Desafios na expansão da Linha 11 até Cezar de Souza não passam de desculpas velhas e esfarrapadas, segundo jornal

Por Caio César | 06/09/2020 | 6 min.

Legenda: Portões da MRS junto à sua passagem de nível e à Estação Estudantes do Trem Metropolitano
Realidade: expansão custaria facilmente entre 2 e 3 bilhões de reais e acrescentaria uma nova e extremamente movimentada passagem de nível à linha

O Diário de Mogi ataca novamente. Nas palavras de Darwin Valente, ausência de eletrificação e circulação de trens cargueiros são pequenos problemas para expansão da Linha 11-Coral (Luz-Estudantes) da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos). Para o colunista, que não estimou valores e muito menos parece ter consultado especialistas, tudo se resume a vontade política.

Legenda: Diagrama recortando as linhas da CPTM que atendem a Zona Leste da capital e a Sub-região Leste da Região Metropolitana de São Paulo

De partida, Valente omite o desafio de cruzar a movimentada Av. Manoel Bezerra Lima Filho, que conecta as faces sul e norte e está diretamente associada à rotatória vizinha ao terminal rodoviário. Hoje o cruzamento se dá em nível, mas a frequência dos trens cargueiros é extremamente baixa, por outro lado, o Trem Metropolitano da CPTM possui intervalo comparável a inúmeros sistemas metroviários, o que já enseja conflitos em outros pontos da cidade, notadamente no Centro Histórico e Tradicional, no qual a Prefeitura de Mogi das Cruzes enterrou (literalmente) 128 milhões de reais na forma de um complexo viário com túneis, além de gastar mais 4 milhões de reais na requalificação da Praça Sacadura Cabral, que basicamente desapareceu durante e depois da inauguração do novo viário — foram cerca de 5 anos com a praça desfigurada.

Legenda: Trecho da MRS imediatamente após a passagem de nível da Estação Estudantes: eletrificação suprimida e subutilização

Ainda que a distância entre as estações Estudantes e Cezar de Souza seja mesmo de aproximadamente 4 km, o plano de vias não está em conformidade com o que se espera de um serviço de metrô: há apenas uma via, quando idealmente precisariam existir três, duas delas para a CPTM e outra para a MRS, preferivelmente segregada. O jornal talvez não saiba, mas o leito ferroviário possui elementos pouco ou nada visíveis, ou seja, o fato de o leito estar preservado e possuir espaço para acomodar mais vias, não necessariamente elimina obras mais pesadas. Sabemos que, segundo Klincevicius (2011, p. 12), “via permanente é a denominação utilizada para o conjunto de camadas e de elementos que possibilitam a passagem de trens”, que, por sua vez, podem ser compreendidos como infraestruturais (trilhos, fixações, dormentes, lastro e o sublastro) ou superestruturais (subleito).

Legenda: Componentes da via permanente (ibidem)

Outro aspecto problemático e dispendioso é a estação. Já temos puxadinhos e puxadões suficientes na CPTM. Seria preciso construir uma nova estação em Cezar de Souza, se possível, já prevendo um terminal de ônibus. Não é barato. Vai custar quase tanto quanto o túnel. De acordo com a Calculadora do cidadão do Banco Central, utilizando o IPC-A (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), há uma variação de 44,205370%, resultando num valor de R$ 62.008.309,10 para uma estação comparável à de São Miguel Paulista, que custou, em valores de 2013, R$ 45 milhões. Para facilitar a nossa vida e a de quem lê, vamos assumir os valores divulgados pelo Portal Brasil Engenharia como inelásticos e estimarmos custos de expansão da Linha 11 com o Dólar dos Estados Unidos a R$ 5,30:

  • 4 km em superfície como metrô pesado (tipologia atual): entre R$ 2,120 bilhões e R$ 3,180 bilhões;
  • 4 km em superfície como metrô leve: entre R$ 848 milhões e R$ 1,272 bilhões.

