Por Caio César | 17/06/2019 | 11 min.
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Contextualização
No final de maio, O Diário de Mogi, transparecendo a miopia que tipicamente assola as reportagens do tabloide mogiano sobre o transporte metroferroviário, bradou sobre o nebuloso trem intercidades entre as regiões metropolitana de São Paulo e do Vale do Paraíba e Litoral Norte:
Só não definiu se os trens de passageiros virão por Mogi, dividindo espaço com os subúrbios, ou se utilizarão o ramal do Parateí, o que alijaria a cidade dessa melhoria. Uma questão para entrar no radar de deputados que representam Mogi e região na Assembleia e Câmara. A hora de colocar o trem na rota de Mogi é essa, antes que a licitação seja realizada.
E quando falamos em miopia, estamos falando sério. Será que o jornal não viu que os trilhos foram arrancados em Jacareí? Se os jornalistas tivessem passado pela região da antiga estação ferroviária no centro de Jacareí, perceberiam que a faixa de domínio foi completamente desfigurada. São cerca de 15 anos desde que o estrago foi feito na gestão de Marco Aurélio de Souza (PT) e, como se não bastasse, a variante do Parateí foi construída muitos anos antes justamente para agilizar o acesso a São José dos Campos — ela não passa por áreas urbanizadas na maior parte do trajeto, seja em Mogi das Cruzes ou Jacareí.
O cenário também não é favorável. Hoje o intervalo em Mogi das Cruzes é de 8 minutos, permanecendo a convivência com passagens de nível em diversos ponto do trajeto. Os subsistemas de sinalização, que permitem o controle centralizado e semiautomático do tráfego de trens pelos funcionários da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) no centro de controle anexo à Estação Brás, viabilizam a passagem de um trem a cada 6 minutos no trecho compreendido entre as estações Estudantes e Guaianazes.
Trens intercidades (também chamados de trens regionais) não são como os trens metropolitanos que a CPTM opera. Um trem regional percorre distâncias maiores, com passageiros viajando exclusivamente sentados, além disso, a oferta de lugares e de partidas é menor, de forma que a operação com uma grade horária pode fazer muito mais sentido em comparação com o regime de intervalos, que a CPTM passou a adotar conforme fazia a modernização dos antigos serviços suburbanos. A tarifa de serviços regionais, devido ao maior conforto, menor número de passageiros e maior distância percorrida, naturalmente, tende a ser maior, podendo ser comparada com aquela praticado pelos serviços de ônibus rodoviários prestados por empresas como a Cometa e a Pássaro Marron.
Observação: a despeito da insistência d’O Diário, que recorrentemente utiliza o termo “subúrbio” para fazer referência aos trens da CPTM, estes foram convertidos no atual Trem Metropolitano, num processo complexo e que ainda não foi terminado.
Antes de iniciar mais uma tentativa patética de lobby, o jornal poderia ter fornecido explicações sobre como os trens regionais coexistirão com os metropolitanos e por qual motivo é preciso passar por Mogi das Cruzes, ao invés de seguir direto pela variante do Parateí. E, independente do traçado a ser adotado, se há compartilhamento, há problemas. Ao que tudo indica, não passou pela cabeça de Darwin Valente explicar como trens que demoram e ficam ocupando uma ou mais plataformas por vários minutos antes da partida e que precisam garantir boas velocidades médias, fazendo poucas paradas (em alguns casos nenhuma parada) entre os terminais, conseguirão conviver com a infraestrutura e a operação do Trem Metropolitano, que exige grande dinamismo e que já deveria estar operando com 3 minutos entre Suzano e a capital paulista. É exatamente o mesmo problema que já discutimos quando abordamos o trem intercidades para Campinas e Jundiaí, com o agravante de que a elaboração de uma proposta conciliadora é mais difícil.
Importante: como o governo diz não saber quais serão as cidades atendidas no Vale do Paraíba, este artigo vai se limitar a considerar a chegada apenas até São José dos Campos, sem entrar nos detalhes do traçado. Nosso foco é discutir o que acontece quando se insiste em tentar utilizar a mesma infraestrutura que está sob responsabilidade da CPTM.
Compreendendo os desafios
No caso da Linha 7-Rubi (Luz-Francisco Morato-Jundiaí), que deverá ser fruto de uma concessão que incluirá a implantação de um trem regional que recuperará a conexão ferroviária entre Campinas e São Paulo, a ocupação do solo, sujeita ao relevo declivoso e menos intensa do que aquela observada na Zona Leste e no Alto Tietê (região oficialmente denominada Sub-região Leste da Região Metropolitana de São Paulo), permitiu a sugestão de um serviço híbrido, combinando metropolitano e regional (que nós chamamos de “classe macrometropolitana”).
