Por Caio César | 02/08/2020 | 4 min.
Os fins não justificam os meios: rodoviarismo atrai rodoviarismo. Quando um grupo de arquitetos e ciclistas ignora o papel do transporte público, marginalizando a ele e a seus usuários, que até o momento não foram ouvidos, passa ser apenas uma questão de tempo até alguém aparecer pedindo mais asfalto, mais trânsito, mais carro. E este alguém, infelizmente, apareceu.
Hoje, 2 de agosto, O Diário de Mogi, mais uma vez, demonstrou que não respeita a ferrovia e não está preocupado com quem dela depende. É lamentável encontrar, em pleno ano de 2020 e numa cidade que possui quatro estações da Linha 11-Coral (Luz-Estudantes) e inúmeras possibilidades de atrelar o desenvolvimento urbano e socioeconômico ao sistema metroferroviário, a insistência em ideias anacrônicas de vias marginais e vias expressas, pior ainda, redundantes.
A possibilidade de criação de uma ciclovia Leste-Oeste em Mogi das Cruzes reacendeu um sonho antigo do engenheiro civil Jamil Hallage, de 94 anos. Trabalhando na Prefeitura durante os quatro mandatos de Waldemar Costa Filho, ele pode desenvolver todo o projeto do que seria uma marginal ao lado da linha da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). O trajeto começaria em Jundiapeba e terminaria em César de Souza. Apesar de antigo, ele acredita que o plano ainda se faz necessário e seria essencial para a melhoria do trânsito da cidade.
A viagem de caráter expresso é, justamente, aquela melhor servida pelos trens. Por que deveríamos defender, em plena pandemia, num período de crise econômica e de arrecadação, outra avenida marginal, que vai custar milhões e milhões de reais aos cofres mogianos, em vez de políticas de compactação e desenvolvimento do tecido ao longo das cercanias nos distritos de Braz Cubas, Jundiapeba e Sede? O jornal não sabe que o último Plano Diretor (Lei Complementar nº 150, de 26 de dezembro de 2019) regulamentou um coeficiente de aproveitamento (CA) máximo de 4,5 em perímetros dos distritos Sede e de Braz Cubas e Cezar de Souza? O jornal não compreende que o aumento do potencial construtivo, em conjunto com outras medidas do Plano Diretor, como corredores de ônibus e ciclovias, vão na contramão de mais vias para carros?
Na visão do COMMU, Mogi das Cruzes é um município que já possui um sistema viário bastante razoável articulado em paralelo com a linha da CPTM. A partir de dados da Prefeitura do Município de Mogi das Cruzes, DataGeo, OpenStreetMaps e do IBGE, construímos rapidamente um mapa no QGIS contendo a mancha urbana, os municípios da RMSP (Região Metropolitana de São Paulo), o sistema viário e a infraestrutura de transporte sobre trilhos, em seguida, projetando uma envoltória (buffer) de 500 metros ao longo da faixa de domínio sob controle da CPTM ou da MRS, identificamos uma série de vias que já articulam deslocamentos rodoviários no sentido leste-oeste, incluindo a novíssima Avenida das Orquídeas, que possui caráter expresso e já é dotada de ciclovia e faixa exclusiva de ônibus.
A espacialização da infraestrutura de transporte mogiana também nos permitiu enxergar quão poderosa é a área de influência da ferrovia, que cobriu partes expressivas dos distritos de Braz Cubas e Jundiapeba, sem grandes esforços, apesar de ter sido conservadora (poderíamos ter adotado o dobro ou o triplo, sem grandes problemas). Identificamos inclusive um planejamento assertivo do município, por meio da importação, conversão e tratamento de dados do novo Plano Diretor. Estamos fornecendo o mapa em formato PDF, com possibilidade de impressão em A0, e em formato PNG, com possibilidade de visualização e/ou impressão a até 100 pontos por polegada.
Diante das informações levantadas, muito nos surpreende as falas de secretários do Executivo que têm sido disseminadas pelo jornal (veja aqui e aqui), bem como uma moção aprovada em 22 de julho pela Câmara local, que inclusive utiliza a reportagem que criticamos em 25 de julho como anexo do pleito.
Considerando os dados do Plano Diretor, as seguintes ciclovias são previstas ao longo da área de influência da infraestrutura ferroviária, correspondendo a uma extensão de aproximadamente 64 km de malha:
Destacamos que, tanto na face norte quanto na face sul, as ciclovias previstas não retiram espaço dos trens. O pedido dos grupos de ciclistas que estão articulados com O Diário de Mogi simplesmente não faz sentido e está eximindo a prefeitura de fazer aquilo que já aprovou após um longo processo participativo: ciclovias que utilizam o viário da cidade e que não ficam voltadas para os fundos dos lotes e retiram espaço do transporte sobre trilhos.
Fazemos um apelo para que a população que mora ou frequenta Mogi das Cruzes se aproprie do marco regulatório e busque uma discussão mais cuidadosa de temas tão importantes como ciclovias e transporte público. Suspeitamos que o principal jornal do município talvez não seja o melhor lugar para quem procura uma discussão qualificada.
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