Por Caio César | 23/09/2019 | 7 min.
Série especial
Entre os dias 03/09/2019 e 06/09/2019 a AEAMESP (Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Metrô) realizou sua vigésima quinta edição da Semana de Tecnologia Metroferroviária. O COMMU esteve presente a convite e compartilha impressões do evento por meio de uma série especial. Clique aqui para conferir todos os artigos da série já publicados até o momento.
Motivação inicial: sobre a forte tendência observada
Alguns dos painéis e apresentações da 25ª Semana sugeriram fortemente o desejo de inverter a relação entre receitas tarifárias e acessórias, ou seja, passar a custear a maior parte da operação utilizando recursos que não dependem da tarifa, mas sim de outras atividades. Em suma, do nosso ponto de vista, a exploração mais agressiva de receitas acessórias foi a tônica durante toda a semana de tecnologia, ficando claro, em alguns momentos de forma mais explícita, em outros momentos de forma mais sutil, de que a sobrevivência dos sistemas depende de mudanças no modelo de negócio e do aumento da participação de grupos privados.
Não é o objetivo deste artigo disparar qualquer tipo de ataque contra as companhias, seus executivos ou mesmo contra a AEAMESP, na verdade, temos os seguintes objetivos:
- Apontar os rumos que estão sendo definidos como tendências, para que toda a população interessada tenha conhecimento;
- Fomentar uma discussão mais cuidadosa sobre o tema;
- Fazer uma crítica construtiva.
Feitos os devidos esclarecimentos, este artigo se baseia nas falas de uma série de atores, nomeadamente: Alexandre Baldy (Progressistas), Secretário de Transportes Metropolitanos; Eduardo Jorge Pereira, Diretor de Planejamento e Novos Negócios, CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos); Rodrigo Sarmento Barata, Coordenador de Estruturação de Projetos, Secretaria Executiva de Parcerias; Claudio Ferreira, Diretor Comercial, Companhia do Metropolitano de São Paulo; Fernando Reyes, Subgerente de Negócios, Metrô de Santiago (Chile); Érica Peticco, Diretora Operativa de Qualidade do Serviço ao Usuário, Subterrâneos de Buenos Aires (Argentina); Miguel Yuji Igarashi, especialista na Gerência de Novos Negócios e Serviços, Companhia do Metropolitano de São Paulo; e Ana Beatriz Monteiro, Especialista em Transporte, BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento).
Contextualização: entenda os planos das duas estatais do sistema metroferroviário
A Companhia do Metropolitano de São Paulo (METRÔ, comumente grafado como Metrô) realizou duas apresentações importantes, a primeira delas foi feita por um funcionário de carreira, Miguel Yuji Igarashi, enquanto a segunda foi feita por um executivo oriundo da iniciativa privada, que provavelmente foi convidado pela atual gestão, Claudio Ferreira.
Segundo Ferreira, o Metrô possui, além da operação de trens metropolitanos, cinco fontes de geração de receita: publicidade, comércio varejista, telecomunicações, desenvolvimento imobiliário e consultoria. A apresentação, bastante elogiosa, destacou aspectos positivos de todos os segmentos, no entanto, existem alguns problemas que nos preocupam, como a má qualidade dos produtos ofertados e a falta de estrutura para os funcionários mal remunerados dos cubículos.
A má qualidade dos produtos foi discutida na magnífica reportagem d’O Joio e o Trigo, que pode ser lida no Outras Palavras e portal do Universo Online. Beber água e fazer uma refeição, duas coisas que deveriam ser triviais para qualquer trabalhador, são verdadeiros desafios para quem está atrás do balcão. Outro grave problema são os alimentos industrializados pouco nutritivos, que transformam as estações da estatal em “pântanos alimentares”.
Não por acaso a apresentação foi ilustrada com uma fotografia dos quiosques da Estação São Bentos, os únicos que parecem oferecer melhores condições de trabalho e produtos que fogem de salgadinhos a base de milho transgênico e pães de queijo que possuem muito mais polvilho do que qualquer outro ingrediente. Na foto, Subway e Benjamin são vizinhos de mesas e cadeiras num ambiente arborizado, com abundância de luz natural. O Metrô possui, segundo a apresentação, em média 340 pontos comerciais, infelizmente, a maioria deles não estão instalados em ambientes como o da Estação São Bento.
