Por que a nova linha da CPTM para o aeroporto internacional não chega diretamente nos terminais?

Por Caio César | 01/04/2018 | 10 min.

Legenda: Estação Aeroporto-Guarulhos vista a partir da passarela sentido aeroporto internacional
Mal foi inaugurada e a Linha 13-Jade já provoca polêmica. Embarque conosco e entenda mais sobre o que está acontecendo

Índice


A Linha 13-Jade (Eng. Goulart-Aeroporto) da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) foi aberta ao público pela primeira vez no último sábado, 31, desde então, já ouvimos de tudo um pouco: “não chega no aeroporto”, “não serve para quem usa bagagens”, “não atende a cidade de Guarulhos”, “liga nada ao lugar nenhum” etc.


Prazos e promessas do poder público

A ordem de serviço para as obras civis da foi assinada em 2013 com a promessa de conclusão para 2015, postergada depois para 2016, porém as obras realmente só progrediram ao ponto de ser possível a entrega da linha em operação assistida (e limitada, com um único trem operando) no primeiro quadrimestre de 2018. Parte dos recursos vieram da Agência Francesa de Desenvolvimento.

Legenda: A estação do finado Expresso Aeroporto prevista no contexto da Nova Luz, conforme Slide 114 da apresentação “Plano de Expansão e novos projetos” da CPTM, realizada na AEAMESP (Associação de Engenheiros e Arquitetos de Metrô)

Expresso Aeroporto. É importante apontar que o governo estadual vinha prometendo uma ligação para o aeroporto internacional desde 2002, no entanto, aquele projeto envolvia uma PPP por exigência dos bancos de fomento e a iniciativa privada sempre exibiu desinteresse (veja aqui, aqui e aqui), situação esta que ficou reforçada quando o pouco participativo projeto Nova Luz se mostrou inviável, juridicamente e financeiramente, visto que estava prevista uma estação para uma linha para o aeroporto, que, lembremos também, desde o princípio tinha a proposta de ser um serviço executivo e mais caro. O Expresso Aeroporto, definitivamente morto e enterrado, era conhecido como sendo a Linha 14-Ônix – atualmente o número e pedra preciosa se encontram atribuídos à ligação Guarulhos-ABC que está sendo projetada pela CPTM.

A confusão entre a Linha 13-Jade e a antiga Linha 14–Ônix ou Expresso Aeroporto, parece ter levado o governador Geraldo Alckmin a falar em mentira quando questionado pela Folha de S.Paulo. O que poderíamos dizer é: a grosso modo, senhor governador, não parece totalmente correto falar em mentira, afinal, a promessa de conexão entre a capital e o aeroporto tem mais de 10 anos. O que não parece ter ficado claro, inclusive para a imprensa, é a distinção entre os tipos de serviço ao longo dos anos, fruto, como apontamos, da predileção por uma iniciativa privada que sempre se mostrou desinteressada. O G1, por exemplo, fala em 14 anos de atraso, sem distinções.

Finalmente, conforme reportagem do Estadão intitulada “Trem para aeroporto de Cumbica começa a ser construído”, temos a confirmação da assinatura do contrato para as obras civis para atual Linha 13-Jade, que ocorreu quando o governo “jogou a toalha” de vez, sepultando a Linha 14-Ônix:

Em evento na Estação Palmeiras-Barra Funda, na zona oeste, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) assinou a ordem de serviços para que a construção comece. Ele prometeu a entrega da linha, com quase 12 km de comprimento e três estações, para 2015.

No fim do ano passado, o tucano havia afirmado que as obras começariam em março deste ano e que durariam 18 meses, até por volta de setembro de 2014.


A iniciativa privada também sabe prometer (e não cumprir)

A mesma reportagem do Estadão explica os motivos da localização da estação do aeroporto, um dos pontos que tem gerado questionamentos nas redes sociais e até mesmo dentro do campo progressista, por pessoas ligadas ao campo da mobilidade de uma forma ou de outra:

A Estação Aeroporto Internacional de Guarulhos ficará suspensa sobre o canteiro da Rodovia Hélio Smidt e será conectada ao aeroporto por meio do terminal 4, o “puxadinho”, o menos movimentado dos três já abertos. Esse terminal é fisicamente desconectado de todos os demais. Para sanar o problema, a concessionária de Cumbica, a GRU Airport, prometeu construir um “people mover” para transportar gratuitamente os passageiros entre os terminais. Ainda não se sabe se será um monotrilho ou um veículo leve sobre trilhos (VLT).