Enquanto a conciliação proposta para a Linha 7 teria como preço a pagar uma performance deprimente (serviço lento e demorado, reduzindo a atratividade do público interessado num trem regional e tornando extremamente cansativa uma viagem ponta a ponta pelo público da classe com padrão dos atuais trens metropolitanos), a situação da Zona Leste e do Alto Tietê é mais delicada, como veremos a seguir.
Ao contrário da região da Linha 7-Rubi, a Zona Leste de São Paulo e o Alto Tietê formam um tecido mais complexo, que hoje é atendido por três linhas de alta capacidade: 3-Vermelha (Palmeiras·Barra Funda-Corinthians·Itaquera), 11-Coral (Luz-Guaianazes-Estudantes) e 12-Safira (Brás-Calmon Viana), além da 13-Jade (Eng. Goulart-Aeroporto·Guarulhos, com menor capacidade e baixa demanda no momento). Há ainda a promessa de levar a cabo a expansão da Linha 2-Verde (atualmente Vila Madalena-Vila Prudente) até a Penha.
A situação das três principais linhas pode ser resumida da seguinte maneira:
- Linha 3-Vermelha: saturada e dependente de estratégias de retenção de fluxo e de oferta de viagens parciais (loops) para evitar o colapso devido à demanda elevada de passageiros; a oferta de lugares, de aproximadamente 60 mil lugares/hora por sentido está próxima do limite físico da linha e não deverá aumentar mesmo com a substituição do atual sistema de sinalização;
- Linha 11-Coral: saturada principalmente após Suzano, mas com grandes oportunidades para aumento da oferta de lugares, podendo dobrar ou triplicar a atual oferta, que é de cerca de 40 mil lugares/hora por sentido; ainda há estações a modernizar ou reconstruir e o plano de vias é muito pouco flexível, o que reduz a resiliência da linha;
- Linha 12-Safira: a linha superlota com elevada pendularidade (ou seja, um sentido circula muito cheio, enquanto outro circula muito vazio) e apresenta uma oferta na casa dos 25 mil lugares/hora por sentido; falta reconstruir todas as estações de Itaquaquecetuba, melhorar o plano de vias e adquirir mais e novos trens para permitir a redução dos intervalos, além disso, considerando a maior fragilidade do tecido atendido e a ocupação indevida da várzea do Tietê, é preciso estruturar um plano integrado de desenvolvimento do território.
O espaço para um trem regional que compartilhe trilhos e plataformas com o serviço metropolitano é, portanto, muitíssimo estreito. A utilização da variante do Parateí é uma possibilidade, desde que realizadas as devidas obras para compatibilização com o tráfego de trens de carga da concessionária MRS Logística, no entanto, isso permite uma conexão entre São José dos Campos e Eng. Manoel Feio (estação da Linha 12-Safira no município de Itaquaquecetuba), mas não responde ainda como fazer para atender Mogi das Cruzes.
É fato que as linhas 11 e 12 estão interconectadas e que é possível fazer uma viagem entre a Luz e Estudantes, tanto que o Expresso Turístico, que atrapalha milhares de pessoas em favorecimento de uma minoria, utiliza as linhas 11 e 12 para tanto, sendo os trechos:
- Luz-Brás: Linha 11 como tronco
- Tatuapé-Calmon Viana: Linha 12 como variante
- Calmon Viana-Mogi das Cruzes: Linha 11 como tronco
É também fato que a CPTM planejou uma modernização da sinalização que dificulta o atual arranjo, porque torna incompatível as tecnologias das linhas 11 e 12, sendo que apenas a Linha 11 receberia uma sinalização de ponta (do tipo CBTC, com comunicação baseada em ondas de rádio), enquanto a Linha 12 receberia apenas o ATO (operação automática de trem, em tradução livre) sobre o ATC (controle automático de trem, em tradução livre), que reduz a intervenção do maquinista, mas está longe de ser precisa como o CBTC.
Nada disso parece ter sido considerado pel’O Diário de Mogi, que muito menos problematizou a fala otimista em relação à chegada de capital internacional, feita pelo atual governador, João Doria (PSDB):
O sistema ferroviário será muito incrementado em São Paulo, com recursos privados. O governo estadual não vai fazer investimento público nisso. Vai fazer a captação de investidores internacionais, muito provavelmente chineses ou espanhóis, ou um conjunto deles", disse Doria, que não deu mais informações sobre o trajeto a ser utilizado para se chegar até o fundo do Vale.
