Por Caio César | 15/12/2018 | 8 min.
Índice
Introdução
A proposta deste artigo é discutir um pouco sobre a Linha 574J-10 (Terminal Vila Carrão-Metrô Conceição), operada pela empresa Via Sul Transportes Urbanos Ltda., apontando que a ideia de seccioná-la parece ser razoável.
Trata-se de uma linha de ônibus que existe pelo menos desde a década de 1980, tendo sobrevivido a uma série de mudanças institucionais e também do próprio tecido urbano. A Via Sul e o Grupo Ruas não possuem sites na Internet.
Observação: a Via Sul é de propriedade do Grupo Ruas, aquele mesmo que recentemente esticou suas garras e abocanhou uma fatia da ViaMobilidade por meio de uma holding, a RuasInvest, concessionária em regime de outorga da Linha 5-Lilás (Capão Redondo-Chácara Klabin) da Companhia do Metropolitano de São Paulo.
Um verdadeiro linhão
Segundo os dados publicados pela municipalidade em 2017, a linha tem aproximadamente 25 km de extensão por sentido, o que significa que uma volta completa é quase como ir de São Paulo a Mogi das Cruzes pela Linha 11-Coral (Luz-Guaianazes-Estudantes) da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos, com um “pequeno grande detalhe”: uma volta completa na 574J-10 exige, no pior cenário, impressionantes 4 horas (240 minutos, sendo 130 minutos num sentido e 110 noutro, conforme informações oficiais), já uma viagem entre as estações Luz e Estudantes não costuma ultrapassar a casa dos 90 minutos no pior cenário. A extensão também é comparável à Linha 3-Vermelha (Itaquera-Barra Funda) da Companhia do Metropolitano de São Paulo, que tem 22 km.
É preciso ser muito otimista para achar que uma linha tão grande e que remonta aos tempos da finada estatal CMTC funciona bem. Uma viagem de ponta a ponta levanta suspeitas que parecem se confirmar diante do seccionamento proposto pela SPTrans: a linha tem perfis de demanda distintos, desempenhando funções de alimentadora e estruturadora ao mesmo tempo.
A proposta da SPTrans para o novo edital é dividir a 574J-10 em duas linhas: Terminal Vila Carrão-Metrô Sacomã e Metrô Sacomã-Metrô Conceição, a primeira com cerca de 15 km de extensão e a segunda com cerca de 10 km de extensão.
Como usuário e estudante de planejamento territorial, minha expectativa é que uma operação racionalizada reduza a formação de buracos no carrossel, quando há o famigerado enfileiramento de ônibus em um ponto da linha, enquanto em outro ponto faltam ônibus, como veremos na seção seguinte.
Operação esburacada
Na última quinta-feira, 13/12/2018, a operação da 574J-10 apresentou um buraco na casa dos 40 minutos no contra-fluxo (sentido Metrô Conceição), que começou pouco antes das 17h, horário a partir do qual o intervalo deveria ser de no máximo 10 minutos. O resultado foi uma superlotação digna do horário de pico matutino e passageiros insatisfeitos por amargarem mais de meia hora no ponto.
Para a identificação do buraco, o uso da tecnologia foi um alento. Como podemos ver nas capturas de tela a seguir, o aplicativo Trafi permitiu a visualização do comportamento da linha naquele momento, em tempo real, a partir de dados dos aparelhos de GPS dos ônibus, que são coletados pela SPTrans e integram o chamado sistema Olho Vivo. Um indicador pulsante é sempre utilizado pelo Trafi para confirmar a presença de dados em tempo real.
De forma análoga a uma linha de metrô, a operação funciona como um carrossel, ou seja, os altos intervalos são enfrentados em efeito cascata enquanto os ônibus vão “girando” e dando as voltas no percurso. Como não houve nenhum tipo de intervenção, como a inserção de um ônibus extra, os passageiros nos pontos foram sentindo os efeitos desde a Vila Carrão, com a situação se agravando a medida que o ônibus passava por bairros como Vila Formosa, Água Rasa e Vila Prudente.
