Por Caio César | 12/07/2020 | 4 min.
O jornal Folha de S.Paulo publicou recentemente um editoral intitulado “O que a Folha pensa: transporte em crise”, no qual admite que o aumento recorrente de tarifas transfere o ônus dos operadores para a parcela mais necessitada da população:
Para o longo prazo, a saída passa, antes, por uma pisada no freio dos incentivos ao transporte individual. Isso poderia começar, por exemplo, com introdução do pedágio urbano e ampliação decidida de corredores exclusivos.
A receita da primeira política concorreria para financiar a segunda, num ciclo virtuoso que elevaria a velocidade média, atrairia mais passageiros e aumentaria a eficiência do sistema —e, de quebra, ainda diminuiria a poluição do ar.
Ficamos positivamente surpresos com o reconhecimento da necessidade de investimentos a longo prazo, que muitas vezes é escamoteada ou transformada numa densa cortida de fumaça por veículos mais conservadores (Estadão, alguém?).
Temos absoluta convicção de que não há mais espaço para incentivos à indústria automobilística e que nossas cidades sofreram um processo avassalador de desumanização. O resultado, muito bem conhecido e flagrante na paisagem, é o de cidades deformadas por infraestruturas voltadas ao transporte individual motorizado, que suplanta parques, reduz ou elimina calçadas, dificulta a circulação segura de veículos mais lentos e não poluentes (como bicicletas), remove sistemas de bondes, atrasa a implantação de linhas de metrô, provoca a erosão do transporte ferroviário de longa e média distâncias, entre uma série de outros malefícios.
Temos não só subsidiado o automóvel com incentivos fiscais, mas também com programas de infraestrutura massivos. Nos piores cenários, populações de menor poder aquisitivo são obrigadas a adquirirem uma motocicleta, transferindo o ônus, na forma de mortes e acidentes, para outras esferas do poder público, notadamente o SUS (Sistema Único de Saúde).
Acrescentamos que é também muito importante o reconhecimento por parte da Folha de que não só a capacidade subsidiária é finita, como também não é uma solução perfeita, apontando que a redução no número de passageiros decorre não só do incentivo ao automóvel, mas também da má qualidade dos serviços e da proliferação de plataformas digitais baseadas em aplicativos (99, Uber, Cabify etc).
Sabemos que o estigma da má qualidade é duplamente desafiador, pois, se por um lado, impulsiona a narrativa pró-automóvel, por outro, exige um esforço contínuo de compreensão e valorização do transporte público, tanto para que não seja estigmatizado de maneira vazia, como também para que os problemas sejam encarados com a precisão, celeridade e seriedade necessárias. Buscando equilibrar o debate, já publicamos artigos que destacaram municípios turísticos da Grande São Paulo facilmente acessíveis via transporte público ou que apontaram situações em que a CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) oferecia vantagens em comparação com os serviços do “irmão caçula” METRÔ (Companhia do Metropolitano de São Paulo).
Finalmente, como costumamos dizer, a infraestrutura de priorização dos ônibus, quando existe, costuma ser muito rústica e desarticulada de uma noção maior de rede de transportes. A existência de corredores com padrões díspares e pouca ou nenhuma identidade, somada à implantação ainda insatisfatória de faixas exclusivas, é um claro sintoma de que muito ainda precisa ser feito, mesmo para infraestruturas de menor complexidade.
Esperamos que o editorial do jornal tenha efeitos positivos na discussão sobre tarifa, até mesmo para que possamos caminhar na direção de modelos mais universais (vulgo sem cobrança de tarifa), baseados em fundos, exploração de receitas acessórias e diferentes fontes de receita, com previsão de investimentos contínuos na modernização e melhoria da infraestrutura.
Finalmente, quanto ao pedágio urbano, trata-se de um tema que não é completamente consensual entre os membros do coletivo. Como é de se imaginar, há prós e contras e expectativas e receios. Uma premissa inegociável, entretanto, é que o pedágio urbano contribua para reduzir a utilização do transporte individual motorizado, contribua para financiar uma cidade para pessoas e seus sistemas de mobilidade com maior grau de sustentabilidade (como calçadas, ciclovias e transportes públicos sem emissão de poluentes) e não provoque o sequestro da infraestrutura associada ao pedágio, de forma que possamos caminhar no desmonte de rodovias urbanas de caráter lesivo, como as marginais dos rios Pinheiros e Tietê.
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