Turismo ferroviário não pode ser sinônimo de saudosismo

Por Caio César | 25/08/2019 | 6 min.

Legenda: Trens do Expresso Turístico nas instalações de abrigo e manutenção na Lapa
Apontar culpados pela retirada de viagens do Expresso Turístico não contribui para fomentar as mudanças estruturais necessárias, ligadas ao transporte público regular

Índice


Introdução

O Diário de Mogi, jornal que costuma ter suas reportagens compartilhadas frequentemente em nossa página no Facebook, publicou em 20/08/2019 um editorial intitulado “Na contramão” e, como não poderia deixar de ser, quem está na contramão, mais uma vez, é o jornal. Verdade seja dita, nem tudo o que foi dito pel’O Diário é errado, o problema é orientar as críticas a partir de uma determinada noção, como veremos a seguir.


Redução de viagens no Expresso Turístico

A CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) reduziu as viagens do Expresso Turístico em direção a Mogi das Cruzes, uma vez que decidiu priorizar a icônica vila de Paranapiacaba, localizada num dos extremos do município de Santo André — tão extremo que o acesso por transporte público é feito por outro município, Rio Grande da Serra, experiência que discutimos num artigo de 2016.

A CPTM não está errada: Mogi das Cruzes não tem procura similar a Paranapiacaba e, francamente, Paranapicaba é um destino que sempre esgota as vagas do Expresso Turístico. O Diário de Mogi inicialmente tratou a situação como fruto de uma mescla entre ausência de infraestrutura e mudança nos hábitos de consumo, mas a crítica depois seguiu orbitando ao redor da ideia de que a prefeitura não fez o suficiente para justificar a circulação de uma jamanta turística, reduzindo dramaticamente o potencial turístico da cidade. Exagero.

É verdade que Mogi das Cruzes não tem feito uma aposta significativa no turismo, mas não direcionar grandes esforços é muito diferente de não possuir atrativos. É verdade que falta um plano que conecte e melhor divulgue os equipamentos existentes, por exemplo, fica nítido que as melhorias no Centro Histórico e Tradicional e novos equipamentos de lazer foram, são e continuarão sendo importantes, mas claramente não estão integrando um plano turístico coeso e orientado a partir da Linha 11-Coral da CPTM (Luz-Estudantes), que possui quatro estações no município. Por outro lado, Mogi das Cruzes é perfeitamente capaz de entregar boas experiências para gerações que não possuem o péssimo hábito da acumulação desenfreada de bens materiais. A cidade tem excelentes bares e restaurantes, orientados em regiões agradáveis e seguras, como é o caso do Parque Monte Líbano, que abriga um polo gastronômico no entorno de duas praças: Norival Rodrigues Tavares e Francisca Cardoso Mello Freire (também conhecida como “praça dos enfartados” ou “praça do trator”).

O fato de o Centro Histórico e Tradicional contar com marcos arquitetônicos e históricos e equipamentos culturais, que na maioria das vezes estão identificados por totens e são acessíveis por ruas que priorizam o pedestre, também é extremamente positivo.

Tudo isso é um turismo tipicamente urbano, que não é pitoresco. Mogi das Cruzes, mesmo com diversas construções antigas bem preservadas, como o Theatro Vasques, não atrai tanta atenção quanto uma vila inteira construída por ingleses em outro século. Tanto é muito urbano, que nada do que estamos apontando está isolado de outras cidades de médio ou grande porte. Em 24/08/2019, realizamos o trajeto entre as estações Suzano e Estudantes em meros 17 minutos, sendo que o trajeto entre as estações Tatuapé e Estudantes quase cravou uma hora (de uma plataforma a outra: 11h19 até 12h18).

Não é por acaso que o Expresso Turístico não tem o mesmo apelo. O problema é que o jornal não percebe que não basta colocar um trem velho e rebocado por uma locomotiva da década de 1940 (que já teria sido aposentada, se a CPTM recebesse os investimentos que merece). Atrapalha-se a vida de milhares de pessoas para promover um roteiro que pode muito bem ser estimulado sem exigir um transporte apelativo.


