensores de infratores voltam a gritar aos quatro ventos que existe uma “indústria da multa”. A realidade é que existe uma “indústria da impunidade”, como aponta o engenheiro e consultor de trânsito Luiz Célio Bottura:
Não há “indústria da multa” e sim uma “indústria da impunidade”. Beber e dirigir, falar no celular ao volante ou exceder a velocidade é uma decisão do motorista. Todos temos obrigação de conhecer as leis de trânsito ao passar por exame de habilitação, mas a cultura de respeito à legislação está deixando de existir. Se não houver fiscalização, as regras não são respeitadas. As pessoas só pensam que deveria haver um radar quando um amigo ou familiar se torna vítima do trânsito.
Multa-se pouco e não há nada mais prazeroso do que apontar claramente, em bom tom de voz. A verdade pode doer, mas para cada 4.416 infrações cometidas, apenas uma multa é aplicada. Não, você não leu errado, apenas uma multa para mais de quatro mil infrações! A “indústria da multa” não passa de uma narrativa desonesta, contrastando com uma anti-política baseada em discursos moralistas, tão em voga hoje em dia.
4. Reduzir a bicicleta a instrumento de lazer e ignorar o papel da intermodalidade
Se automóveis e motocicletas não estão restritos a autódromos e circuitos de competição, por qual motivo deveriam estar as bicicletas restritas a parques, por exemplo? Não faz sentido. O argumento, se é que podemos chamar assim, vem muitas vezes acompanhado de falsos dilemas, dizendo que ninguém percorrerá longas distâncias de bicicleta.
É claro que percorrer longas distâncias de bicicleta não é trivial, justamente por isso são construídos bicicletários em estações de metrô, como é o caso de diversas estações da CPTM dentro e fora da capital. E aqui vai um spoiler: na periferia, os bicicletários do sistema de trilhos vivem lotados!
A bicicleta poderia ser uma grande amiga da cidade, muito mais do que é hoje. Sistemas de compartilhamento tornam seu uso fácil, rápido e convidativo, podendo inclusive contribuir para movimentar o comércio num raio de 6 km, distância na qual é mais rápida do que o automóvel. Veja a consideração abaixo, extraída de um artigo da Revista Bicicleta:
Um ciclista pedala em média a 16 km/h. Em distâncias de até 6 km, em áreas urbanas, a bicicleta é mais rápida do que o carro. Em distâncias mais longas, há que se considerar o fato de já estar realizando um exercício físico durante a locomoção, ou seja, você não precisa chegar em casa e ir para a academia etc.
Lutar para melhores sistemas de compartilhamento e mais bicicletários e outras infraestruturas de apoio é algo básico. Defender que bicicletas devem ficar restritas ao lazer, nos parques, reproduz a ideia de que as ruas são principalmente dos carros, ou seja, é uma noção jurássica, antiquada.
5. Ter ojeriza a fazer transferências entre linhas de ônibus ou até mesmo de metrô, como se todas ligações devessem ser diretas
Pode parecer óbvio, mas o transporte coletivo é… er… bem… de uso coletivo, por várias pessoas, assim sendo, o atendimento entre os pontos A e B costuma ser feito levando em conta o desejo da maioria das pessoas.
A principal lição é a de que transporte coletivo nem sempre é a forma mais direta possível, mas provavelmente é a mais democrática existente. O transporte coletivo não funciona como o transporte individual motorizado, justamente por isso consegue oferecer menores tarifas e cobrir maiores distâncias, como ir de Interlagos a Mogi das Cruzes por R$ 4 pela CPTM ou então viajar sentado de Osasco a São Bernardo do Campo por R$ 9,60 pela EMTU.
A segunda lição é que as transferências podem ser fruto de uma lógica de funcionamento em rede ou de algum tipo de hierarquização. Um exemplo típico em São Paulo é morar num bairro periférico auto-construído, cujo viário não consegue abrigar grandes ônibus. O morador embarca num ônibus pequeno, do tipo micro-ônibus ou midi-ônibus, desembarca em um terminal ou estação de transferência e então se dirige a um ônibus de maior capacidade, do tipo articulado ou bi-articulado.
O sistema de trilhos, dentro e fora da capital, também costuma funcionar a partir de uma lógica hierarquizada, na qual os trens funcionam como um tronco de alta capacidade e os ônibus funcionam como alimentadores, que apesar da baixa capacidade em comparação com os trens, são muito mais capilares, penetrando nos bairros e buscando os passageiros que desejam chegar nas estações.
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