Linha 5-Lilás: expansão reforça velhos clichês

Por Caio César | 03/10/2018 | 5 min.

Legenda: Estação Cidade Jardim no final de 2017
A conexão da Linha 5 com outras linhas da Cia. do Metropolitano provocou uma verdadeira pirotecnia de bobagens. Será que nunca vamos aprender?

Com a inauguração das estações Hospital São Paulo, Santa Cruz e Chácara Klabin, a Linha 5-Lilás (que finalmente passou a ser Capão Redondo-Chácara Klabin) tem no momento apenas uma estação pendente de inauguração: Campo Belo, na qual deverá ser possível a transferência para a também inacabada Linha 17-Ouro (o trecho Morumbi-Congonhas/Morumbi-Jd. Aeroporto está em construção; a linha operará em Y).

As páginas da imprensa hegemônica e também de veículos especializados em mobilidade foram tingidas de lilás com fotografias e dados sobre a linha e suas novas estações e, com as páginas repletas de reportagens, vieram também discursos, digamos… bastante discutíveis.

O problema é antigo: algumas pessoas aparentemente ainda não entenderam que São Paulo vai além do Centro Expandido e de bairros cujo aluguel de um apartamento ultrapassa, sem dificuldade alguma, os R$ 3.000. E o que acontece? Elas dizem que o Capão Redondo e toda a região do Campo Limpo ficam numa espécie de limbo e que a Linha 5-Lilás não passava por nenhum lugar. Em São Paulo existe uma mistificação muito grande sobre a periferia e até mesmo sobre as cidades da região metropolitana — várias delas antigos subúrbios que hoje são centralidades — , como se tudo ao redor do Centro Expandido fosse tão ruim, mas tão ruim, que ninguém em sã consciência iria desembarcar numa estação como Vila das Belezas, salvo extrema necessidade. Abaixo, a fala de um promotor em entrevista ao Universo Online:

“‘Operação’ [sinal de aspas]. Não é bem assim. Está terminada a linha? Não tá, tem estação com tapume, tem estação que está sendo construída, a linha não terminou, ela vai do nada pra lugar nenhum’, disse”.

Então é preciso salientar que, com ou sem necessidade, um lugar não deixa de ser um lugar por, supostamente, não ter os mesmos atrativos do bairro mais badalado do momento. Seria maravilhoso que todos vivêssemos com bons salários e em bairros excelentes, mas a realidade é muito mais dura. E, não bastasse a dureza da realidade, discursos que reduzem lugares a nada estão contribuindo para marginalizar pessoas, suas vidas e seus locais de moradia. Não tem segredo.

Em 2016, muito antes da conexão com a Linha 1-Azul (Tucuruvi-Jabaquara) e a Linha 2-Verde (Vila Prudente-Vila Madalena) ser inaugurada, a Linha 5-Lilás já era a segunda mais cheia da cidade, conforme fragmento de reportagem do El País que dialoga com essa rotulagem canalha que precisa ser combatida:

Até pouco tempo atrás uma das linhas mais vazias da cidade, conhecida pelos paulistanos como um trajeto que ligava o nada ao lugar nenhum, hoje a Linha 5 - Lilás é a segunda mais cheia da cidade, transportando 6,1 passageiros por dia nos horários de pico.

Entretanto, enquanto na narrativa hegemônica a Linha 5-Lilás parece ter “finalmente chegado em algum lugar”, o mesmo não se pode ser dito sobre a Linha 13-Jade (Eng. Goulart-Aeroporto). A invisibilidade continua a ser perpetuada e ela acaba de desembarcar em Guarulhos.


E tão ruim quanto é a insistência em desqualificar a Linha 9-Esmeralda (Osasco-Grajaú) da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), o que consiste em dizer que só agora a Linha 5-Lilás está integrada à malha de metrô, ou seja, a afirmação significa que 273 km de trilhos não desempenham papel de metrô, o que inclui a Linha 9-Esmeralda, que passa por regiões nobres, centros comerciais de prestígio e corredores de escritórios corporativos, como a Berrini. Como a CPTM é a dona da linha, a imprensa não tem tido a capacidade de entender que ela é uma linha de metrô, escrevendo editoriais que são fruto de achismo ou então dizendo categoricamente que a Linha 5-Lilás estava “ilhada”, embora estivesse integrada com a Linha 9-Esmeralda na Estação Santo Amaro desde o final de 2002.

O COMMU tem alertado há anos sobre a importância de compreender o papel da CPTM e, para tanto, temos adotado uma postura que vai além de uma breve leitura institucional. Admitimos desde nosso surgimento, no cada vez mais longínquo 2014, os problemas que permeiam a operação e a modernização do chamado Trem Metropolitano, um nome ambíguo para um serviço de metrô que não é operado pela CMSP, pois esta surgiu pelas mãos do município de São Paulo e originalmente conduziu a implantação de uma malha marcada por segregação e elitismo. Problemas na CPTM, no entanto, jamais desqualificaram a vocação da companhia e o papel desempenhado por seus serviços. Como apontou Jorge M. Rebelo para a ANPTrilhos, a vocação da CPTM é clara (grifo nosso):

Com o devido apoio do GESP, o sistema da CPTM tem como meta se transformar em uma rede metrô de superfície. Isso seria um grande benefício para a RMSP e maior seria se ela tivesse uma Autoridade Metropolitana de Mobilidade (AMM) que representasse os seus três níveis de governo, com a centralização das decisões para investimentos e integração da mobilidade, incluindo os futuros veículos autônomos que não tardarão muitos anos a chegar.

Finalmente, recuperamos um documento recentemente para mostrar que a conversão das linhas que hoje estão com a CPTM não é mera questão política, mas uma necessidade que está dada desde os anos 1970, fruto da própria complexificação da principal metrópole do estado.




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