Concessão de duas das mais promissoras linhas da CPTM amesquinha potencial existente

Por Caio César | 12/07/2019 | 5 min.

Legenda: Estação Berrini
Modelo pouco arrojado tem prazo de 30 anos, que não condiz com as tímidas contrapartidas exigidas

Não é a primeira vez que este Coletivo critica a decisão de conceder o par de linhas da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) que avança em direção ao sul e oeste metropolitanos. Já alertamos que a quantidade de intervenções necessárias para dar continuidade ao programa de modernização, por exemplo, impõe pressões significativas sobre o valor total de investimentos contratualmente exigidos, uma vez que a média anual é baixa.

Legenda: Inserção das linhas afetadas na Região Metropolitana de São Paulo

É preciso entender a verdadeira dimensão do equívoco: em poucas palavras, o governo cederá à iniciativa privada um eixo de alta capacidade que passa por centros de negócios dos mais sofisticados do continente. Em nenhum momento está prevista a exploração imobiliária, principalmente considerando que todo esse corredor está dentro da capital, que permite uma exploração mais agressiva do potencial construtivo (graças ao Plano Diretor Estratégico de 2014, que estimula o adensamento em torno de infraestruturas de transporte público). Estamos falando no desperdício de metros e metros quadrados, que continuarão abrigando estações frugais fronteiriças a uma das margens do rio Pinheiros. Eis o drama que será incorporado em breve à Linha 9-Esmeralda (Osasco-Grajaú).

Em outro extremo, uma das linhas mais modernas da estatal, os trilhos estão a poucos quilômetros de Alphaville, complexo de edifícios de negócios e condomínios verticais e horizontais de padrão médio-alto a muito alto. A CPTM sabe do potencial e já sugeriu uma linha de metrô leve em U invertido, estabelecendo uma ligação entre duas estações da Linha 8-Diamante (Júlio Prestes-Itapevi-Amador Bueno) e os principais pontos de interesse de jovens e trabalhadores na parcela mais caminhável de Alphaville. Surpreendentemente, apesar das tecnologias de menor custo e impacto hoje disponíveis, o projeto, que aparentemente perdeu espaço dentro da Secretaria dos Transportes Metropolitanos para uma linha de metrô pesado em arco (muito mais cara e pouco madura no momento), também não faz parte das exigências.

Articulando as duas linhas, a CPTM também previu uma ligação expressa, batizada de Expresso Oeste-Sul, que permitiria sair de Barueri, Carapicuíba ou Osasco, domínios da Linha 8 e chegar sem paradas em Pinheiros. Uma adição formidável na qualidade de vida de milhares de moradores da Sub-região Oeste. Infelizmente a obra também não faz parte das exigências contratuais.

O governo garante que vai terminar obras atuais e pede, com prazos longos, a manutenção e modernização de trens e estações que hoje já estão entre os mais modernos da rede, em outros termos, o governo apenas exige que a concessionária faça o mínimo para garantir o funcionamento do próprio negócio, sem prejudicar investimentos estatais anteriores. Falta olhar para o futuro. Falta arrojo.

Continuaremos convivendo com aquele “Frankenstein” que atende pelo nome de Estação Pinheiros e ficaremos completamente à deriva no que diz respeito aos próximos passos governamentais. Fragmentação e estagnação, dados os sinais que têm sido dados há anos, a despeito do imobilismo da sociedade civil e seus representantes políticos eleitos, irão ser uma constante por, pelo menos, 30 anos. Três décadas de terceirização de um infraestrutura com elevadíssimo potencial. Três décadas regidas por um contrato acovardado, que não deveria ser aprovado por ninguém, em qualquer posição do espectro político-ideológico. Três décadas que poderão ser ampliadas em determinado momento, bastando o deslizar cortante de uma caneta no Palácio dos Bandeirantes.

Um governo que constrói uma imagem de parceiro do empresariado e da iniciativa privada não pode conceder um ativo tão estratégico a troco de nada. É preciso, além da exploração imobiliária, garantir a solução de problemas sociais que se estabeleceram ao longo das linhas, notadamente em pontos críticos da Linha 8-Diamante que cortam os municípios de São Paulo, Osasco e Carapicuíba. Existem, pelo menos, três assentamentos precários que precisam de conversão em moradia digna e com diversidade de rendas e equipamentos, um deles às margens da poluída lagoa de Carapicuíba.

A concessão das linhas 8 e 9 fecha os olhos para a complexidade de um tecido urbano extremamente heterogêneo, o que se traduz numa verdadeira violência, agravada pela incapacidade do Legislativo em garantir mecanismos adequados de fiscalização e moderação entre diferentes grupos de interesses (stakeholders).

Concessões costumam apresentar aspectos lesivos inegáveis, como temos apontado há anos, mas quando envolvem a CPTM, são feitas com extrema tranquilidade. Mesmo a riqueza da Vila Olímpia não é capaz de estimular debates envolvendo as parcelas mais endinheiradas da sociedade paulistana. O governo age sem prestar as devidas contas e provavelmente estará confortável ao se garantir com audiências públicas realizadas em número baixo e datas e horários proibitivos.

Advertimos ainda que nenhuma agência reguladora será capaz de minorar o teor da parceria tal como ela está sendo apresentada. É pura terceirização com poucas contrapartidas. Nada mais.

Se o governo realmente quer ampliar a participação privada na malha, deveria buscar a exploração imobiliária em primeiro lugar, tornando a CPTM menos deficitária. Concomitantemente, deveria buscar capturar parte da exploração imobiliária para promover desenvolvimento socioeconômico com vistas a reduzir desigualdades, melhorando as condições urbanas das cercanias. Finalmente, exigiria e complementaria investimentos de vulto, concluindo a modernização iniciada pela extinta FEPASA (Ferrovia Paulista Sociedade Anônima) e ampliando a capilaridade com serviços complementares (tanto o U invertido para Alphaville quanto o Expresso Oeste-Sul são obras de menor complexidade do que uma linha de metrô pesado subterrâneo).

São Paulo não pode dar legitimidade ao processo que está em curso. A sociedade, moradora ou não das cercanias das duas linhas, precisa pressionar o Executivo, encabeçado pelo governador João Doria (PSDB).


Colaborações: Eduardo Ganança (elaboração do mapa)



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