Por Caio César | 25/08/2019 | 8 min.
Quando soubemos, semanas atrás, da cogitação do biodiesel como forma de baratear a implantação de um trem regional entre São Paulo e Campinas, nossas reações enquanto Coletivo foram extremamente negativas. Como é possível aceitar que a ligação entre duas das mais importantes metrópoles do estado — e não seria exagero dizer que são também duas das mais importantes do país e do continente — , que no passado foi eletrificada, ficar relegada a trens poluidores?
A imprensa, incluindo a especializada, não perdeu tempo: amplificou as intenções do Executivo paulista sem buscar especialistas ou mesmo promover uma pesquisa rápida sobre o sistema utilizado como modelo pelo governador João Doria (PSDB) e pelo vice-governador Rodrigo Garcia (Democratas), um curto trem intercidades operado pela iniciativa privada na costa da Flórida, nos Estados Unidos, passando por cidades como Miami e Fort Lauderdale. A Jovem Pan, por exemplo, publicou reportagem intitulada “São Paulo terá trem intercidades, que ligará São Paulo a Campinas, afirma vice-governador”, da qual retiramos o seguinte fragmento:
Segundo Garcia, esse trem será construído com tecnologia de biodiesel, como acontece atualmente nos Estados Unidos, e não com eletricidade. “O custo é muito mais barato. Eletrificar uma via de São Paulo a Campinas tem custo de praticamente o dobro do biodiesel. Não podemos nos dar ao luxo da melhor tecnologia do mundo e, por isso, fizemos a opção por um trem moderno, que anda a 240 km/h, mas sem eletrificação na via. É uma opção mais barata, segura e que é vai ser realidade o mais breve possível”, afirmou.
A imprensa paulista repetiu, em alto e bom som, que as locomotivas da Siemens utilizadas pela Virgin Trains USA atingem a velocidade máxima de 240 km/h, quando não existe nenhuma perspectiva de superar os 200 km/h. A imprensa vendeu a promessa de uma velocidade 188,97% maior do que aquela praticada hoje pela Virgin. Confira a tabela abaixo para compreender melhor:
A fala do vice-governador é extremamente problemática, não só por se basear numa promessa sem lastro na realidade fática da Flórida, mas também por conter um componente imediatista e provinciano muito grande. A tração elétrica não é um luxo, é fruto de uma infraestrutura básica para um corredor tão estratégico, principalmente se existe desejo de mínima convivência com o Trem Metropolitano da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), além disso, ela já existe entre São Paulo e Jundiaí. Considerando que os estudos anteriores falavam de intervalos entre 6,1 e 5,5 minutos para um trem regional que circularia em vias exclusivas, a adoção de tração a biodiesel não parece ser a mais adequada.
Mais uma vez fazemos um apelo para que o governo reavalie a estratégia em curso, pois ela é, com uma boa dose de otimismo, conflituosa e reveladora de desconhecimento. O governo pode até buscar economizar trocando a eletrificação pela quadruplicação do trecho entre os municípios de Jundiaí e Campinas, uma vez que o trecho existente, embora duplicado, na prática apresenta apenas uma via funcional atualmente, porém, não poderá adotar o mesmo artifício após Jundiaí. Nenhum trem a biodiesel, supondo que o governo pretenda adotar um regime minimamente satisfatório de horários ou intervalos, vai chegar nas estações Luz e Barra Funda sem comprometer de forma dura, cruel e irresponsável a operação da Linha 7-Rubi (Luz-Francisco Morato-Jundiaí).
O governo está patinando no processo. Os problemas são os mesmos de sempre:
- Adoção de uma agenda privatizadora, que nega a máquina pública e faz diagnósticos de má qualidade sobre os problemas a serem resolvidos;
- Discurso ligado à captação de investimentos privados que, a despeito da negação da máquina estatal paulista, flerta despudoradamente com a presença de estatais chinesas;
- Discurso ligado à captação de investimentos privados que não envolve exploração de empreendimentos imobiliários associados (como edifícios combinados com as estações e/ou sobre a faixa de domínio);
- Desprezo pela indústria ferroviária nacional, que não é capaz de competir com os preços dos chineses, o que pode significar zero aproveitamento das plantas fabris instaladas no município de Hortolândia, na Região Metropolitana de Campinas;
- Total ausência de considerações envolvendo o desenvolvimento metropolitano e macrometropolitano, de forma que não existe nenhum tipo de plano diretor associado aos serviços que se pretende conceder;
- Poucas respostas em relação as contrapartidas que serão exigidas para a Linha 7-Rubi, de forma a garantir a redução dos intervalos para 3 minutos em média nos horários de pico, além da reconstrução das estações que estão fora dos padrões exigidos pela modernização da operação (acessibilidade, capacidade de atendimento de determinado número de passageiros/hora).
Se o governo não tem dinheiro e recursos, o mínimo a fazer é ser suficientemente transparente para dialogar com a sociedade civil, incluindo organizações patronais, sociais e de classe. O governo deve dialogar com todos os segmentos da sociedade, sem exceção.
