Por Caio César | 08/07/2020 | 7 min.
Mais uma vez, alterações no Plano Diretor e no Zoneamento são propostas de forma irregular pela Câmara dos Vereadores
Projeto de lei em discussão pode aumentar as desigualdades no longo prazo
Está em tramitação na Câmara dos Vereadores de São Paulo o Projeto de Lei (PL 217/2020) que propõe alterar estratégias e parâmetros do Plano Diretor de 2014 e da Lei de Zoneamento de 2016, sob o mote da criação de um Plano Emergencial de Ativação Econômica. Essa proposta altera normas urbanísticas, sem evidências de que haverá impacto positivo na economia, utilizando-se da pandemia para tramitar sem amplo debate com a sociedade. Além disso, esse PL pode acirrar ainda mais as desigualdades socioespaciais do município. Se a COVID-19 colocou na pauta do dia esse grande problema da nossa sociedade, os incentivos urbanísticos propostos no PL podem piorar a desigualdade no longo prazo, como apresentamos a seguir:
Altera o objetivo do Plano Diretor na Zona Eixos de Estruturação da Transformação Urbana, permitindo unidades habitacionais maiores, reduzindo assim o número de unidades próximas do transporte público e invertendo a lógica da cidade compacta que propõe aumentar a densidade e as oportunidades de moradia perto do transporte público. Permite um número maior de vagas de garagem isentas de pagamento pelo direito de construir na Zonas Eixos de Estruturação da Transformação Urbana, onde há ampla oferta de transporte público, contrariando o objetivo de estimular o uso de transporte coletivo e a mobilidade ativa, alterando o Plano Diretor. Prevê que as Zonas de Estruturação Urbana Previstas sejam tratadas como eixos de transporte existentes, adensando áreas onde a mobilidade coletiva ainda não é viável, invertendo a lógica do desenvolvimento orientado ao transporte – essência do Plano Diretor vigente. Institui desconto de 50% no valor final da outorga onerosa do direito de construir para projetos em áreas bem localizadas no município e institui descontos no ITBI para compra de imóveis novos, contrariando os objetivos e finalidades da Lei Municipal nº 17.335/2020, que prevê medidas de ordem financeira para mitigar frustração de receitas do Caixa Único do Tesouro Municipal. A redução da arrecadação municipal reduz a capacidade de investimento da prefeitura em obras que serão necessárias para um plano de recuperação da cidade, em especial dos territórios vulneráveis mais impactados pela pandemia. O PL propõe esses e outros incentivos urbanísticos de caráter temporário (pelo prazo de 18 meses) mas de efeitos permanentes quando autoriza edificar com índices urbanísticos hoje proibidos, e dar descontos em impostos e contrapartidas — sem futura restituição aos cofres públicos — que incidem sobre a produção imobiliária. A justificativa do PL aponta que as medidas propostas “terão impacto direto” na geração e manutenção dos empregos. Entretanto, não há evidências de que a alteração da legislação urbana possa contribuir diretamente para a geração de empregos.
O setor da construção civil reúne o mesmo contingente de trabalhadores que outros serviços como o setor dos trabalhadores domésticos, ou de transporte, armazenagem e correios ou dos serviços de alimentação e alojamento na metrópole de São Paulo, de acordo com a PNAD de 2018. Tanto o setor da educação, saúde e serviços sociais, como o setor do comércio, reúnem individualmente mais do que o dobro de trabalhadores da construção civil. Dados do IBGE indicam que alguns setores foram mais impactados pela pandemia do que outros, destacando-se o comércio, com 5 milhões de pessoas a menos. Nesse período, a construção civil foi autorizada a manter atividades sem restrições, segundo o regulamento estadual da quarentena.
Diante da maior necessidade e relevância de outros setores frente ao setor da construção civil, o PL não apresenta argumentos consistentes para justificar os benefícios concedidos a esse setor em detrimento dos outros. Quem deve ser priorizado no atual contexto de crise econômica e social? As famílias desamparadas que habitam áreas de alta vulnerabilidade social ou alguns poucos empresários da construção civil?
Além do aumento da desigualdade no longo prazo e da falta de evidências para o aumento de empregos no curto, o Projeto de Lei, não atende ao interesse público e a coletividade e desrespeita o princípio da gestão democrática. O Projeto de Lei 217/2020 contraria os princípios constitucionais que estabelecem procedimentos para a elaboração e revisão do marco regulatório urbano, que devem ser frutos de um amplo debate com a sociedade, com intensa participação social. No entanto, a tentativa de alterar a legislação urbana antes do prazo estipulado em lei, ausentes os estudos técnicos, a ampla publicidade e a democracia participativa não é novidade, o que reforça o argumento de que os incentivos propostos não atendem ao interesse público diante da crise sanitária e econômica que nos encontramos.
Diante dessas e de outras evidências, as entidades que assinam esta nota repudiam as alterações no Plano Diretor e na Lei de Zoneamento e convocam a câmara dos vereadores a suprimir o artigo 12º do Projeto de Lei 217/2020 ao mesmo tempo que nós colocamos a disposição para dialogar sobre demais medidas.