O melhor transporte turístico é o transporte público regular

Diferentemente do que disse o jornal, é claro que a cidade possui o mínimo para ser turística. É bobagem imaginar que desenvolver um aplicativo ou ter um trenzinho duvidoso que aparece vez ou outra, como dá a entender o editorial, vai mudar drasticamente a situação.

Mudar drasticamente a situação exige mudar o paradigma da CPTM no município. Quando criticamos O Diário em abril de 2019, alertamos que o jornal não compreende quais papéis os trens da CPTM desempenham atualmente. Não vamos repetir toda a crítica, já que as motivações deste artigo são outras, no entanto, retomaremos mais uma vez os aspectos-chave das transformações necessárias que estamos propondo:

  • Saem trens pesados que circulam ociosos em diversos momentos do dia e…
  • …entram trens mais leves, capazes de conviver mais harmoniosamente com o tecido urbano;
  • As composições podem continuar longas, com o emprego de VLTs (veículos leves sobre trilhos, também chamados de bondes modernos) de até 9 módulos;
  • As estações passam a ser mais enxutas, mais baratas, menos impactantes e mais facilmente replicáveis.
Legenda: Vídeo do canal da CAF no YouTube: apresentação da configuração com 9 módulos para o sistema de bondes de Budapeste

Por que mudar tudo? Para ampliar não só a qualidade urbana, mas também para estruturar um corredor turístico muito mais poderoso, levando um serviço regular até Guararema, passando por Sabaúna e Luís Carlos. Sabaúna e Luís Carlos e, de certa forma, Guararema, são mais pitorescas e entregam uma experiência que não é tão urbana e tão facilmente replicável. Guararema e Sabaúna como destinos turísticos já foram objeto de discussão em 2018.

Outro aspecto importante da conversão para VLT é que o trecho entre Suzano e a capital fica livre para ser potencializado. A CPTM pode fazer o que quiser para ampliar a oferta de lugares, sem parecer que está “matando mosca com bala de canhão” ao chegar em Mogi das Cruzes, exatamente como acontece hoje, com trens gigantescos convivendo com diversas passagens de nível e tendo horizonte de expansão nulo, a despeito do crescimento cada vez mais difícil de ser ignorado em Cezar de Souza, distrito localizado a leste da Estação Estudantes. Suzano se tornaria um importante hub (concentrador) de viagens, recebendo não só os serviços pesados e de alta capacidade das linhas 11-Coral e 12-Safira (hoje Brás-Calmon Viana, mas no futuro está prevista que seja Brás-Suzano), mas permitindo a transferência para os VLTs da parcela mogiana-guararemense da Linha 11. A própria Linha 12 poderia ter o paradigma de serviço refinado se o plano de vias sofresse melhorias, oferecendo um expresso com trens de dois andares (para preservar o gabarito existente, um dos andares ficaria abaixo do nível da plataforma).


Conclusão

O caminho não passa pelo “fuzilamento” da prefeitura de Mogi. A cidade já se destaca como centralidade regional e atrai moradores da capital, do Alto Tietê e até mesmo do Vale do Paraíba (notadamente Jacareí), que é conectada a Mogi das Cruzes por meio de serviço de ônibus intermunicipal do tipo Suburbano Artesp).

O caminho que deve ser adotado envolve o aproveitamento do potencial do sistema metroferroviário, que hoje está oferecendo, por absoluta falta de investimentos e visão estratégica do governo estadual, intervalos e serviços aquém do ideal e do potencial.

Insistimos na conversão para VLT e numa segunda fase de recapacitação dos outros trechos das linhas 11 e 12 por entendermos que não é saudável insistir numa dicotomia periferia-centro que não se preocupa em garantir emprego e renda sem longos e morosos deslocamentos. Repare que mencionamos um deslocamento de uma hora entre as estações Estudantes e Tatuapé na seção anterior, no entanto, os empregos não raramente estão localizados muito depois de Tatuapé, com alguns nichos concentrando postos de trabalho ao longo da Marginal Pinheiros.




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