Oportunismo eleitoreiro: ligação direta entre São Paulo e Mogi das Cruzes

Por Caio César | 26/08/2018 | 8 min.

Legenda: Trem da Linha 11-Coral após percorrer os 51 km que separam as estações Luz e Estudantes. Detalhe do monitor com o mapa dinâmico. Série 8500
Mais uma vez a política rasteira captura um desejo que tem sido muito pouco discutido

Contexto eleitoral

Chegou a hora de acompanharmos as pérolas e promessas — a diferença entre elas parece cada vez mais tênue — dos candidatos ao cargo de governador do Estado de São Paulo. Temos aqui a primeira delas.

Deu no Diário de Suzano: “Doria promete trem direto até a Luz e alça na Estrada dos Fernandes”, com o atual candidato a governador que abandonou o mandato que exercia como prefeito na capital paulista afirmando genericamente que “a baldeação demanda mais tempo e por isso as pessoas demoram mais para chegar ao seu destino e na volta para casa”.


Polêmicas e a rejeição ao VLT

Como já escrevemos no passado, a presença da CPTM em Mogi das Cruzes é um assunto que divide opiniões, com alguns munícipes se opondo ferrenhamente a continuidade da operação da Linha 11-Coral (atualmente Luz-Guaianazes-Estudantes), no entanto, como também já escrevemos no passado, parte da polêmica advém da presença de passagens de nível, cada vez mais incompatíveis com o regime de operação do sistema, que tem sido refuncionalizado como parte da rede de metrô, a qual cada vez mais tem sido operada por múltiplas empresas, embora continue sendo propriedade de duas estatais.

A promessa de João Doria aparentemente foi feita sem grande reflexão e não seria exagero dizer que o candidato desconhece que seu padrinho político, Geraldo Alckmin, já fez anos atrás a mesma promessa, que não cumpriu, obviamente. Porém, antes ainda da promessa de Alckmin, durante a gestão de José Serra, a CPTM já havia proposto a conversão do tramo mogiano da Linha 11-Coral para operação com VLTs (veículos leves sobre trilhos), muito mais tolerantes para conviver com passagens de nível e interferências, pois como são mais leves, apresentam menor tempo de frenagem, além disso, a conversão poderia abrir oportunidades, já que VLTs podem fazer o chamado “street running”, ou seja, podem circular nas ruas quando estas possuem trilhos, similarmente aos antigos bondes, afinal, VLTs nada mais são do que bondes modernos.

A população rejeitou o VLT e o processo de diálogo da CPTM aparentemente foi tolhido pelo receio de queima de capital político, mantendo o status quo que segue até os dias atuais, com a exceção de que foram elaborados projetos para estações como Estudantes, retomada das discussões para o projeto da nova estação Mogi das Cruzes e que, graças a um TAC (Termo de Ajuste de Conduta) envolvendo o Ministério Público, as quatro estações que atendem a cidade estão recebendo pequenas intervenções para melhorias na acessibilidade. O resultado é um verdadeiro abacaxi. Naquele cada vez mais longínquo 2009, a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos sustentava que a dinâmica de viagens de Mogi era sobretudo interna, fruto do padrão de desenvolvimento socioeconômico atingido pela cidade, não existindo, portanto, uma demanda pendular elevada, como a que caracteriza a parcela da Zona Leste atendida pelo Trem Metropolitano e até mesmo o próprio Alto Tietê, que possui cidades com menor grau de desenvolvimento, como Itaquaquecetuba, antigo distrito de Mogi das Cruzes que se emancipou.

A conversão em VLTs, no entanto, a depender do paradigma adotado, não implicaria necessariamente na impossibilidade de a cidade receber alguns trens do trecho principal nos horários de pico, evitando a transferência. Cabe aqui salientar que em 2009 a CPTM ainda estava muito longe de completar uma série de intervenções que hoje já estão em estágio mais maduro no Alto Tietê, como foi o caso das estações Poá, Ferraz de Vasconcelos e Suzano, a primeira modernizada e as duas últimas reconstruídas completamente, ou seja, era mais difícil vislumbrar a operação entre Luz e Suzano, além disso, ainda persistiam operando trens da série 4400, fabricados na década de 1960 e que então havia cerca de 5 anos desde a última reforma. Hoje a novíssima série 8500 praticamente predomina em toda a linha, mesmo entre Guaianazes e Estudantes, sendo a aposentadoria da série 4400 uma realidade cada vez mais próxima.

Legenda: Trem da série 4400 parte da Estação Estudantes com destino a Guaianazes: aposentadoria cada vez mais próxima

O que não parece ter mudado sensivelmente são as contradições. A cidade construiu um túnel no Centro Histórico e Tradicional, mas mesmo assim não conseguiu manter fechada a passagem de nível Deodato Wertheimer que fica antes da Estação Mogi das Cruzes, cedendo às pressões em pouco tempo. Agravando ainda mais a situação está o Parque Centenário da Imigração Japonesa, inaugurado em 2008, ou seja, um ano antes das discussões sobre o VLT ganharem corpo, bem como a expansão da urbanização do distrito de Cezar de Souza, que conta com um projeto audacioso da Aflalo/Gasperini Arquitetos para implantação de condomínios.