Faixas exclusivas são importantes
A garantia de fluidez contribui para melhorar o desempenho do carrossel, mas quanto maior a linha, maiores as dificuldades. Apesar de permitir a integração com as estações Vila Prudente (Linha 2-Verde), Ipiranga (Linha 10-Turquesa), Sacomã (Linha 2-Verde), São Judas e Conceição (ambas na Linha 1-Azul), nem todo o trajeto da 574J-10 é dotado de faixas exclusivas ou corredores. Um dos pontos críticos diz respeito à região do Mooca Plaza Shopping, na Avenida Capitão Pacheco e Chaves.
Na Capitão Pacheco e Chaves vigora a lógica rodoviarista típica. Não há exclusividade para os ônibus e a configuração semafórica prioriza o tráfego de veículos em detrimento do pedestre, que mesmo andando com rapidez não consegue completar a travessia antes do vermelho piscante. É justamente o par de pontos existente na frente do Sonda e do Mooca Plaza Shopping, que é utilizado para uma das conexões da 574J-10 com o sistema de trilhos, permitindo acesso à Estação Ipiranga, que possui problemática própria, principalmente em momentos de chuva intensa.
As faixas exclusivas utilizadas pela 574J-10 também possuem múltiplos horários de funcionamento, o que costuma ser problemático. Na rua do Orfanato, cada parada do coletivo nos pontos pode significar travar uma pequena luta para conseguir sair em meio ao tráfego misto, problema que se repete em outros pontos do trajeto, como a Av. Dr. Eduardo Cotching. Nos dois casos há estabelecimentos comerciais e o espaço público é apropriado para o estacionamento de veículos particulares, que fazem um uso, digamos… bastante questionável.
Seccionar pode permitir a elevação do padrão de serviço
Com a chegada da Linha 5-Lilás na Estação Chácara Klabin da Linha 2-Verde, passa a ser possível chegar na Estação Santa Cruz da Linha 1-Azul e a partir dali acessar as duas estações da Linha 1-Azul (Jabaquara-Turucuvi) atendidas pela 574J-10, ou seja, São Judas e Conceição. Apesar das transferências envolvidas, a confiabilidade e o tempo de percurso dispensam comentários, é ir da água para o vinho.
Mesmo considerando o custo da transferência entre pneus e trilhos como fator proibitivo, pensando na parcela mais vulnerável, ainda assim o seccionamento faz sentido, pois a tendência é melhorar o padrão de atendimento. O passageiro que faz a viagem ponta a ponta ou que vai além do Sacomã seria beneficiado por intervalos menores e maior facilidade de recuperação de interferências, logo, a transferência no Terminal Sacomã é uma questão menor diante dos ganhos e sempre deve ser confrontada com a extensão da linha e a priorização viária existente.
Visando elucidar as vantagens, peguemos então uma linha parcialmente sobreposta à 574J-10 na região da Vila Formosa, a 3763–10 (Terminal Vila Carrão-Metrô Tatuapé), que oferece níveis de serviço excepcionais, com intervalos muito mais regulares e superiores, chegando a atingir 3 minutos no horário de pico. Aos finais de semana a linha também oferece intervalos mais razoáveis e não obriga ninguém a ficar mais de 20 minutos no ponto. O percurso da 3763–10 gira em torno de 11 km, cerca de 4 km menos do que o futuro seccionamento entre o mesmo Terminal Vila Carrão e a Estação Sacomã. Diante das características apontadas, atingir um padrão de serviço similar não seria nada de outro mundo.
E a mesma lógica pode aplicada para o trecho restante, que é ligeiramente menor do que a 3763–10, ficando na casa dos 10 km. Em suma, estamos falando de um potencial de ganho extraordinário de confiabilidade e de oferta, que atualmente não é possível (não tem sido possível há mais de dez anos, sendo franco).
Observação: a 3763–10 não deverá sofrer alterações no futuro, segundo os dados disponibilizados em 2017.
Outra grande vantagem do seccionamento é que os articulados sairão de cena, algo sensato, pois este tipo de veículo enfrenta dificuldades devido ao viário.
Conclusão
Ainda que seja inegável que São Paulo precisa avançar com relação às faixas exclusivas e que continuamos a sentir os efeitos da queda de braço envolvendo comerciantes e o poder público, precisamos refletir sobre a operação das linhas, a fim de identificarmos situações em que faz sentido seccionar, ajudando a qualificar um debate que muitas vezes peca em profundidade e transborda em emoção e subjetividade.
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