Considerando que a concessão e fragmentação da malha da CPTM, infelizmente, não tem sido combatida e com mídias regionais colocando o bairrismo e as promessas de um governador com histórico desfavorável (veja aqui, aqui e aqui) acima da racionalidade, estamos diante de uma situação grave, porque a modernização que tem sido realizada pela CPTM pode ser inviabilizada se um trem regional capenga acabar sendo implantado. Pior, não só será inviabilizada, como teremos de dialogar o capital estrangeiro, como se já não fosse suficientemente difícil com as atuais estatais e secretarias. Há ainda a possibilidade de inviabilizar remodelar a operação no tramo mogiano da Linha 11. Tudo isso com pouca ou nenhuma oposição.
Conciliação até é possível, mas Mogi das Cruzes fica de fora
No passado o COMMU propôs, entre 15 medidas, a recapacitação da Linha 11-Coral e um segundo programa de dinamização da Linha 12-Safira, além disso, o Coletivo também sugeriu a construção de quatro novas estações no Alto Tietê. As propostas (entre outras fora do escopo deste artigo) estão sumarizadas no diagrama a seguir.
Fazendo uso da variante do Parateí e de uma Linha 12 com plano de vias melhorado, a CPTM passaria a contar com um serviço expresso abrangendo o trecho crítico da Linha 12. Haveria, portanto, a opção de um serviço metropolitano expresso entre Eng. Manoel Feio e Brás, que estaria mesclado com o serviço regional entre São José dos Campos e Brás.
Terminar no Brás é terrível e exige abrir mão dos serviços Connect (serviço entre Aeroporto·Guarulhos) e Airport Express (expresso com tarifa dobrada entre Aeroporto·Guarulhos e Luz) para ter mínima garantia de funcionamento (leia-se: congestionando o serviço parador). É uma situação infeliz, mas ela decorre da dificuldade de remendar indefinidamente um sistema que precisa ser modernizado com mais afinco; a situação desfavorável da Linha 12 e da Estação Brás apenas reflete a trajetória negligente do governo estadual, que desde o projeto Integração Centro (fim dos anos 1990 e início dos anos 2000) não tem dado muita atenção para os problemas da “calha central” da CPTM.
Numa perspectiva otimista, sendo viável a construção das vias auxiliares e adequação das estações-chave da Zona Leste, nomeadamente Itaim Paulista e São Miguel Paulista, bem como a reconstrução da Estação Eng. Manoel Feio (seria preciso readequar o projeto), talvez o paradigma proposto para Linha 7-Rubi e citado anteriormente fosse viável.
Infelizmente, mesmo com mais vias, o desempenho dificilmente seria excelente, pois a Linha 12-Safira é repleta de curvas acentuadas e qualquer alteração geométrica exigiria desapropriações, encarecendo o custo das obras e aumentando a tensão social. A principal vantagem aqui é que, desde que melhorado o plano de vias e implantado um serviço “dois em um” (metropolitano + regional num trem só, com carros separados), o passageiro do metropolitano ganharia uma opção expressa, para o alento de quem hoje embarca aos trancos e barrancos no extremo leste, ao passo que seria recuperada a ligação sobre trilhos entre o Vale, o Alto Tietê e a Zona Leste.
Quanto à Linha 13-Jade, bem… como o governo expandiu os serviços Connect e Airport Express, vale a máxima de que não é possível ter tudo, ou seja, compartilhar trilhos, aumentar a oferta do metropolitano, reduzir conflitos devido à pendularidade e ainda colocar uma ligação para São José dos Campos, tudo ao mesmo tempo, exige abrir mão do Connect e do Airport Express para conseguir terminar o novo serviço no Brás. Restaria como alternativa migrar o público para o serviço novo, direcionando a transferência em Eng. Goulart.
Para a Linha 11-Coral não há muito mais a acrescentar: fica reiterada a recomendação de expansão em direção à Zona Oeste da capital (pelo menos até Palmeiras·Barra Funda, idealmente também até uma Estação Lapa nova e unificada), troca do material rodante para trens de 12 carros e aumento vertiginoso da oferta de lugares (com todas as adequações necessárias, como instalação de novas escadas rolantes) e ruptura do paradigma a partir de Suzano, com a adoção de VLTs (veículos leves sobre trilhos). Nada trivial, já que várias estações precisariam de readequações, contudo, seria possível aumentar ao oferta consideravelmente sem mudanças drásticas na sinalização.
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