Fernandes disse que a escolha desse local — e não as imediações dos terminais 1 e 2 ou do futuro terminal 3, que será o maior — se deve ao fato de que a GRU Airport tem intenção de construir ali um shopping center, com fast food e serviços. “Ali na frente do terminal 4, nós vamos fazer uma asa de acesso direto para Guarulhos. Então, a população, através da estação, vai ter acesso ao aeroporto, para fazer uso de cinemas, shopping.”

Para piorar, segundo o blog Metrô CPTM, a concessionária estimava, no final de 2016, 18 meses para entregar um sistema de people mover do aeroporto, conectado à CPTM, o que não passou de uma promessa, feita por uma concessionária que já demonstrou dificuldades para pagamento da outorga exigida pelo poder concedente:

Na época, o presidente da concessionária, Antônio Miguel Marques, fez pouco caso da chegada da Linha 13 às proximidades do aeroporto. “Quando a Linha for entregue um dia antes inauguramos o people mover”, registraram alguns jornais. Agora, mesmo com todo atraso da linha da CPTM, o ’trenzinho’ da GRU Airport não passa apenas de uma ideia. Segundo reportagem do jornal Folha de São Paulo, a concessionária estima entregar a ligação férrea entre a estação da Linha 13 e os terminais 2 e 3 apenas 18 meses após a abertura do ramal.

Legenda: Detalhe do acesso ao aeroporto internacional, com o totem informativo da concessionária e seus ônibus

A GRU Airport demonstra que reavaliou o nível do atendimento que forneceria, como podemos ler em reportagem recente na Folha de S.Paulo, publicada em 31/03/2018:

O plano era usar um monotrilho, a exemplo de outros grandes aeroportos, mas segundo avaliação da GRU Airport, a demanda de passageiros será suficientemente atendida com o sistema rodoviário — agora consolidado.

A reportagem ainda salienta que a concessionária mais uma vez se esquivou de prestar esclarecimentos sobre o shopping que prometeu construir:

A GRU Airport foi questionada pela Folha, mas não respondeu sobre a previsão de inauguração do shopping, previsto para o terminal 3.

Apesar da concessionária garantir que os ônibus seriam suficientes, o COMMU identificou que os veículos circulavam lotados, além disso, o Diário do Transporte também criticou a falta de organização da concessionária. Confira abaixo nosso vídeo registrando um pouco da operação dos ônibus:

Legenda: Vídeo gravado cerca de uma hora antes do término da operação assistida da Linha 13-Jade

Para registros fotográficos dos ônibus superlotados logo no primeiro dia de operação assistida, confira o tuíte abaixo, enviado pela Rádio Trânsito:


Ligando nada a lugar nenhum

Afirmar que a Linha 13-Jade liga nada a lugar nenhum é um bocado desrespeitoso com a periferia de São Paulo e também com a periferia de Guarulhos. Veja a seguir algumas considerações estação por estação:

  • Engenheiro Goulart: nesta estação é possível se transferir para a Linha 12-Safira (Brás-Calmon Viana) e também desfrutar do Parque Ecológico do Tietê;
  • Guarulhos-CECAP: nesta estação é possível acessar a rodoviária do município de Guarulhos e também parte dos conjuntos habitacionais projetados por Vilanova Artigas, portanto, é uma estação que pode modificar sensivelmente a vida de quem mora naqueles edifícios;
  • Aeroporto-Guarulhos: além do acesso aos ônibus do aeroporto, cujo tempo de trajeto varia bastante (o acesso ao Terminal 1, que concentra voos domésticos de baixo custo, por exemplo, leva aproximadamente 2 minutos, segundo a concessionária, por outro lado a concessionária diz que chegar no Terminal 3 exige mais de 10 minutos), há também um terminal de ônibus que concentra linhas municipais e intermunicipais, atendendo uma parcela ainda maior da população periférica de Guarulhos.

Com relação ao terminal nas proximidades da Estação Aeroporto-Guarulhos, faltando três dias para a operação assistida da Linha 13, foram criadas linhas de ônibus em Guarulhos com foco no atendimento de pacientes, todas atendendo o Terminal Metropolitano Taboão e, portanto, conectadas à Linha 13-Jade. São elas: 356A, 356B, 717A e 717B, conforme informações do Guarulhos Hoje.