Enquanto a Pesquisa Origem Destino 2017 não é publicada, assumindo que a premissa da CPTM continua verdadeira e que a maioria dos deslocamentos dos mogianos são dentro da própria cidade, será mesmo que não faz sentido repensar a ideia do VLT? Sua convivência com outros tipos de tráfego é muito mais fácil, o que significa, por exemplo, um drama muito menor para levar o atendimento do sistema de trilhos até Cezar de Souza. A transferência em Suzano tem tudo para ser mais racional do que aquela em Guaianazes, já que não haverá a concentração de dois tipos de demanda em um só local, pelo contrário, a demanda do Alto Tietê será atendida de forma mais direta do que é hoje, além disso, pela própria dinâmica da demanda da Zona Leste, não seria exagero prever que a CPTM vai continuar oferecendo trens a partir de Guaianazes no pico da manhã.

O VLT também poderia facilitar a expansão da Linha 11 em direção a Guararema, passando por Sabaúna e pela vila de Luís Carlos, de forma a dinamizar o turismo de forma permanente e com apelo maior do que trens pesados e sem diferenciação com o restante da malha. Além disso, como a linha continuaria tendo trechos com bom grau de segregação, o VLT poderia conviver com alguns trens especiais similares aos que existem hoje, que atenderiam Mogi das Cruzes em alguns horários. Diz-se tecnicamente que um VLT do tipo é um “tram-train”, ou seja, um híbrido entre bonde e trem. Haveria ainda oportunidades, devido à possibilidade de street running mencionada no terceiro parágrafo, de atender melhor o Centro Cívico e o Centro Histórico e Tradicional. Outro aspecto vantajoso: nos trechos segregados o VLT seguiria desenvolvendo a mesma velocidade que os atuais trens pesados.

Importante frisar que nada do que está sendo dito aqui é inédito. Cidades como Portland, no Oregon, EUA, já possuem sistemas que mesclam graus de segregação e tipos de atendimento. O sistema da CPTM em Mogi, do jeito que está, tem um efeito de barreira que para ser eliminado custaria bilhões de reais, já que a ferrovia precisaria ser rebaixada ou enterrada, seria dificílimo alocar recursos para algo assim quando a CPTM não conseguiu ainda resolver a questão da Linha 11 na Barra Funda, da unificação das estações Lapa, do enterramento do eixo Lapa-Brás, do Expresso Oeste-Sul, entre outras questões de peso inegavelmente maior. Adaptar a extensão operacional para que ela atenda Mogi das Cruzes e Guararema respeitando as especificidades existentes é uma ideia de menor custo, menor potencial de conflito e que ainda abre novas possibilidades. Não é uma opção de trem sem transferência para São Paulo 100% do tempo, até porque isso demandaria obras complexas para garantir o fechamento de todas as passagens de nível e os trens continuariam “batendo lata” — expressão usada quando os trens estão circulando muito vazios — na maior parte do dia.


Conclusão

Não raramente as discussões sobre transporte público são pautadas por egoísmo e individualismo extremos, o que é no mínimo irônico, já que falam de sistemas de uso coletivo. Como já dissemos no passado, se buscássemos (vale para o governo e para a sociedade) executar obras de menor custo e complexidade, poderíamos pelo menos tentar oferecer novas alternativas para eixos sobrecarregados, aumentando a resiliência do sistema, facilitando deslocamentos mais longos e, principalmente, evitando que se ignore uma realidade para tentar ganhar eficiência da forma errada, que é justamente o que acontece quando se insiste num atendimento sem transferências entre Mogi das Cruzes e São Paulo. Não é papel da CPTM concorrer com a linha seletiva 201 da EMTU, tanto que a segunda tem tarifa de R$ 18,15. Os setores ligados ao empresariado mogiano precisam se preocupar em garantir que os novos edifícios comerciais e empresariais erguidos recentemente sejam ocupados e que o município se dinamize e se desenvolva ainda mais, contribuindo para que mais moradores do Alto Tietê e do extremo da Zona Leste de São Paulo possam trabalhar mais perto de suas residências. Lanço a aposta de que o contato por meio do trabalho cria laços entre espaços e pessoas, sendo uma excelente forma de aquecer o comércio e ampliar o setor de serviços, além de poder aumentar o público-alvo do turismo.

Finalmente, encerro o artigo ilustrando com um simples diagrama como poderia ficar a extensão operacional da Linha 11-Coral:

Legenda: Diagrama de proposta pra a extensão operacional, com todas as estações acessíveis e indicação do terminal rodoviário de Mogi das Cruzes



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