Sem mudanças drásticas, ampliação do Expresso Turístico não faz sentido

Por Caio César | 26/06/2020 | 5 min.

Legenda: Trens do Expresso Turístico nas instalações de abrigo e manutenção na Lapa
Discussões envolvendo mais um trem do século passado esbarram na ausência de uma leitura territorial mais cuidadosa e no próprio reconhecimento do papel do Trem Metropolitano

Série especial

Recentemente participei de uma discussão no fórum SkyscraperCity que basicamente tratava do potencial de exploração de serviços ferroviários turísticos na malha da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos). Devido à extensão da discussão, decidi transformá-la numa pequena série de artigos, incorporando a visão das discussões internas do Coletivo. Clique aqui para acessar todos os artigos já publicados.


A “nova” litorina

Atualmente, o Expresso Turístico da CPTM utiliza locomotivas fabricadas há décadas e carros de passageiros tão ou mais antigos, que foram restaurados por uma organização não governamental. O arranjo é resumido a seguir pelo hotsite de turismo da Prefeitura de Jundiaí:

A viagem é feita a bordo de uma composição, formadas por dois carros de aço inoxidável fabricados no Brasil na década de 60 e tracionados por uma locomotiva a diesel, da CPTM. Cedidos pela Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF), os vagões foram totalmente restaurados pela CPTM. Ao longo do percurso sobre os trilhos, monitores dão informações históricas sobre a ferrovia paulista e as estações da CPTM.

O que pouco se discute fora dos círculos especializados, no entanto, é o fato da Companhia ter restaurado uma litorina fabricada originalmente pela Budd Company, modernizando seu interior e reequipando a sala de reuniões e a cozinha.

Legenda: Litorina recém-reformada na Estação Luz em 2010, então uma novidade. Passados dez anos, nunca fora colocada em operação comercial e para usufruto da população

Sim, você leu corretamente, sala de reuniões e cozinha. A litorina, termo comumente utilizado para designar trens como os Rail Diesel Cars (RDCs) da Budd, era utilizada como um veículo administrativo da extinta e inventariada RFFSA (Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima). Apesar de a litorina indicar que pertence ao Expresso Turístico, a CPTM preservou os elementos administrativos que diferenciavam-na da antiga série 141, similar em concepção, mas de tração elétrica e interior mais simples (mas nem por isso deixava de contar com bancos inteiriços e estofados).

Legenda: Uma composição formada por duas litorinas da série 141 chega a Paranapiacaba em 1998. Créditos: Vanderlei Zago. Fonte: Estações Ferroviárias do Brasil

Peixe fora d’água

Sem grandes aparições desde que apareceu publicamente na Estação Luz em 2010, a litorina voltou a ser pivô de discussões sobre a expansão dos serviços do Expresso Turístico, principalmente depois de ter sido flagrada circulando por Mogi das Cruzes na semana passada.

Nós do COMMU não consideramos positiva a expansão do Expresso Turístico, por compreendermos que a litorina não representa um avanço na concepção do serviço. Contrariando as expectativas de alguns entusiastas e saudosistas, defendemos que tanto ela quanto o atual conjunto de carros de aço inox tracionados por uma locomotiva de manutenção, são peixes fora d’água, que, cedo ou tarde, serão inviabilizados pela crescente complexificação do território atendido pelo Trem Metropolitano, forçando a CPTM a dar continuidade para o programa de modernização da malha e tornando cada vez mais irreversível a “metronização” dos serviços.

Legenda: Por meio do Twitter, a CPTM admite que avalia a possibilidade de inserir a litorina a diesel nas rotas turísticas existentes, sem precisar uma data

Fatores como uso e ocupação do solo, marco regulatório existente e densidade populacional continuam sendo importantes para a realização de uma leitura territorial adequada, imprescindível para a discussão de um serviço como o do Expresso Turístico, que provoca interferências no transporte de alta capacidade sem apresentar justificativas plausíveis, incluindo métricas e diálogo com uma política de desenvolvimento socioeconômico que envolva setores turísticos das economias locais.

Rejeitamos a expansão dos serviços tais como se apresentam, assim, rejeitamos a ideia de inserir a litorina no roteiro para Mogi das Cruzes, que possui baixa atratividade e não demanda muitos lugares. Rejeitamos também a ideia de que ela poderia chegar até o município do Alto Tietê pela Linha 12-Safira (Brás-Calmon Viana) e fazer todo o trajeto de volta pela Linha 11-Coral (Luz-Estudantes), circulando inclusive no trecho do Expresso Leste (entre Luz e Guaianazes), que nem mesmo fora concebido tendo em mente a circulação de um trem de passageiros do século passado.

Legenda: Trem do Expresso Turístico partindo da Estação Estudantes

O Expresso Leste não é lugar para ela e, se queremos que a periferia tenha um mínimo de qualidade de vida, vai ser bem difícil que ela encontre um lugar em qualquer linha da CPTM. São escolhas: intervalo e padrão de serviço ou operações alienígenas que produzem interferências nos serviços metropolitanos. A lógica é simples: se você não encontra uma Maria-Fumaça atrapalhando a operação da Linha 3-Vermelha (Corinthians·Itaquera-Palmeiras·Barra Funda) durante o final de semana, você também não deveria encontrar um trem turístico exigindo o isolamento de uma plataforma inteira da Linha 11 na Estação Luz e atrapalhando milhares de pessoas.

Se não tem litorina na Linha 3, não é para ter na Linha 11. Como veremos nos próximos artigos da série, a exploração turística vai muito além de trens velhos, exigindo, uma série de elementos que são construídos a partir de um processo sério de planejamento e formulação de políticas públicas.


Colaborações: Eduardo Ganança (fotos de 2010 da litorina)



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