É importante tomarmos cuidado com o significado da expressão em questão para não tratar a periferia como nada. É paradoxal querer chegar num aeroporto que está localizado na periferia ao mesmo tempo que se tenta evitar contato com a infraestrutura que atende aquela mesma região periférica. Simplesmente não dá.

Também é curioso como o famigerado discurso da “periferia primeiro”, recorrente em discussões sobre as carências na infraestrutura de transporte de massa, mostrou mais uma vez como se esgota rapidamente. Acompanhe o raciocínio: se a periferia tem deslocamentos pendulares e não existem políticas públicas para aumento do dinamismo e redução da pendularidade no horizonte de algumas décadas, implantar linhas que atendem sobretudo a periferia resulta em chacota, com pessoas repetindo o famoso bordão “liga nada a lugar nenhum” — expressão que chegou a ser colocada até numa reportagem da edição brasileira do periódico espanhol El País — , que até a chegada da Linha 4-Amarela também amaldiçoou a Linha 5–Lilás (então Capão Redondo-Largo Treze), colocando a Linha 9-Esmeralda, bem como as centralidades e pontos de interesse por ela atendidos, num verdadeiro limbo. Pior ainda: não raramente quem vive na periferia adere ao discurso, passando a se marginalizar e marginalizar seu local de residência, ainda que talvez não tenha consciência.

Ainda dentro do tema de como as regiões atendidas pela Linha 13 estão sendo enxergadas, identificamos que blogs manifestaram insatisfação com o nível de serviço da Linha 12-Safira. Foi o caso do Metro CPTM, que opinou da seguinte maneira:

Na verdade, sua ligação ao restante da rede metroferroviária feita pela Linha 12-Safira é que tira parte da atratividade em usá-la. Exceto pelos trens que seguirão para Brás e também para Luz (com tarifa de R$ 8 anunciada hoje), os demais pararão na distante estação Engenheiro Goulart onde seguirão viagem pela Linha 12, uma das mais precárias da CPTM.

Entretanto, o autor, Ricardo Meier, em nenhum momento descreve ou fornece referências para enriquecer os pontos que coloca. Por exemplo, ao afirmar que a Linha 12-Safira é precária, não fica claro o que ele pretende insinuar.

Seria a infraestrutura das estações? Exceto pelas estações de Itaquaquecetuba, todas as outras são novas (inauguradas pelo menos na segunda metade dos anos 2000) ou suficientemente atuais, como é o caso da Estação Tatuapé, de 1981.

Seria o intervalo? Durante a permanência do COMMU nas estações Engenheiro Goulart e Tatuapé, não foram observados intervalos insatisfatórios: a linha aparentava estar operando dentro da média de um trem a cada 8 minutos, justamente a esperada para um sábado sem obras, no período das 4h às 19h. A tabela completa com os intervalos da Linha 12-Safira pode ser consultada aqui.

Parece um exercício de crítica genérica pela crítica genérica: a repetição de um estigma ou uma crítica muito generalista, o que no final das contas acaba contribuindo para marginalizar a CPTM, seus passageiros e as regiões atendidas.


Considerações finais

Tratar da Linha 13-Jade não é nenhum bicho de sete cabeças para nós. Já havíamos deixado claro em 2015 que se tratava de uma ligação bastante limitada, com previsão de demanda tímida e que precisa ser expandida para fornecer um atendimento mais robusto — inclusive fizemos críticas mais consistentes, com os porquês da conexão com a Linha 12-Safira ser insatisfatória — , além disso, naquele mesmo ano de 2015 fizemos uma leitura do edital e resumimos as características da linha. Infelizmente parece que muitas pessoas só foram se preocupar com Linha 13-Jade às vésperas de sua entrega, tanto que os artigos da Linha 13 apresentaram um aumento expressivo nos acessos, apesar de não estarem sendo divulgados há meses (algo como uns 300 acessos por dia na última semana para o primeiro artigo).

A Linha 13-Jade, por bem ou por mal, não deixa de ser interessante para mostrar — escancarar, cá pra nós — que há um longo caminho a ser percorrido quando vamos discutir sobre transporte público e a metrópole.




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