Sobre assentos preferenciais, individualismo e falta de empatia

Por Caio César | 27/01/2019 | 3 min.

Legenda: Ônibus da SPTrans na Zona Sul da capital (Cidade Dutra)
Um projeto de lei parece ter transformado assentos preferenciais em algo polêmico e, com a polêmica, vieram comentários contrários tóxicos. Que tal pensarmos a respeito?

Transformar todos os assentos dos ônibus da SPTrans em preferenciais, eis o projeto de lei do vereador Ricardo Teixeira (PROS) que foi apresentado perante o Legislativo paulistano.

O que chamou a atenção, no entanto, não foi a proposta. Os comentários negativos não foram poucos, alguns em tom de chacota ou depreciando a velhice alheia. Mesmo se nos restringirmos ao tipo de manifestação que foi feita na nossa fanpage, teve de tudo: compartilhamento com sarcasmo, usando a frase “pau no c* de quem trabalha”; gente dizendo que é melhor ter ônibus separado para os idosos, “eles que esperem o deles”; além do ceticismo impessoal: “se todos os assentos forem preferenciais, então mais nenhum é”, “todos vão fingir que estão dormindo”, “era pra ser assim sempre, mas não dá certo, vai sair briga”.

E, em meio a tudo isso, eu acabei lembrando do comportamento agressivo que é tão comum nas linhas da CPTM e que, quando pautado de alguma forma por páginas de escárnio, vira motivo de piadinha, como se não fosse algo que merecesse uma reflexão. Mesmo em veículos sobre a periferia, comportamentos como correr desesperadamente para embarcar enquanto alguém atrasa o trem impedindo o fechamento das portas podem se transformar numa crônica que romantiza problemas, ao invés de abordá-los.

É entristecedor admitir quão difícil é estimular bons diálogos sobre São Paulo e também outros municípios da região metropolitana. A impressão que fica é que jamais aprenderemos a conversar sobre cidade, transporte público e qualidade de vida. Sim, qualidade de vida, pois vamos envelhecer e também corremos o risco de nos acidentarmos graças ao trânsito violento e violações trabalhistas, duas coisas que também não costumam ser discutidas abertamente.

Transformamos nosso principal ambiente de convivência, o meio urbano, num imenso tabu. Aparentemente o trabalhador, preso a uma lógica bastante individualista, acaba também adotando comportamentos destrutivos.

Eu não sei vocês, mas assim como outras pessoas que comentaram na publicação, eu ofereço o lugar independentemente dele estar ou não sinalizado como preferencial, não faz diferença para mim se eu estou ou não indo trabalhar, indo para a universidade ou se dormi apenas 4 horas na noite passada. Eu enxergo nos idosos meus pais e meus avós, bem como também enxergo um possível reflexo do meu futuro diante dos meus olhos.

Espero que São Paulo acorde e entenda que a velhice é inevitável e que ninguém transporta crianças pequenas e/ou de colo em pleno horário de pico por diversão. Precisamos ter mais empatia e curiosidade sobre as diferentes realidades que constituem a vida por aqui, como já escrevi no passado para o COMMU, muitos de nós contribuímos duramente para manter São Paulo funcionando, ainda que tenhamos pouca ou nenhuma oportunidade de desfrutar do tão propagandeado gigantismo paulista.

Legenda: Vídeo do Governo do Estado de São Paulo apresentado em Davos: exploração do gigantismo, sem transparecer que o gigantismo também explora pessoas

Encerro com um fragmento de uma reportagem recém-publicada pelo Nexo:

Como qualquer pessoa no Twitter sabe, o público pode ser rápido para atacar, castigar e condenar. Em busca da superioridade moral, raramente concedemos ao outro o benefício da dúvida. Em seu discurso na cerimônia de formatura de Harvard de 2018, a romancista nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie abordou o problema do julgamento apressado. Diante do que ela chamou de “‘uma cultura de ‘berro’, uma cultura de indignação”, ela pediu aos alunos que “lembrem-se sempre do contexto e nunca desconsiderem a intenção”. Ela poderia estar falando como historiadora.

Quem sabe se aprofundar um pouco referente a temas que versam sobre a mobilidade e a própria vida nas cidades da metrópole não contribua para desenvolver mais empatia? Seria uma relação ganha-ganha!




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