Linha 4-Amarela, foliões e hipocrisia

Por Caio César | 04/02/2018 | 5 min.

Legenda: Situação da Linha 4-Amarela na Estação Luz no pré-carnaval, 13h40 do dia 3 de fevereiro
Paralisação da linha no sábado, 3, é avaliada nas redes sociais com brandura. Sobra hipocrisia e falta reflexão

Índice


Falta de educação?

Nas redes sociais, predomina o discurso de que a Linha 4-Amarela (Luz-Butantã) foi vitimada pela falta de educação de alguns foliões, contudo, aquilo que parece ser mera opinião não passa de um posicionamento incoerente, fruto de posições ideológicas que defendem uma concessão repleta de garantias e cuja contrapartida da concessionária vencedora foi irrisória, conforme já discutimos no passado. É um posicionamento que precisa, desde já, ser questionado.

O restante do sistema, com mais de 300 km de extensão, é operado por estatais e não conta com brandura e compaixão quando falha, pelo contrário, as categorias que integram a operação estatal — ferroviários e metroviários — são atacadas e acusadas de serem privilegiadas, preguiçosas e incompetentes. Por que com a Linha 4-Amarela é diferente?

Quando a Linha 3-Vermelha (Barra Funda-Itaquera) foi envolvida na “polêmica da blusa” em 2010, será que a falta de educação foi apontada como principal motivo?

É inegável que ocorreram excessos por parte dos foliões, entretanto, sejamos francos: a falta de educação é rotina, logo, a ViaQuatro não deveria estar preparada para contorná-la?


Dois pesos, duas medidas

Pois bem, ainda que a operação privada seja recorrentemente blindada, problemas envolvendo trens e evacuação dos passageiros não são novidade, conforme podemos notar em fragmento extraído de uma reportagem de 2012 do Estadão:

Nos últimos cinco meses de operação, a Linha 4-Amarela teve seis panes parecidas com a de ontem, que obrigaram o esvaziamento de pelo menos um dos trens. O caso mais recente havia ocorrido na quarta-feira, quando uma pane elétrica em um trem próximo da Estação Faria Lima fez com que as seis estações do ramal ficassem fechadas por 40 minutos — a retomada da operação foi dificultada pelo fato de que, após ficar presos nos trens, os usuários abriram as portas e caminharam nos trilhos da linha até a estação seguinte.

Ainda em 2012, o presidente da Fenametro havia feito um alerta ao portal Terra quanto à ausência de funcionários nos trens da Linha 4-Amarela, indicando que o quadro reduzido de operadores dificultaria a normalização da operação no caso de adversidades:

Para Paulo Pasin, presidente da Federação Nacional dos Metroviários (Fenametro), o fato de os trens operarem sem condutor faz com que os usuários fiquem mais tempo “no escuro” em caso de panes. “Ela a ViaQuatro está priorizando a redução de custos em detrimento da segurança”, dispara o sindicalista.

Será que não vale refletir se a ViaQuatro não continua negligenciando o quadro funcional? Por que parece ser tão difícil admitir que a estratégia operacional adotada no sábado falhou?


Testemunha ocular

Eu, o autor, estive pessoalmente na Estação Luz da Linha 4-Amarela às 13h40, cerca de 20 minutos antes da paralisação informada pelo Diário do Transporte. Ao observar a plataforma cada vez mais cheia e suspeitar que a oferta de trens não estava adequada, eu simplesmente optei por mudar de caminho. Ressalto que localizei apenas dois funcionários na estação, um dentro da SSO e outro no mezanino, também perto da SSO.

Legenda: Outras fotografias documentando a situação da Linha 4-Amarela na Luz por volta das 13h40 de sábado, 3

Meu destino era a Estação Hebraica-Rebouças da Linha 9-Esmeralda (Osasco-Grajaú), mais precisamente, meu destino era o Shopping Eldorado, localizado atrás da mesma estação e no qual tinha um compromisso com familiares. Diante da superlotação observada na Linha 4-Amarela e dos poucos funcionários presentes, eu decidi voltar para a Estação Luz da CPTM. A chegada à Estação Hebraica-Rebouças se deu, então, pelo “caminho antigo”, via Barra Funda e Osasco, usando para tanto três linhas, ao invés de duas, o que me fez gastar mais tempo: o trajeto entre a Barra Funda e Osasco levou 21 minutos, enquanto o trajeto entre Osasco e Hebraica-Rebouças exigiu mais 20 minutos.

Legenda: Pares de vigilantes contratados da CPTM nas estações Osasco e Hebraica-Rebouças, às 14h11 e 14h35 de sábado, 3, respectivamente

E foi durante a opção pelas linhas 7-Rubi (Luz-Francisco Morato-Jundiaí), Diamante (Júlio Prestes-Itapevi-Amador Bueno) e 9-Esmeralda que o contraste foi inevitável. Na Estação Palmeiras-Barra Funda (transferência entre as linhas 7 e 8), eu me deparei com mais de seis policiais ferroviários, enquanto na Estação Osasco (transferência entre as linhas 8 e 9), pude observar quatro vigilantes contratados na plataforma que recebia os trens sentido Júlio Prestes. Eu optei por esperar o próximo trem e em cerca de quatro minutos eu já estava devidamente sentado na composição seguinte. Finalmente, no térreo do módulo principal da Estação Hebraica-Rebouças pude evidenciar a presença de mais dois vigilantes contratados e um empregado. Aparentemente a CPTM estava preparada.


Conclusão

O episódio do sábado reforçou que mais uma vez a operação privada não deve ser colocada num pedestal. O transporte coletivo não é um simples produto de prateleira.

Seria muito apropriado que a narrativa da “falta de educação” cedesse lugar a um pensamento mais crítico, munido com questionamentos sobre a atuação da concessionária e uma reflexão sobre a operação estatal, que obviamente enfrenta um número muito maior de desafios diariamente.

Em suma, ninguém está dizendo que a ViaQuatro não sabe como operar diante de um evento, como é o caso dos blocos carnavalescos, o que está sendo dito é que não é justo normalizar a ideia de que a operação estatal é feita por gente incompetente e preguiçosa quando ocorrem falhas, enquanto na Linha 4-Amarela a operação seria perfeita, não fosse por problemas externos. Assim fica fácil, né?




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