Nos EUA, privatização dificulta acesso à estação de trem

Por Caio César | 22/03/2019 | 4 min.

Legenda: Copos de café de uma famosa rede norte-americana. Autor: m01229. Original: Wikimedia Commons. Licença: Creative Commons Attribution 2.0 Generic
Continuamos mostrando que bons exemplos de privatizações são raros, contrariando o senso comum. Em um caso no mínimo curioso, o passageiro depende de uma empresa de alimentação para conseguir embarcar

Contextualização

Imagine que você precisou utilizar uma estação da CPTM na quinta-feira, dia 21/03/2019, mas que não conseguiu, porque a CPTM não é mais a dona do espaço, mas sim a Café Donuts. Estranho, não? Fica pior: o funcionário responsável pela abertura portas acabou se atrasando, seu trem passou e você se atrasou, impotente diante da situação. Parece piada e, mesmo num país cada vez mais virado do avesso como o Brasil, parece também um episódio altamente improvável, mas não só não é uma piada, como aconteceu de verdade e pode nos ensinar uma importante lição. O caso envolve a NJ Transit, autoridade de transportes estatal da Nova Jérsei, nos Estados Unidos, bem como a unidade da Dunkin’ Donuts instalada na Estação Hamilton.

Legenda: Tradução livre: “Oi Steve, como afirmado anteriormente, Dunkin Donuts é responsável pela abertura das portas pela manhã na estação de Hamilton. NJT falou com o vendedor várias vezes. Se você deseja registrar uma reclamação formal, use o link abaixo. -TB”

Diante de um absurdo tão grande, que chegou a ficar nos trending topics do Twitter, a imprensa local acabou por noticiá-lo, como podemos evidenciar em reportagens (em inglês) do nj.com, New York Post e News 12. Considerando rotas simuladas no site oficial da agência, a NJ Transit oferta trens suburbanos com destino à Estação Pennsylvania (geralmente chamada apenas de “Penn”), em Nova Iorque, que passam por Hamilton às 3h54 e 4h28. O empregado da empresa especializada na venda de café e rosquinhas supostamente abre a estação às 4h30, conforme informações obtidas pelo News 12. Situação absolutamente precária, principalmente considerando que os trens suburbanos seguem o típico paradigma que consagra este tipo de serviço nos Estados Unidos: serviço regional de menor custo, para ir sentado e de baixa frequência, circulando com tabela de horários. Some a baixa frequência dos trens aos dias frios, com mínimas chegando a -1 °C e há espaço de sobra para insatisfação quando a pessoa não só perde o trem, como ainda fica congelando do lado de fora da estação.


Uma lição a ser aprendida

É nítido que a exploração de uma estação inteira pela iniciativa privada pode ser bastante problemática. Em que pese as motivações da NJ Transit, a julgar pelas informações das reportagens anteriores, o responsável da Dunkin’ Donuts mal sabe quais são as obrigações contratuais. Mais: o próprio responsável acha que é o Estado o responsável por gerenciar o acesso ao espaço.

Legenda: NJ Transit informa que o contrato inclui a condição de abrir a estação

O governador João Doria tem enfatizado, juntamente com o atual secretário da pasta de transportes metropolitanos, Alexandre Baldy, que todas as estações da CPTM serão concedidas. Não disse ainda como, nem quando, nem quais serão as contrapartidas, muito menos quanto vamos economizar e se existe algum plano mais amplo, que resulte em desenvolvimento local e metropolitano ou ainda, minoração de problemas críticos de determinadas cercanias da CPTM, como precariedade habitacional.

A licitação para concessão dos terminais urbanos da Cia. do Metrô, que se encontra suspensa, também promete uma exploração comercial agressiva, edificando o espaço aéreo dos terminais em troca de manutenção e melhorias, sem grandes detalhes e, como já denunciamos anteriormente, sem ampla participação popular.

Participação popular e transparência, infelizmente, não são o forte do governo estadual. As promessas da nova gestão envolvendo a Linha 7–Rubi (Luz-Francisco Morato-Jundiaí) são bastante vagas e parecem contrariar os estudos desenvolvidos anteriormente. O medo de uma “nova SuperVia” parece cada vez mais real.

Será que precisaremos descer tão baixo, a exemplo da NJ Transit, ficando reféns de uma empresa cuja preocupação não é transportar vidas com segurança, mas sim vender café e rosquinhas? Com mais linhas sugando a câmara de compensação, seguindo o modelo da Linha 4-Amarela (Luz-São Paulo·Morumbi) e deixando cada vez menos recursos para a malha que segue sendo operada pelas empresas estatais, soluções desesperadas podem acabar surgindo. Seja como for, você já sabe quem vai pagar a conta.


Colaborações: agradecimentos a Lucian De Paula pela indicação do tema



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