Governo prometeu “metrô de superfície” na Linha 10, mas ainda não divulgou planos

Por Caio César | 10/11/2019 | 6 min.

Legenda: Na Estação Santo André, trem de série supostamente aposentada continua a operar no serviço expresso
Passados quatro meses, cidades do Grande ABC ainda não sabem como e quando poderão usufruir de serviços de maior qualidade na única linha metroferroviária de toda a região, que possui mais de 2,7 milhões de habitantes

Contextualização

Graças às respostas macarrônicas da Companhia do Metropolitano de São Paulo (METRÔ, usualmente Metrô) no Twitter, descobrimos que, a despeito do silêncio do Executivo paulista, liderado por João Doria (governador pelo PSDB) e Alexandre Baldy (secretário dos transportes metropolitanos, DEM), a Linha 10-Turquesa (Brás-Rio Grande da Serra) da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) continua sendo utilizada como “moeda de troca” para minorar as críticas ao governo, que cedeu e abandonou o projeto de uma linha de metrô leve (Linha 18-Bronze) em favor de um BRT ainda nebuloso.

Legenda: Uma das respostas do Metrô em relação ao abandono da Linha 18. Uma busca no Twitter revela ainda outras interações com o mesmo objetivo

A promessa foi feita no início de julho, sendo reproduzida até mesmo por canais oficiais do poder público da Sub-região Sudeste (nome oficial da região conhecida como Grande ABC), como as áreas de notícias dos sites da Prefeitura de São Bernardo do Campo e do Consórcio Intermunicipal do ABC. Outros veículos também reproduziram a promessa com formato similar, ou seja, sem fornecer muitos detalhes (veja aqui, aqui, aqui e aqui).

Legenda: Site da Prefeitura de São Bernardo do Campo noticia a conversão da Linha 10-Turquesa em “metrô de superfície”

Os limites do discurso

Para sinalizar que a conversão da linha não passava de uma promessa vazia, o governo decidiu fazer movimentações na alocação das frotas de trens da CPTM, ampliando a oferta de trens mais novos e com maior aderência ao paradigma atual do Trem Metropolitano, que basicamente corresponde a um sistema de metrô de segunda categoria, marginalizado pela opinião pública, permeado por muita desinformação e nem sempre dotado dos investimentos e planos necessários.

O papel da Linha 10-Turquesa não mudou. Há anos ela já desempenha papel de metrô e tem seus intervalos reduzidos. O mesmo se aplica a basicamente toda a malha da CPTM, que precisa espremer limões de segunda a sexta-feira para transportar em média 3 milhões de passageiros. Se os trens mais novos reduziram o tempo de viagem e aumentaram a capacidade da linha, por outro lado reduziram a margem para falhas, o que tem exigido a operação da antiga série 2100, que o governo diz ter aposentado, no serviço expresso que opera entre as estações Santo André e Tamanduateí.

Legenda: Séries 7000 e 7500 na Estação São Caetano em março de 2019, cerca de três meses antes das notícias alardeando um “metrô de superfície”

Os trens mais novos, que a grosso modo começaram a operar por volta do ano de 2010, foram a primeira mudança substancial na operação da Linha 10. A segunda mudança, efetivada poucos meses depois, foi a adoção de um esquema de chegadas e partidas utilizando uma única plataforma na Estação Brás, aumentando o conflito entre os fluxos de embarque e desembarque, mas viabilizando a operação da Linha 7-Rubi (que até então operava como Luz-Francisco Morato-Jundiaí) até aquela estação em esquema idêntico de segunda a sexta-feira. Diante do quadro existente, até o momento não ficou claro quais são os requisitos para uma operação ser ou não enxergada como “metrô de superfície” pelo atual governo.


Em nenhum momento o governo acenou para a possibilidade de realização de audiências públicas e até a data de publicação deste artigo não existem planos publicamente disponíveis a respeito da conversão da Linha 10-Turquesa em “metrô de superfície”, seja lá o que isso signifique politicamente.

Os desafios não são pequenos: das treze estações da linha, apenas uma foi reconstruída nos últimos dez anos (Tamanduateí). O saldo restante envolve uma série de estações dos anos 1960 que precisam ser reconstruídas (Juventus·Mooca, Ipiranga, São Caetano do Sul, Utinga, Prefeito Saladino, Santo André, Capuava, Mauá e Guapituba), estações centenárias que podem estar associadas a reconstruções e/ou restauros (Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra) e uma estação de integração problemática (Brás).

Legenda: Estação Santo André, uma das mais movimentadas: infraestrutura datada, pouco acessível e desconfortável

Somam-se às estações inadequadas a necessidade de adquirir mais trens (fala-se em 35 novos trens) e de retomar o contrato para substituição do sistema de sinalização, além disso, o plano de vias obsoleto e pouco flexível, a despeito da faixa de domínio subutilizada e com muito espaço disponível, demanda intervenções sérias, principalmente para implantar serviços expressos capazes de operar bidirecionalmente. Se considerarmos a reconstrução das nove estações dos anos 1960 com um projeto que permita economia de escala, tentando ficar na casa dos 110 milhões de reais por estação (patamar já defasado, mas que iremos adotar para simplificar as contas), já são quase 1 bilhão de reais. Os 35 novos trens deverão custar a bagatela de R$ 1,5 bilhão. Falta ainda sinalização.

Implantar o Expresso ABC, promessa antiga dos governos tucanos, vai custar ainda mais dinheiro. Sem o Expresso ABC, o serviço atual da Linha 10-Turquesa não pode ser dinamizado com mais estações — há oportunidades para construção de pelo menos mais três estações, como a Pirelli (também chamada de “ABC” em alguns momentos do passado), que a Prefeitura de Santo André tenta viabilizar com a iniciativa privada; Parque da Mooca, já prevista; e Barcelona, também aventada no passado.

Todas essas intervenções são complexas, exigem grandes somas de recursos públicos e poderiam ficar ainda mais caras, caso o governo aproveitasse a oportunidade para melhorar o caráter troncal da linha, construindo terminais de ônibus integrados às novas estações e estações reconstruídas que não possuem uma estrutura do tipo. Em todo caso, audiências públicas para melhor compreender as demandas dos passageiros, acompanhadas da elaboração de planos especificamente voltados à Linha 10, bem como cronogramas constantemente atualizados, seriam elementos cruciais.

A promessa do governo, tal como ela tem sido feita e sustentada, é extremamente falha e chega a ser desrespeitosa com uma das parcelas mais dinâmicas e interessantes da Região Metropolitana de São Paulo. O governo paulista não contribuirá para o desenvolvimento dos municípios se continuar entregando serviços que estão um século atrasados. O potencial econômico poderia, inclusive, facilitar arranjos de parcerias público-privadas, permitindo a associação de empreendimentos imobiliários, caso o governo assim desejasse, mas o grosso do investimento e do risco precisa ser assumido pelo estado com celeridade e transparência.

Para encerrar com uma dose de realismo, precisamos ser francos: o governo vai precisar de alguns anos para colocar de pé a recapacitação da infraestrutura — é disso, afinal, que se trata — , assim sendo, poderia pelo menos começar estabelecendo diálogo e deixando claro quais são as ações prioritárias que deverão ser feitas, para além da troca da frota de trens ou de operações que estão levando as antigas estações ao limite da capacidade. Chega de remendos e puxadinhos.




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