Se o governo tivesse convertido a Linha 11 em VLT (Veículo Leve sobre Trilhos, um tipo moderno e versátil de bonde) antes da depreciação do Real e uma série de eventos políticos e econômicos, a expansão hoje custaria muito menos e seria muito menos conflituosa, infelizmente, como relembramos recentemente e também já discutimos no passado, O Diário de Mogi contribuiu para envenenar a opinião pública, boicotando o VLT e engessando o futuro dos passageiros e de Mogi das Cruzes.

Em suma, precisaríamos falar de um investimento de cerca de 2 bilhões de reais para atender um município que, no cenário pré-pandemia, produzia, com suas quatro estações, tantas viagens quanto Suzano, que conta com apenas uma estação. Com a expansão, a CPTM arcaria com as despesas de uma estação extra, entretanto, o incremento de demanda provavelmente seria irrisório. Pior do que pensar que o investimento jamais seria recuperado, é pensar que jamais seria justificado.

Não temos nenhum problema com investimento a fundo perdido, mas não gostamos de irracionalidade. Naquela porção do Alto Tietê, não temos dúvidas de que Mogi das Cruzes é o município que menos demonstra vocação para ser dormitório. Se a prefeitura local, em conjunto com o governo estadual, conseguisse desenvolver um plano para ocupar e desenvolver agressivamente as cercanias de ferrovia, abrindo caminho para que os trens ficassem movimentados durante todos os dias da semana, mesmo fora dos horários de pico, a conversa poderia ser outra. Hoje, em diversos horários, os trens “batem lata” (andam vazios) e há um divisor de águas no comportamento da demanda e ele fica muito nítido em Suzano, quando os trens esvaziam ou enchem consideravelmente.

E que fique claro: um VLT incomodaria as pessoas que viajam frequentemente de e para São Paulo? Sem dúvidas, mas a CPTM não pode ser clientelista. O transporte coletivo deve privilegiar a universalidade, a acessibilidade e seu impacto no território. O cenário desejado é aquele em que pessoas de São Paulo buscam Mogi e não o contrário. É difícil? Bastante, mas não é utópico e pode ser até melhor estimulado com níveis expressivos de trabalho remoto, numa tendência ainda incerta, que pode ou não vir para ficar.

No frigir dos ovos, nada impediria uma operação mista. A Linha 2 (Pavuna-Botafogo/Estácio) do Metrô do Rio de Janeiro nasceu da conversão de uma ferrovia e operou com trens pesados e trens leves simultaneamente durante a fase inicial de implantação. Trens são máquinas que geralmente seguem padrões rígidos de controle, segurança e previsibilidade. Poder-se-ia, com o devido planejamento, oferecer trens diretos em alguns horários (no máximo de hora em hora), mas as estações seriam encarecidas e as passagens de nível exigiriam cuidados adicionais, idênticos aos adotados hoje em dia. Na nossa opinião, é melhor apostar no desenvolvimento regional de Mogi das Cruzes, no desenvolvimento turístico do distrito de Sabaúna e do município de Guararema e fortalecer a oferta e os serviços disponíveis a partir de Suzano, melhor aproveitando a Linha 12-Safira.

Finalmente, apesar de Valente achar que o assunto não é “nada tão difícil”, fica evidente que é, sim, bastante difícil. O número de 70 mil habitantes a serem potencialmente beneficiados não é desprezível e representa quase mais de duas vezes a demanda pré-pandemia da cidade, mas não é suficiente para justificar um investimento que facilmente pode ultrapassar R$ 3 bilhões, até porque, apenas parte utilizaria os trens recorrentemente. Como já comentamos no passado, é sabido que o distrito de Cezar de Souza está na mira do mercado imobiliário e deverá receber um grande loteamento aos moldes de Alphaville Barueri. Cabe à prefeitura, em conjunto com o governo estadual, estimular a aplicação do capital privado dentro de uma lógica orientada ao transporte público. A construção de uma “Alphaville” pode ajudar a congestionar ainda mais Mogi, mas se não atrair mais viagens e não significar mais dinamismo econômico, é só desperdício de oportunidade.




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