São Paulo, 8 de julho de 2020
- Associação Amigos da Praça João Afonso de Souza Castellano
- Associação Artemis
- Associação Beneficente e Comunitária Santa Luzia
- Associação Cidade Carvalho Vila Nova Adjacências
- Associação Civil Sociedade Alternativa
- Associação Cultural da Comunidade do Morro do Querosene
- Associação de Apoio ao Adolescente e à Família Mundo Novo
- Associação de Moradores da Vila Mariana
- Associação de Moradores do Jardim Vila Nova e Adjacências
- Associação de Mulheres Unidas Venceremos
- Associação de Remanescentes de Quilombo Saruê
- Associação dos Moradores do Rolinopolis – ASAJAR
- Associação Luta por Terra e Moradia Parceiros do Futuro do Estado de São Paulo
- Associação Escola da Cidade
- Associação Moradores do Jardim Guedala
- Associação Movimento Garça Vermelha – Mogave
- Associação Reivindicatica e Assistencial de Vila Medeiros – ASSORAVIM
- Associação São Benedito Legal
- Associação Vila Mariana
- Associação Zona Franca
- Associações Projetos Integrados de Desenvolvimento Sustentável
- BrCidades
- Central de Movimentos Populares
- Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos
- Ciclocidade – Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo
- Coletiva As Mina Na Frente
- Coletivo Metropolitano de Mobilidade Urbana – COMMU
- Coletivo Ocupe&Abrace
- Coletivo Salve Saracura
- Com-Art , Coop. de Trab. dos Prof. das Artes
- Comissão Ana de Carvalho da Vila Ipojuca
- Conseg Morumbi
- Conselheiro Participativo Municipal da Lapa
- Cooperativa Habitacional Central do Brasil – COOHABRAS
- Entidade ulcm.movimento de cortico e moradia .
- Fórum de Trabalho Social em Habitação
- Forum Verde Permanente de Parques, Praças e Áreas Verdes
- Grupo de Pesquisa Legado – IEE USP
- Grupo de Pesquisa LIMIARES – Geografia/USP
- Instituto Casa da Cidade
- Instituto Corrida Amiga
- Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento de São Paulo – IAB-SP
- Instituto Panamericano do Ambiente e Sustentabilidade
- Instituto Pólis
- Instituto Social Novo Olhar
- LabCidade FAUUSP
- LabHab FAUUSP
- Lapa Sem Medo (integrante da Frente Povo Sem Medo)
- LaPlan – Laboratório de Planejamento Territorial da Universidade Federal do ABC
- LePur UFABC
- Movimento Amigo da Vila Anglo e Jardim Vera Cruz – MAVA
- Movimento Boa Praça
- Movimento de Defesa dos Favelados – Região Episcopal Belém
- Movimento de Defesa dos Favelados – Região Episcopal Belém – MDF
- Movimento Habitacional e Ação Social
- Movimento Metrô Brasilândia Já
- Movimento Parque Augusta
- Movimento Parque Chácara do Jockey
- Movimento Parque Linear Caxingui
- Movimento Popular de Vila Leopoldina
- Movimento Sem Terra Leste 1
- Movimento Sem Teto do Centro – MSTC
- Museu do BIXIGA
- NAPPLAC FAUUSP
- ONG SampaPé!
- Rede Butantã de Entidades e Movimentos Sociais
- Rede Novos Parques
- RENAP
- Sindicato dos Arquitetos – SP
- Sindimasp
- SINSEP
- Sociedade Amigos da Cidade Jardim – SACJ
- Sociedade dos Amigos do Planalto Paulista
- Sociedade Santos Martires
- SP Invisível
- teat(r)o oficina uzyna uzona
- União dos Movimentos de Moradia de São Paulo – UMM
- Unificação das Lutas de Cortiços e Moradia – ULCM
- URBEM – Instituto de Urbanismo e Estudos para a Metrópole
- Cidade Ativa
- Comunidade City Pirajussara
- Setorial Ecossocialista do PSOL
- Cidades Afetivas
- Movimento Parque Alto da Boa Vista
- Movimento Parque Campo de Marte
- Rede Lepoldina Solidária
- Associação de Moradores do Ceasa
- Associação Santa Cecília
- Cidadeapé – Associação pela Mobilidade a Pé em São Paulo
- Rede Nossa São Paulo
- Conselho Participativo do Butantã
- Coalizão pelo Clima SP
- Associação dos Movimentos de Moradia da Região Sudeste.
- Associação de Moradia Jardim Casa Branca ll e Adjacências
- Aliados Parque Barra Funda
- Movimento Parque da Cruz Vermelha
- Organismo Parque Jardim Esmeralda
- Movimento Parque Vila Ema
- Instituto Panamericano do Ambiente e Sustentabilidade
- Rádio Saracura
- IBDU – Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico
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