Segundo Igarashi, a concepção da Estação São Bento estava baseada principalmente na noção de comodidade para o passageiro. Ficou evidente a partir daquele momento que a Companhia do Metrô não está pensando exatamente na comodidade, mas sim numa exploração mais fria, que objetiva garantia de ganhos em detrimento de outros aspectos. Aparentemente, nada muito diferente do comércio de qualidade duvidosa criticado nos parágrafos anteriores.
A apresentação também não explorou adequadamente a situação dos terminais urbanos, tratados como um elemento da liderança da companhia em negócios, ao lado de shopping centers tradicionais (como a dupla anexa à Estação Tatuapé, por exemplo). Concedidos por 30 anos em julho de 2019 com ínfima participação popular, os terminais urbanos amargam problemas de limpeza, conservação e ambiência, deixando bastante a desejar como espaço público.
Nichos como telecomunicações também deverão ser explorados com maior agressividade, mas pouco pode ser adiantado. Aparentemente o Metrô vai aumentar a exposição do passageiro à publicidade. Não ficaríamos surpresos se o acesso a um ponto de Wi-Fi (rede sem fio) exigir visualização de propaganda como forma de liberar o acesso à Internet por um determinado período de tempo.
Devido a limitações de tempo, não realizamos nenhum tipo de parada e/ou sondagem no estande da Metrô Consulting, mas aparentemente a estatal vai tentar fazer aquilo que outras estatais já fazem: entrar em sistemas de outros países para ganhar dinheiro, que não será utilizado para investir naqueles lugares, mas principalmente para apresentar resultados superavitários e continuar detendo controle das linhas que lhe conferiram experiência em primeiro lugar. A ideia não é exatamente nova: Igarashi explica que a estatal já realizou serviços de consultoria na década de 1980, os quais envolveram os metrôs de Bagdá, Caracas, Medelín, Recife e Brasília. A Metrô Consulting poderá inclusive estruturar estudos para que outras operadoras concedam linhas.
Como já abordado pelo COMMU no passado, o governo estadual sancionou uma inócua política estadual de mobilidade metropolitana, que aparentemente teve apenas um único objetivo: permitir que o Metrô crie subsidiárias e participe do capital social de empresas privadas. Não por acaso, a lei em questão foi mencionada na apresentação de Igarashi.
Já a apresentação da CPTM, realizada por Eduardo Jorge, considerou um potencial de 4 mil m² em áreas locáveis para comércio varejista, com oito cenários para exploração: quiosques, mini food trucks, caixas eletrônicos, stands automatizados, armários inteligentes, vending machines, food bikes e lojas, por outro lado, a exploração de publicidade considerou sete cenários: painéis digitais, painéis estáticos, tematização de estações, adesivação de trens, adesivação de passarelas, estandes promocionais e outros formatos. A apresentação da CPTM não se encontrava disponível no site da AEAMESP quando da publicação deste artigo.
Diferentemente do Metrô, a performance na CPTM nunca foi tão boa, uma vez que, apesar dos maiores segmentos de receitas não tarifárias também serem publicidade e varejo, a estatal ainda aufere 90,7% dos recursos via receitas tarifárias. A empresa espera conseguir explorar melhor a infraestrutura presente na faixa de domínio e estações, contribuindo para dar capilaridade a redes de fibra ótica e de telefonia de quinta geração (5G). A apresentação também classificou como inovador um aplicativo unificado para o sistema metroferroviário, em desenvolvimento pela Secretaria dos Transportes Metropolitanos, que até a data de publicação deste artigo ainda não tinha sido lançado.
Finalmente, empreendimentos imobiliários associados foram tema das duas apresentações, com a diferença de que a CPTM está otimista com relação às estações João Dias e Pirelli, enquanto o Metrô está modelando a concessão das estações Palmeiras·Barra Funda e Brás. A Estação João Dias é uma pequena novela dentro da Linha 9-Esmeralda (Osasco-Grajaú), sendo basicamente de interesse dos atores privados que estão envolvidos com duas torres corporativas de alto padrão (padrão AAA ou triple-A, como se fala usando os jargões do mercado imobiliário), enquanto a Estação Pirelli é um projeto de alavancagem política do mandatário de Santo André, Paulinho Serra (PSDB), que até o momento não publicou cronograma e roadmap claros, transparecendo que se trata de um empreendimento que demanda investimentos acima do que o mercado está disposto a pagar. O Coletivo segue acompanhando quais serão os próximos capítulos.
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