Por Caio César | 28/06/2020 | 8 min.
Índice
Série especial
Recentemente participei de uma discussão no fórum SkyscraperCity que basicamente tratava do potencial de exploração de serviços ferroviários turísticos na malha da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos). Devido à extensão da discussão, decidi transformá-la numa pequena série de artigos, incorporando a visão das discussões internas do Coletivo. Clique aqui para acessar todos os artigos já publicados.
Prólogo
A graça do Expresso Turístico não está no trem, pois em nenhum dos trajetos a paisagem é espetacular (com exceções pontuais aqui e ali, mas bem pontuais, como talvez a Serra do Itapeti ao entardecer), nem no material rodante (que não tem nada de especial), mas nos três destinos oferecidos: Mogi das Cruzes, Jundiaí e Paranapiacaba. Parece-nos evidente o quanto os destinos oferecidos influenciam na escolha do passageiro, tanto que Mogi das Cruzes e Jundiaí possuem muito menor procura do que Paranapiacaba, o que talvez se deva ao fato de que nenhuma das duas primeiras oferecem um contacto com um lugar imediatamente icônico e pitoresco.
Os atendimentos atuais do Expresso Turístico
Conforme sistematizado no mapa e na tabela abaixo, os trajetos do Expresso Turístico estao voltados a três municípios. As viagens utilizam as mesmas vias do Trem Metropolitano e transcorrem na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) e na Aglomeração Urbana de Jundiaí (AUJ). Quando em direção a Paranapiacaba, o trem turístico também realiza paradas para embarque e desembarque na Estação Santo André.
Neste artigo, discutiremos os atendimentos a Mogi das Cruzes e Paranapiacaba. A discussão sobre Jundiaí tem particularidades suficientes para ser tratada como um futuro artigo da série.
Mogi das Cruzes
Mogi das Cruzes pode ser considerada ótima para turismo urbano, o que não necessariamente termina por se traduzir num forte apelo em torno da viagem pelo Expresso Turístico. De fato, a procura é baixa, tanto que a CPTM já reduziu o número de viagens.
Se atualmente Mogi das Cruzes entrega ao visitante um centro decente para bater perna (com totens, mobiliário e prioridade ao pedestre) ou bons bares e restaurantes, não o faz graças ao Expresso Turístico, mas por fatores geográficos (incluindo aí demografia, perfil econômico, posição geográfica etc) e administrativos (postura da prefeitura local). A situação se torna ainda pior se avaliarmos que o diálogo entre o Expresso Turístico e atividades diferenciadas promovidas por atores da sociedade civil. Considerando o último Festival do Cambuci em Sabaúna ou a operação de um trem turístico entre Guararema e Luís Carlos, o papel do Turístico da CPTM tem beirado a irrelevância.
Na nossa visão, para fortalecimento do turismo, é preciso pensar em dois polos, de um lado, Mogi das Cruzes, do outro, Guararema. Entre os polos, principalmente em Mogi, que já possui um tecido urbano mais complexo, fortaleceria-se um vetor de desenvolvimento articulado pelo transporte sobre trilhos.
Assim como Mogi das Cruzes, Guararema é um caso interessante e que já recebeu nossa recomendação como um destino turístico relevante da RMSP. O município apresenta boa infraestrutura urbana voltada para o turismo, mas esbarra na falta de um projeto para aquela porção do Alto Tietê, antigamente cortado pelo tronco ferroviário da finada EFCB (Estrada de Ferro Central do Brasil).
Quando defendemos a conversão do tramo pós-Suzano da Linha 11-Coral para um metrô leve (leia-se, um serviço com bondes de boa capacidade), acreditamos que a transformação daquele eixo abriria grandes oportunidades de reinserção urbana e dinamização do tecido (principalmente em Mogi das Cruzes, um importante e subestimado polo regional e metropolitano), o que, neste contexto, tornaria muito mais palatável estimular o turismo até Guararema, não só com trens especiais esporádicos (a partir de Suzano, porque o Trem Metropolitano precisa de baixos intervalos mesmos aos finais de semana).
Este artigo está longe de esgotar a tarefa de executar uma leitura do território mais precisa e com a cartografia merecida e necessária, entretanto, mesmo sem uma análise mais aprofundada, o potencial aparenta ser imenso.
Finalmente, numa ação melhor coordenada entre o governo estadual e a prefeitura local, seria possível explorar a cultura otaku em Suzano, cidade que foi tema de diversas reportagens em 2018 devido à colocação de estátuas de Pokémons por um grupo de pessoas anônimas (veja aqui, aqui e aqui). Em fevereiro de 2020, uma nova estátua foi instalada, segundo o Diário de Suzano. Com o devido fomento, seria possível descentralizar eventos voltados não só aos fãs de Pokémon, mas também ao público que consome produtos japoneses, animes e mangás. Suzano é a cidade do Alto Tietê que possui a maior estação da CPTM, além de contar com um sistema viário que favorece a caminhada no chamado Quadrilátero Central (conjunto de ruas que formam o núcleo duro do centro comercial do município).