Nós do COMMU temos muitos receios em relação à expansão do plano de vias da Linha 7-Rubi e da segregação dos trilhos da MRS. Precisamos dos cortes para entendermos melhor como as intervenções vão se dar, porque não basta dizer que serão feitas duas ou mais vias paralelas às atuais, sem considerar o meio físico, instalações fixas, imóveis e outros obstáculos. A faixa de domínio da CPTM está longe de ser uniforme e não apresenta a mesma largura continuamente.
Assumindo que a expansão do plano de vias não será trivial, seria preferível mesclar os serviços regional e metropolitano, faseando a sofisticação no tempo e no espaço. Seria mais fácil fazer os investimentos, mesmo que oriundos de recursos totalmente estatais, além disso, para no caso de predileção pela participação privada, os investimentos poderiam ser obtidos pela captura do potencial de criação de solo, ou seja, pela verticalização de lotes ou trechos da faixa que são de propriedade do governo, associando empreendimentos imobiliários que não só poderiam turbinar o caixa para realização de obras, como também poderiam estimular processos locais de desenvolvimento socioeconômico.
Este artigo complementa e justifica nossa proposta anterior de mesclagem dos serviços. Sabemos que as velocidades seriam baixas, principalmente no começo, mas também sabemos que o acesso à metrópole de Campinas, pode ser um tortuoso exercício de paciência nos dias de hoje. O governo marcaria dois importantes pontos no campo social: (i) porque garante a continuidade da modernização dos serviços da Linha 7-Rubi e (ii) porque viabiliza a operação de um serviço análogo a um metrô dentro da Região Metropolitana de Campinas, tudo isso sem exigir o pagamento da tarifa de um trem regional, ao passo que permitiria, para aqueles que desejariam viajar com maior conforto, adquirir as passagens que dariam o direito de embarcar nos carros mais confortáveis, que estariam localizados nas duas extremidades da plataforma.
As adaptações necessárias para dar o pontapé inicial no atendimento regional seriam muito menores, para não mencionar a economia de tempo e dinheiro com material rodante para outras linhas. Com nossa proposta, o governo poderia suspender a compra de novos trens para linhas como a 10-Turquesa (Brás-Rio Grande da Serra), transferindo a frota da Linha 7-Rubi a medida que esta fosse recebendo os trens adequados para servirem tanto à escala regional/macrometropolitana quanto à escala metropolitana. Seriam trens muito maiores, de 12 carros, no entanto, adaptar as extremidades das plataformas existentes custa muito menos do que construir centenas de quilômetros de vias novas, além do mais, algumas estações já possuem plataformas suficientemente longas, como é o caso de Palmeiras·Barra Funda.
Com o tempo e o serviço já operando, a CPTM e o governo iriam ampliando as vias auxiliares e o paralelismo, aumentando a oferta de trens expressos. Todos sairiam ganhando e não seria preciso sonhar com uma solução poluidora que, de qualquer maneira, não seria capaz de vencer os estrangulamentos de uma infraestrutura centenária e que é, como já dissemos, conflitante com os atuais serviços do Trem Metropolitano.
Suspeitamos que a nossa proposta pode até mesmo viabilizar a chegada aos municípios situados entre Americana e Campinas. Atualmente o tráfego de cargas impõe duras restrições ao compartilhamento de trilhos com qualquer tipo de serviço de passageiros, seja ele metropolitano ou regional. Partindo da premissa de que o governo economizaria com a implantação entre Campinas e São Paulo, talvez não seria exagero imaginar que ficaria mais fácil priorizar a implantação de vias adicionais entre Americana e Campinas, permitindo o acesso aos municípios de Americana, Nova Odessa, Sumerá e Hortolândia.
Finalmente, ao mesmo tempo que nutrimos uma especial preocupação com os passageiros das cidades de Francisco Morato e Franco da Rocha, pois sabemos que existem nelas grandiosos desafios para que seja possível reduzir a característica de “cidade-dormitório”, sabemos que a Região Metropolitana de Campinas e a Aglomeração Urbana de Jundiaí abrigam uma série de equipamentos públicos e privados cuja democratização do acesso seria benéfica. Apostamos ainda na dinamização e racionalização do crescimento urbano de todas as cidades do eixo, com a verticalização e o adensamento aproveitando o potencial do eixo ferroviário, criando um corredor caminhável e compacto, contrariando a lógica rodoviarista que vigora no interior do estado e que está construindo uma verdadeira “bomba-relógio” que será muito mais difícil e cara de desarmar no futuro — num olhar preliminar, estamos especialmente otimistas com o aumento da facilidade de acesso aos centros dos municípios, especialmente Campinas, Americana e Hortolândia, além do acesso a bairros de uso misto como o Cambuí, também localizado em Campinas.
Se você ainda não acompanha o COMMU, curta agora mesmo nossa página no Facebook e siga nossa conta no Instagram. Veja também como ajudar o Coletivo voluntariamente.
comments powered by Disqus