Nova Política Estadual de Mobilidade Metropolitana é praticamente inócua

Por Caio César | 24/03/2019 | 6 min.

Legenda: Ponto utilizado pelos ônibus intermunicipais que circulam no Jd. Alegria, bairro de Francisco Morato, na Região Metropolitana de São Paulo
Governo de São Paulo coloca texto raso e aparentemente encomendado, adiciona atribuições apenas à Cia. do Metrô e desperdiça mais uma oportunidade

Introdução

Saiu no Diário Oficial do Estado de São Paulo e também no site oficial do governo estadual: está promulgada a Lei Nº 16.956, de 21 de março de 2019, que institui em poucas linhas uma política de mobilidade inócua, que a partir daquele mesmo dia passou a afetar a vida de milhões de pessoas. Aparentemente feita sob encomenda, considerando o teor da lei e também as declarações do secretário de transportes metropolitanos, Alexandre Baldy, a Política Estadual de Mobilidade Metropolitana (a partir de agora abreviada como PEMM) falha em estabelecer um marco regulatório robusto, com vistas à promoção da intersetorialidade, da racionalidade, do fortalecimento da Emplasa (Empresa Metropolitana de Planejamento Sociedade Anônima, responsável pelo planejamento de toda a Macrometrópole Paulista), evidenciando que se trata apenas de um conjunto de dispositivos que visam favorecer parcerias público-privadas (as famigeradas PPPs).


Críticas

Em nenhum momento a PEMM estabelece um conselho com representação da sociedade civil e empresas estatais, como a CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), CMSP (Companhia do Metropolitano de São Paulo, oficialmente abreviada como METRÔ) e EMTU (Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos), além disso, as aglomerações urbanas não foram incluídas na lei, o que significa que os territórios por ela abrangidos, ainda que constituam áreas de transição entre diferentes metrópoles (como acontece entre São Paulo e Campinas, com a Aglomeração Urbana de Jundiaí), estão num limbo institucional desnecessário. Cabe aqui lembrar que a mobilidade entre regiões metropolitanas, entre regiões metropolitanas e aglomerações urbanas e entre municípios de aglomerações urbanas, segue regulado frouxamente pela Artesp (Agência de Transporte do Estado de São Paulo), uma viagem entre Itapevi e São Roque, ligando as regiões metropolitanas de São Paulo e Sorocaba, por exemplo, é um típico exemplo, já discutido pelo COMMU em outra oportunidade.

Legenda: Ônibus intermunicipal na região do Jd. Alegria, em Francisco Morato

A PEMM também não estabelece qualquer tipo de fundo para garantir a promoção dos objetivos dos Artigos 2º e 3º, bem como não define estratégias para promoção dos modos elencados (transportes públicos, bicicletas, patinetes e motonetas), como a definição de eixos estruturadores prioritários de qualificação da mobilidade, com vistas à obtenção de dotação orçamentária própria. O pedestre também ficou de fora, o que é bastante grave, já que nem todo município possui recursos para implantar uma rede adequada de calçadas.

Definir eixos com interesse metropolitano, ou seja, eixos que conectam mais de um município em uma região metropolitana ou aglomeração urbana, poderia contribuir para fortalecer projetos como SIVIM (Sistema Viário de Interesse Metropolitano) e Pró-Polos, ambos da EMTU, ademais, eixos metropolitanos ligados à infraestrutura metroferroviária ao longo de municípios com baixo orçamento, poderiam contribuir para estabelecer um perímetro orientador de investimentos na qualificação urbana por parte do Governo do Estado de São Paulo, sem a exigência de que cada município consiga montar uma administração suficientemente qualificada e capaz de angariar o volume necessário de recursos a partir de fundos como o Fumefi (Fundo Metropolitano de Financiamento e Investimento) ou por meio da União. Podemos pensar na construção de calçadas padronizadas e acessíveis como um exemplo do tipo de qualificação que poderia ser promovida (a exemplo do calçadão de Carapicuíba, fruto do Pró-Polos), além disso, poderia envolver mobiliário e outros equipamentos de acessibilidade, tudo projetado em conjunto com os municípios.

Legenda: Francisco Morato precisou de recursos do Fumefi para readequação das calçadas no entorno da Linha 7-Rubi (Luz-Francisco Morato-Jundiaí) da CPTM]

É assustador observar também a ausência de menção aos PDUIs (Planos de Desenvolvimento Urbano Integrado), inicialmente solicitados pelo Estatuto da Metrópole (Lei Nº 13.089, de 12 de janeiro de 2015, Artigo 10), antes de seu enfraquecimento durante o governo Michel Temer (MDB). Para se ter uma ideia, só a minuta do PDUI da RMSP (Região Metropolitana de São Paulo) tem 25 páginas, sendo 19 delas de conteúdo totalmente legislativo. Fica a dúvida: como uma política que estrutura a mobilidade urbana na RMSP e em outras regiões metropolitanas do estado pode ter apenas uma página?

O grande objetivo da lei parece ter sido conferir uma atribuição extra à CMSP, conforme podemos observar no fragmento a seguir:

Fica a Companhia do Metropolitano de São Paulo — Metrô autorizada a criar subsidiárias e participar do capital social de empresas privadas, nos termos do artigo 115, inciso XXII, da Constituição do Estado de São Paulo, bem como a alienar as ações que detenha em subsidiárias e empresas privadas, observado o procedimento de alienação imposto pela legislação vigente.

Curiosamente, a CPTM não ganha atribuições idênticas ou similares, ainda que detenha e opere uma malha muito maior. Talvez a lei tenha vindo sob medida para atender interesses do mercado envolvendo ativos da Cia. do Metrô, que futuramente ficarão mais claros no âmbito do PED (Programa Estadual de Desestatização) e, infelizmente, talvez não consigam ser detidos mesmo apresentando caráter lesivo.

Cabe ainda dizer que o inciso II do Artigo 3º faz menção apenas às agências metropolitanas, porém, a Região Metropolitana de São Paulo possui um conselho de desenvolvimento, não uma agência. Este conselho, que supostamente se reúne a cada dois meses e inclui todos os chefes do Executivo municipal da RMSP, aparentemente, não só ficou de fora da política, como também perdeu a oportunidade de ganhar maior protagonismo, haja vista seu caráter deliberativo (conforme Lei Complementar Nº 1.139, de 16 de junho de 2011, Artigo 5º).


Conclusão

O projeto de lei foi elaborado pelo deputado estadual Bruno Caetano (PSDB), formado em Ciências Sociais pela USP (Universidade de São Paulo) e mestre em Ciência Política pela mesma universidade. A formação do deputado, a rigor, lhe permitiria em conjunto com o tipo de gabinete que a Alesp permite construir, elaborar um projeto de lei de muito melhor qualidade. O Executivo provavelmente encomendou um “projetinho” e o deputado fez o favor antes de deixar a Alesp (o deputado não foi reeleito). Não ficam claros os planos de João Doria e seus secretários, no entanto, é vergonhoso que um estado como São Paulo aprove um texto tão fraco, diante de um cenário de crescente crise ambiental, atraso em obras de infraestrutura, mobilidade urbana deficiente, entre outros problemas.

Levando em conta que o novo governo ameaçou a existência da Emplasa já na posse, precisamos trabalhar com o cenário de que, no máximo até o final de 2019, São Paulo talvez não seja mais capaz elaborar bons planos e estudos e, mais importantemente, de executar o que vinha sendo planejado.


Colaborações: agradecimentos ao parceiro Rafael Calabria do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), que fez a indicação do tema antes mesmo da aprovação do projeto de lei



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