Santo André (Paranapiacaba)
Quanto ao atendimento a Paranapiacaba, é o melhor roteiro do Expresso Turístico, mas é mais um caso de planejamento deficiente, até mesmo para estimular um eixo que já aproveite o incentivo turístico concedido a municípios como Ribeirão Pires. Talvez um trem especial partindo de Rio Grande da Serra fosse mesmo mais interessante, até mesmo para ampliação das viagens.
Paranapiacaba, entretanto, não tem um histórico dos mais favoráveis. Apesar de todo o buzz em torno da vila e seu festival de inverno, há um longo histórico de problemas de infraestrutura e até mesmo uma certa sensação de abandono por parte do Paço andreense. Em alguns períodos, as atrações mal estavam sinalizadas e o conjunto histórico da vila se apresentava parcialmente destruído, algo que só passou a ser resolvido quando a prefeitura conseguiu uma verba recorde para restaurar as edificações (a parte baixa é de propriedade da municipalidade, para quem não sabe). E ainda há problemas com abandono de animais e descaracterização de edificações.
Assim como o caso mogiano, a despeito do sucesso de Paranapiacaba, acreditamos na possibilidade de uma maior articulação entre aquele distrito de Santo André e os municípios de Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. Devido às características de uso e ocupação serem distintas, não se espera a formação de um vetor de desenvolvimento, mas o fortalecimento dos setores de turismo, comércio e serviço, aproveitando a rede urbana existente e a necessidade de compactação e preservação ambiental compatíveis com os mananciais protegidos por força de lei.
O primeiro aspecto da proposta para uma articulação tripolar entre o distrito andreense e os dois municípios do sudeste metropolitano seria preservar as estações históricas de Rio Grande da Serra e Ribeirão Pires, construindo novas estações nas proximidades. Com a construção de edificações novas, cuidadosamente integradas às estações históricas, vislumbramos:
- Elevação dos padrões de acessibilidade da Linha 10-Turquesa;
- Redução da interferência entre trens turísticos e metropolitanos (separação física dos serviços);
- Aumento das receitas acessórias com atividades de comércio e serviços;
- Possibilidade de exploração imobiliária associada.
Ribeirão Pires é uma instância turística, construiu infraestrutura para isso no Centro Baixo e já abriga um festival bem sucedido (Festival do Chocolate). Idealmente, Rio Grande da Serra deveria seguir os mesmos passos.
Se combinarmos as três cidades, tivermos um trem em loop associado a uma “moeda local” (como um sistema de descontos, para incentivar a circulação com fins turísticos, impulsionando a economia dos três municípios), poderia ser razoável ampliar a oferta de trens turísticos, com possibilidade de aproveitamento da litorina que recentemente voltou a ser pivô de discussões.
Para explorar as possibilidades aqui colocadas, é preciso um projeto. Faz-se um concurso arquitetônico para as edificações das estações e um estudo de viabilidade, depois um projetinho funcional e por aí vai. Propõe-se ainda, desde o princípio, a exploração comercial e imobiliária e a construção de uma identidade representando a articulação tripolar. O produto final seria um modelo em execução (modelo no sentido numérico, para ser sempre avaliado, com indicadores, métricas etc e de infraestrutura, com as edificações, instalações, mobiliário etc).
Conclusão
Assim como no artigo anterior, insistimos que o atual formato do Expresso Turístico não faz o menor sentido. É preciso melhorar o transporte regular e as ações de desenvolvimento socioeconômico do território, o que inclui políticas turísticas.
Será que entre consumir o valor da passagem do Turístico no comércio local ou pagar pela viagem, com imensa restrição de dias e horários, a primeira opção não é mais atrativa? O Trem Metropolitano permite gastar a diferença de dinheiro comendo, bebendo ou comprando, além de constituir uma opção melhor e mais universal em comparação com o limitadíssimo (e com dias contados, se a demanda continuar crescendo no Metropolitano) Expresso Turístico?
Fica a reflexão: gastar litros de diesel para empurrar carros do século passado que, se sofrerem um acidente, vão matar todos os ocupantes, ou optar por investimentos em infraestruturas decentes e serviços regulares de transportes, apoiados a uma política de turismo para o território? A escolha também não deveria ser óbvia?
O ecossistema turístico deveria ser suficientemente bom a ponto de as pessoas quererem ficar de um dia para o outro, para conseguirem aproveitar tudo, ou então que quererem dedicar os dois dias do final de semana ou todo um feriadão.
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